Texto Base: 1Corintios 3:6-11
“De sorte que as igrejas eram confirmadas na fé e cada dia cresciam em número”(At 16:5).
INTRODUÇÃO
A Assembléia de Deus não nasceu por acaso, foi o Senhor quem plantou a sua “semente” no coração de seus pioneiros e o fez germinar, crescer e dar muitos frutos. Homens e mulheres, cheios do Espírito Santo ajudaram a construir a sua história. Não há dúvida que ela constitui no maior Movimento Pentecostal do mundo, idealizado e concretizado pelo Espírito Santo. É claro o trabalho do Espírito Santo na fundação e desenvolvimento desse Movimento Pentecostal. Jamais homem algum, junta missionária ou ricas empresas poderiam desenvolver um projeto tão grandioso e auspicioso. Provado está diante de nossos olhos que há um Senhor no Céu. Um Deus todo-poderoso, que recruta soldados humildes para edificar seus palácios na Terra. Em nossas mãos, está a gratidão, a honra e o respeito ao maravilhoso projeto divino executado em nosso país. Está o amor, a fé e a certeza de que fizemos e havemos de fazer o melhor para agradar Àquele que nos elegeu. Somos a geração do centenário!
I. O CHAMADO MISSIONÁRIO DOS PIONEIROS
1. O avivamento americano. Na virada do século XX, ondas de avivamento estavam acontecendo em várias partes do mundo, com destaque para os Estados Unidos, onde Charles Fox Parham começou a pregar sobre os dons do Espírito.
Em 1 ° de janeiro de 1901, Agnes N. Ozman, uma jovem de 18 anos, aluna da escola bíblica fundada por Parham, recebeu o batismo com o Espírito Santo. Nos dias seguintes, outros alunos e o próprio Parham receberiam a promessa, com a evidência do falar em outras línguas. Porém, foi através do ministério de William J. Seymour, um dos alunos de Charles Parham, que o Movimento Pentecostal moderno ganhou força. Em 1906, Seymour alugou um prédio mal conservado na Rua Azusa, nº 312, em Los Angeles. E ali, fundou a Missão da Fé Apostólica.
Em Azusa, William H. Durham (1863-1912) foi batizado com o Espírito Santo, e sua igreja, em Chicago, tornou-se um centro irradiador do pentecostes para o mundo. Vários pioneiros do avivamento mundial foram influenciados pelo derramar do Espírito Santo em igrejas de Chicago. Entre eles, Gunnar Vingren e Daniel Berg. Historicamente, a fundação da Assembleia de Deus brasileira está ligada ao avivamento americano como um todo e, posteriormente, à cooperação da igreja sueca.
2. A experiência Pentecostal e a chamada missionária de Daniel Berg e Gunnar Vingren.
a) DANIEL GUSTAV HÖGBERG (Daniel Berg). Aos 18 anos, Daniel Berg embarca para os Estados Unidos no navio M.S. Romeu, chegando a Boston em 25 de março de 1902. Fugindo da depressão financeira que assolava o país escandinavo, sonhava com um futuro promissor na América. Nos EUA, Daniel Berg esteve durante sete anos, onde aprendeu a profissão de fundidor. Mas, o Todo-Poderoso reservara-lhe outros planos.
A chamada de Daniel Berg foi claramente revelada através de uma profecia em South Bend, EUA, quando o Espírito de Deus falou com os missionários sobre uma terra distante chamada "Pará". Porém, bem antes desse fato, Daniel Berg ouviu a voz de Deus. Isso aconteceu certa manhã enquanto caminhava para o trabalho em Chicago. Ele ouviu uma voz chamar-lhe com insistência para ir ao campo missionário e procurar antes Gunnar Vingren em South Bend, no estado vizinho de Indiana.
Daniel Berg pediu demissão do emprego no mesmo dia em que ouviu a voz de Deus. Seu patrão entregou-lhe alguns dólares, uma bolacha e uma banana. Isso era uma antiga tradição americana, que simbolizava o desejo do ofertante de que nunca faltaria suprimento ao amigo. Esse gesto muito consolou o missionário e nunca foi esquecido.
Daniel Berg viajou 100 quilômetros para encontrar seu amigo Gunnar Vingren. Chegando, disse: "Irmão Vingren, Jesus ordenou-me que eu viesse me encontrar com o irmão para juntos louvarmos seu nome”. "Está bem!", respondeu Vingren. Doravante, estiveram juntos vários dias lendo as Escrituras e orando sobre o propósito missionário. Foi nesse período que o Espírito Santo lhes revelou o Pará.
b) ADOLF GUNNAR VINGREN. Gunnar Vingren sentiu a chamada de Deus pela primeira vez aos nove anos de idade. Porém, esteve longe da igreja entre os 12 e 17 anos, reconciliando-se durante um culto de vigília.
Em 1897, aos 18 anos, foi batizado nas águas na Igreja Batista em Smaland, Suécia, vindo a assumir a liderança da Escola Dominical. Mas, foi lendo um artigo sobre missões numa revista nesse mesmo ano que foi impactado pela chamada de Deus. Era o dia 14 de julho.
No ano de 1903, Gunnar Vingren seguiu o destino de muitos jovens pelo mundo: mudou-se para os Estados Unidos da América. Viajou para Liverpool (Inglaterra), cruzou o Atlântico e, depois de muitos trajetos em território americano, finalmente chegou à Kansas City. Apesar de não dominar o idioma inglês naquele tempo, Deus o guiou até a casa de seu tio Carl Vingren. De certo modo, o Senhor já preparava Gunnar Vingren para sua grande viagem missionária.
Em setembro de 1904, Gunnar Vingren mudou-se para Chicago, onde durante quatro anos estudou teologia, cooperando com muitas igrejas naquela cidade. Foi diplomado em maio de 1909. Durante toda a sua permanência nos EUA esteve ligado à Igreja Batista Sueca naquele país.
Em junho de 1909, Gunnar Vingren assume a direção da Primeira Igreja Batista de Menominee, Michiõan. Em novembro desse mesmo ano, visita a Primeira Igreja Batista Sueca de Chicago, onde é batizado com o Espírito Santo e encontra Daniel Berg.
No ano de 1910, vai para a Igreja Batista em South Bend, Indiana, onde havia um grande avivamento. Nessa cidade recebe a confirmação da chamada de Deus para o Brasil. De lá, inicia sua grande viagem rumo a Belém do Pará.
3. A VISÃO DO PARÁ. No ano de 1910, na casa de um irmão chamado Olof Uldin, em South Bend (Indiana, EUA), o Senhor falou maravilhosamente com os jovens sobre o Brasil. Gunnar Vingren afirma que durante as orações naqueles dias o poder de Deus vinha tão forte sobre os irmãos que eles não conseguiam sentar à mesa para comer. Eram levados ao chão pelo impacto da presença do Espírito Santo.
Vejamos o que o próprio Vingren nos diz sobre a revelação: “Em um determinado dia, Deus colocou no meu coração que deveríamos nos reunir num sábado à noite para orar na casa de um irmão da igreja que tinha sido batizado com o Espírito Santo. Enquanto orávamos, o Espírito do Senhor veio de maneira poderosa sobre nós. Um irmão, Olof Uldin, recebeu do Espírito Santo palavras maravilhosas e vários mistérios sobre o meu futuro lhe foram revelados. Entre muitas coisas, o Espírito Santo falou por meio desse irmão que eu deveria ir para o ‘Pará’. Foi-nos revelado também que o povo para quem eu testificaria de Jesus era de um nível social muito simples. Eu deveria ensinar-lhes os primeiros rudimentos da doutrina do Senhor. Naquela ocasião, tivemos o imenso privilégio de ouvir através do Espírito Santo a linguagem daquele povo, o idioma português. Ele também nos disse que comeríamos uma comida muito simples, mas Deus nos daria tudo o que fosse necessário. O que faltava era saber onde estava situado o ‘Pará’. Nenhum de nós o conhecia. No dia seguinte, eu disse ao irmão Olof: "Vamos a uma biblioteca aqui na cidade para saber se existe algum lugar na Terra chamado Pará". Nossa pesquisa nos fez saber que no Norte do Brasil havia um lugar com esse nome.”
Nessa profecia, entre várias coisas, Jesus falou que Vingren casaria com uma jovem de 26 anos, chamada Strandberg. Esse é um dos assuntos que o missionário classifica como "mistérios sobre o meu futuro". O casal não se conhecia. Além dessa ocasião, o Espírito Santo falou diversas vezes com os missionários. Desse modo, seguros da direção divina, puderam atender ao chamado de vir para o Brasil.
Ressalte-se que, nessa época, a Amazônia - devido aos mistérios e perigos da floresta - era considerada o "Inferno Verde" dos colonizadores, conforme romance publicado com esse título em 1908 por Alberto Rangel. Por isso, poucas igrejas do mundo ousavam investir em missões no Norte. Isso era sinônimo de fracasso e até de morte, sobretudo devido a doenças, como hanseníase, malária e febre amarela.
II. A FUNDAÇÃO DA ASSEMBLÉIA DE DEUS NO BRASIL
A Assembleia de Deus é fruto do mover do Espírito Santo, caracterizado pelo exercício de dons espirituais, conforme 1Co 12. Desprezar isso é negar a história da própria igreja.
1. A VIAGEM A BORDO DO NAVIO CLEMENT.
a) A viagem até Nova York. O modo como Deus vai conduzir esses dois jovens (Daniel Berg e Gunnar Vingren) a Belém do Pará é um dos capítulos mais belos e comoventes na história da Assembleia de Deus. Por si só, é um legado da providência divina a todos nós, que integramos as fileiras desta amada igreja na geração do centenário.
De Chicago, centro irradiador do avivamento mundial naqueles dias, Gunnar Vingren e Daniel Berg partiram para o lugar que Deus lhes tinha enviado. Em suas mãos, uma Bíblia, um mapa e poucos recursos. A igreja local levantara uma pequena oferta, suficiente apenas para que chegassem à Nova York, lugar de onde embarcariam para o Brasil.
Antes da viagem, Deus ordenou que Gunnar Vingren doasse 90 dólares ao jornal The Pentecostal Testimony (O Testemunho Pentecostal), editado pelo pastor William Durham em Chicago. Isso lhe pareceu estranho, mas obedeceu. Assim, de mãos vazias, os jovens partiram para a grandiosa Nova York. Mas, não estavam preocupados. Confiavam n'Aquele que os enviara.
A viagem começou com oração. Na estação do trem que os levaria à grande metrópole, ante os olhares curiosos de desconhecidos, Daniel Berg e Gunnar Vingren ajoelharam-se. Ali, agradeceram a Deus e pediram-lhe uma viagem segura até o Brasil.
b) O milagre. Ainda nos Estados Unidos, numa cidade onde deveriam trocar de trem, Deus veio ao encontro dos missionários de forma magnífica. Agora, depois de Gunnar Vingren entregar tudo à obra missionária, os jovens precisavam de dinheiro para custear a viagem até Belém.
Enquanto assim caminhavam, pensativos pelas ruas, entre milhares de pessoas, Gunnar Vingren avistou um conhecido negociante de Chicago. Todos surpresos com o inesperado encontro, aquele irmão contou-lhes que na noite anterior tivera um sonho, em que a insistente voz de Deus lhe mandava enviar certa importância a Vingren e que, tendo posto o dinheiro num envelope, acabara de sair para os correios.
Dito isto, alegando ter economizado os selos, o homem entregou a encomenda a Gunnar Vingren. Ao abrirem o invólucro, os missionários presenciaram um portentoso milagre: o envelope continha exatamente 90 dólares!
Com recursos em mãos, Gunnar Vingren e Daniel Berg saíram à procura do transporte, apenas marítimo naquela época. Encontraram um navio que acabara de passar por uma reforma. Preço de duas passagens para Belém: 90 dólares! Assim, no início do inverno americano, subiram a bordo do Clement. Era o dia 5 de novembro de 1910, sábado.
c) Condição a bordo. Sem muitos recursos, Daniel Berg e Gunnar Vingren viajaram de terceira classe. O porão, sem nenhuma ventilação. Todo o salão estava dividido através de cortinas, de modo que estavam improvisados 25 "camarotes". Cada um destes tinha quatro beliches. Não havia cadeiras. A comida era péssima. Uma concha de sopa e uma fila interminável. Depois, pratos, caneca e colher eram lavados e guardados debaixo do travesseiro. Uma única lamparina alumiava cada compartimento. O chão fora recoberto de serragem pela companhia, querendo poupar serviço de limpeza com passageiros que enjoassem a bordo. Assim viajaram os fundadores da Assembleia de Deus.
2. A CHEGADA A BELÉM.
a) O desembarque. O navio Clement chegou a Belém na tarde de 19 de novembro de 1910, dia da bandeira, um sábado. O porto moderno, inaugurado no ano anterior, estava repleto de embarcações de várias nacionalidades. Belém vivia o auge do ciclo da borracha. Não houve lugar para atracar. Por isso os passageiros foram remanejados para pequenos botes e conduzidos a remo.
b) Primeiras impressões. Ao desembarcar, Daniel Berg e Gunnar Vingren contemplaram pela primeira vez o povo a que foram enviados. Gente simples, sorridente, oferecendo-se para carregar as pequenas malas que traziam. Como não havia ninguém os aguardando, e sem terem um destino certo, Gunnar Vingren e Daniel Berg subiram a rua 15 de agosto, hoje presidente Vargas. Famintos e cansados entraram num dos muitos restaurantes simples abertos para a rua naquele trajeto. Como não falavam a língua local, apontaram para um prato na mesa vizinha. E receberam uma apetitosa feijoada.
Alimentados, carregando as malas pela Presidente Vargas, chegaram à praça da República. Ali, ficaram surpresos com a beleza do parque. Visitaram o Teatro da Paz, e mais fascinados ficaram com sua suntuosidade. Depois, sob uma frondosa mangueira, sentaram num banco e oraram. Pediram direção para os próximos passos.
c) A hospedagem. Após a oração, um casal que haviam conhecido no navio se aproximou dos missionários. Como não tinham onde ficar, sugeriram que pernoitassem num hotel modesto na rua João Alfredo, onde estavam hospedados. Os missionários aceitaram, mesmo sabendo que os últimos dólares no bolso só dariam para custear uma diária e algumas passagens de bonde.
Na manhã seguinte, Daniel Berg e Gunnar Vingren, refeitos pela noite de descanso, reencontraram a mesma família durante o café no hotel. Ali, sobre uma mesa deserta, avistaram um jornal editado por um pastor metodista. O pastor era Justus Nelson, pessoa que Gunnar Vingren conhecera nos Estados Unidos. Compreendendo que Deus estava na direção, os missionários saíram à procura do conhecido.
Justus Nelson, importante pastor americano radicado no Brasil, recebeu os missionários calorosamente. Sabendo que eram batistas, conduziu-os até a rua João Balby, 406. Aqui, estava localizada a Primeira Igreja Batista do Pará.
d) Na Primeira Igreja Batista. Chegando à Igreja Batista, Daniel Berg e Gunnar Vingren foram recebidos por um irmão chamado Raimundo Nobre, que estava dirigindo a igreja temporariamente. Falando inglês, pôde conversar bem com os missionários. Estes relataram o grande despertamento que estava ocorrendo nos Estados Unidos.
Raimundo Nobre mostrou-se tocado pela situação dos missionários e os convidou a morar no porão da igreja. Cada um pagaria um dólar diário, incluindo a alimentação. Isso era uma bênção, pois na hospedagem o valor era dobrado, incluso apenas o café da manhã.
Durante os cultos, Daniel Berg tocava violão e fazia dueto com Gunnar Vingren. A presença de Deus alegrava os irmãos. Logo vieram convites de outras igrejas, que os missionários atendiam com muito amor.
3. A FUNDAÇÃO DA ASSEMBLÉIA DE DEUS
a) O propósito dos missionários. Convém ressaltar que Gunnar Vingren e Daniel Berg não vieram ao Brasil para dividir ou fundar igrejas. À semelhança do fenômeno do cristianismo em relação ao judaísmo no primeiro século e do protestantismo em relação à igreja católica, na Idade Média, tais fatos foram uma consequência natural.
Com seus corações ardendo pela chama pentecostal que varria os EUA e outras nações, os missionários foram enviados por Deus para compartilhar essa mensagem aos brasileiros. Sendo membros da Igreja Batista desde tenra idade e, no caso de Vingren, pastor em atividade, agiram como idôneos e honrados servos de Deus. Procuraram a sua igreja. Não se infiltraram.
Os missionários acreditavam que o mesmo avivamento que estava ocorrendo nos Estados Unidos aconteceria no Brasil. Por isso, desde o encontro com o pastor metodista Justus Nelson, falaram abertamente com líderes brasileiros sobre suas convicções.
b) O primeiro batismo com o Espírito Santo. O velho porão do templo batista, onde os dois pioneiros moravam, tinha se transformado num avivado púlpito. Pessoas desejosas de receber o batismo com o Espírito Santo iam ali para orar. Sentados no chão, ficavam horas tratando das coisas de Deus e lendo a Palavra. Prostrados, oravam demoradamente. O mover sobrenatural da mão de Deus não cessava de curar e alegrar seu povo.
Dentre os crentes mais desejosos da promessa de Atos 2 estava Celina Martins Albuquerque, 34 anos, professora da Escola Dominical.
Celina estava acamada quando os missionários a visitaram em sua casa, na rua Siqueira Mendes. Sofria provavelmente de câncer nos lábios. Por esse motivo, os irmãos reuniram-se ali em noites seguidas de oração. Em resposta ao clamor dos servos de Deus, Celina foi plenamente curada. Esse fato levou-a a pedir com insistência o glorioso batismo. E, depois de orar e jejuar vários dias, foi batizada em sua casa. Era uma hora da madrugada de uma quinta-feira, dia 8 de junho de 1911, quando Celina Albuquerque falou novas línguas. Foi, como sabemos, a primeira pessoa brasileira a receber a promessa.
Dia seguinte, a irmã Maria de Jesus Nazareth de Araújo, que presenciara o batismo de Celina Albuquerque, também foi batizada. Ambas foram grandes instrumentos de evangelização. No ano de 1912, em Belém, o paraibano Manoel Francisco Dubu foi o primeiro homem batizado com o Espírito Santo em terras brasileiras.
c) A saída da igreja batista. O movimento de oração, cura e batismo com o Espírito Santo, dividiu opiniões na Igreja Batista. Segundo escreveu Daniel Berg, numa certa noite de reunião no porão do templo batista, chegou repentinamente o obreiro Raimundo Nobre. O clima ficou tenso. Nobre perguntou o que estava acontecendo. Erguendo-se da oração, os missionários o saudaram, convidando-o a participar daquela singela reunião. Em resposta, o líder disse que era chegada a hora de tomar uma decisão. Culpou-os de separatistas, pois estariam semeando dúvidas e inquietações entre o povo. Gunnar Vingren explicou que não era esse o objetivo dos missionários. Pelo contrário, o batismo com o Espírito Santo seria um elemento de maior coesão no rebanho.
Raimundo Nobre rebateu. Alegou que os textos bíblicos sobre cura e aquele batismo eram coisas apenas para a igreja apostólica. Disse que "seria absurdo que pessoas educadas em nossos dias pensassem que tais coisas ainda possam acontecer. Hoje, temos de ser realistas, e não ocupar o tempo com sonhos e falsas profecias”. A isto, Vingren respondeu que não convinha elevar a nível de discussão pessoal um assunto tão importante.
Nessa hora, Raimundo Nobre pediu que os partidários do ensino pentecostal levantassem a mão para que a igreja os excluísse por incompatibilidade doutrinária. Segundo a ata da Igreja Batista, ficaram de pé 13 irmãos e os dois missionários. Mas sabemos que havia também cinco menores que acompanhavam os pais.
Após a decisão administrativa, o grupo excluído orou de mãos erguidas. E todos saíram na mesma hora do templo batista, dando glórias a Deus. Era o dia 13 de junho de 1911, uma terça-feira.
d) Nasce a Assembléia de Deus. Sendo obrigados a desocupar as dependências da Igreja Batista, os missionários ficaram sem ter moradia e lugar para reunirem-se. Nessa hora, Henrique Albuquerque, esposo de Celina Albuquerque, ofereceu a sala de sua casa, na rua Siqueira Mendes, 67. E, pela perfeita vontade de Deus, foi ali que nasceu a Assembleia de Deus. Nasceu dentro de um lar. Um lar onde havia oração, cura e batismo com o Espírito Santo.
e) Data oficial de fundação da Assembléia de Deus: 18 de junho de 1911, um domingo. Nesse dia, a igreja organizou-se sob o nome "Missão da Fé Apostólica", mesmo nome que o Movimento Pentecostal utilizou desde o começo nos EUA.
Em 8 de novembro de 1914, os irmãos mudaram para o seu primeiro templo livre. A Igreja situava-se na travessa 9 de Janeiro, antigo n° 75. Em carta enviada a Suécia em 05 de junho de 1917, Frida Vingren noticia, com muita alegria, que o nome “Assembléia de Deus” está na fachada do templo.
III. DO NORTE PARA TODO O BRASIL
Daniel Berg e Gunnar Vingren, juntamente com os primeiros membros da igreja, começaram a realizar cultos em outros locais do Pará, e a evangelizar em lugares distantes deste estado. O preço foi muito alto, mas o dono da obra era o Senhor Jesus.
Lições práticas: (1) Obreiros autênticos na Assembléia de Deus são aqueles que imitam a Gunnar Vingren e Daniel Berg. São irmãos e líderes cheios de amor por Jesus e pelas pessoas. Desapegados de bens materiais, avareza ministerial e títulos de mérito próprio; (2) Tudo na Igreja tem preço de sangue. Primeiro de nosso amado Jesus; depois, de milhares de irmãos que, com suas próprias vidas, pagaram a liberdade que hoje temos. Mercantilizar a Palavra da cruz é pior do que crucificar o Salvador novamente. Ele nos ordena agora: "de graça recebestes, de graça dai" (Mt 10:8).
CONCLUSÃO
Deus fez tudo certo em relação à fundação da Assembleia de Deus. Inverteu modelos missionários para provar que a perfeita sabedoria está com Ele. A escolha de Belém, no extremo norte do Brasil, foi estratégica. Evangelização local, aproveitamento de obreiros qualificados e expansão acelerada do avivamento para toda a Nação são hoje um fato. Perseguições, necessidades e líderes exemplares, os rastros da verdadeira Igreja.
Agora, quando celebramos o Centenário, voltemo-nos mais para Jesus. Sejamos também luminárias de Deus no meio desta geração. Renunciemos nossas vaidades e caprichos. No Céu, entrarão somente os que puderem sempre dizer "Porque Deus..." (Jo 3:16) e não "Porque eu..." nas suas próprias justificativas.
O Brasil procura em nós a mesma ardente mensagem, o mesmo amor, o mesmo brilho que irradiava da face dos pioneiros. O mundo continua cansado do mundo. O mundo tem fome de Deus!
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Elaboração: Luciano de Paula Lourenço – Prof. EBD – Assembléia de Deus – Ministério Bela Vista. E-Mail: luloure@yahoo.com.br. Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com/
Referências Bibliográficas:
William Macdonald – Comentário Bíblico popular(Novo Testamento).
Bíblia de Estudo Pentecostal.
Revista Ensinador Cristão – nº 46.
ASSEMBLEIA DE DEUS EM BELÉM. História da Igreja-Mãe das Assembléias de Deus no Brasil. 7a edição. Belém do Pará: 2007.
ASSEMBLEIA DE DEUS EM BELÉM. Livros de atas (período de 1930-1952).
ASSEMBLEIA DE DEUS EM BELÉM. Revista Jubileu de Ouro. Belém do Pará: 1961.
ALMEIDA, Antônio Batista de. 80 Anos Construindo para a Glória de Deus (história da Primeira Igreja Batista no Pará). Belém do Pará: 1977.
BERG, Daniel. Enviado por Deus. Memórias de Daniel Berg. São Paulo: 1961, edição autografada pelo autor.
BÍBLIA SAGRADA, Versão Revista e Corrigida de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995.
CONDE, Emílio. História das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 1960.
DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.
“De sorte que as igrejas eram confirmadas na fé e cada dia cresciam em número”(At 16:5).
INTRODUÇÃO
A Assembléia de Deus não nasceu por acaso, foi o Senhor quem plantou a sua “semente” no coração de seus pioneiros e o fez germinar, crescer e dar muitos frutos. Homens e mulheres, cheios do Espírito Santo ajudaram a construir a sua história. Não há dúvida que ela constitui no maior Movimento Pentecostal do mundo, idealizado e concretizado pelo Espírito Santo. É claro o trabalho do Espírito Santo na fundação e desenvolvimento desse Movimento Pentecostal. Jamais homem algum, junta missionária ou ricas empresas poderiam desenvolver um projeto tão grandioso e auspicioso. Provado está diante de nossos olhos que há um Senhor no Céu. Um Deus todo-poderoso, que recruta soldados humildes para edificar seus palácios na Terra. Em nossas mãos, está a gratidão, a honra e o respeito ao maravilhoso projeto divino executado em nosso país. Está o amor, a fé e a certeza de que fizemos e havemos de fazer o melhor para agradar Àquele que nos elegeu. Somos a geração do centenário!
I. O CHAMADO MISSIONÁRIO DOS PIONEIROS
1. O avivamento americano. Na virada do século XX, ondas de avivamento estavam acontecendo em várias partes do mundo, com destaque para os Estados Unidos, onde Charles Fox Parham começou a pregar sobre os dons do Espírito.
Em 1 ° de janeiro de 1901, Agnes N. Ozman, uma jovem de 18 anos, aluna da escola bíblica fundada por Parham, recebeu o batismo com o Espírito Santo. Nos dias seguintes, outros alunos e o próprio Parham receberiam a promessa, com a evidência do falar em outras línguas. Porém, foi através do ministério de William J. Seymour, um dos alunos de Charles Parham, que o Movimento Pentecostal moderno ganhou força. Em 1906, Seymour alugou um prédio mal conservado na Rua Azusa, nº 312, em Los Angeles. E ali, fundou a Missão da Fé Apostólica.
Em Azusa, William H. Durham (1863-1912) foi batizado com o Espírito Santo, e sua igreja, em Chicago, tornou-se um centro irradiador do pentecostes para o mundo. Vários pioneiros do avivamento mundial foram influenciados pelo derramar do Espírito Santo em igrejas de Chicago. Entre eles, Gunnar Vingren e Daniel Berg. Historicamente, a fundação da Assembleia de Deus brasileira está ligada ao avivamento americano como um todo e, posteriormente, à cooperação da igreja sueca.
2. A experiência Pentecostal e a chamada missionária de Daniel Berg e Gunnar Vingren.
a) DANIEL GUSTAV HÖGBERG (Daniel Berg). Aos 18 anos, Daniel Berg embarca para os Estados Unidos no navio M.S. Romeu, chegando a Boston em 25 de março de 1902. Fugindo da depressão financeira que assolava o país escandinavo, sonhava com um futuro promissor na América. Nos EUA, Daniel Berg esteve durante sete anos, onde aprendeu a profissão de fundidor. Mas, o Todo-Poderoso reservara-lhe outros planos.
A chamada de Daniel Berg foi claramente revelada através de uma profecia em South Bend, EUA, quando o Espírito de Deus falou com os missionários sobre uma terra distante chamada "Pará". Porém, bem antes desse fato, Daniel Berg ouviu a voz de Deus. Isso aconteceu certa manhã enquanto caminhava para o trabalho em Chicago. Ele ouviu uma voz chamar-lhe com insistência para ir ao campo missionário e procurar antes Gunnar Vingren em South Bend, no estado vizinho de Indiana.
Daniel Berg pediu demissão do emprego no mesmo dia em que ouviu a voz de Deus. Seu patrão entregou-lhe alguns dólares, uma bolacha e uma banana. Isso era uma antiga tradição americana, que simbolizava o desejo do ofertante de que nunca faltaria suprimento ao amigo. Esse gesto muito consolou o missionário e nunca foi esquecido.
Daniel Berg viajou 100 quilômetros para encontrar seu amigo Gunnar Vingren. Chegando, disse: "Irmão Vingren, Jesus ordenou-me que eu viesse me encontrar com o irmão para juntos louvarmos seu nome”. "Está bem!", respondeu Vingren. Doravante, estiveram juntos vários dias lendo as Escrituras e orando sobre o propósito missionário. Foi nesse período que o Espírito Santo lhes revelou o Pará.
b) ADOLF GUNNAR VINGREN. Gunnar Vingren sentiu a chamada de Deus pela primeira vez aos nove anos de idade. Porém, esteve longe da igreja entre os 12 e 17 anos, reconciliando-se durante um culto de vigília.
Em 1897, aos 18 anos, foi batizado nas águas na Igreja Batista em Smaland, Suécia, vindo a assumir a liderança da Escola Dominical. Mas, foi lendo um artigo sobre missões numa revista nesse mesmo ano que foi impactado pela chamada de Deus. Era o dia 14 de julho.
No ano de 1903, Gunnar Vingren seguiu o destino de muitos jovens pelo mundo: mudou-se para os Estados Unidos da América. Viajou para Liverpool (Inglaterra), cruzou o Atlântico e, depois de muitos trajetos em território americano, finalmente chegou à Kansas City. Apesar de não dominar o idioma inglês naquele tempo, Deus o guiou até a casa de seu tio Carl Vingren. De certo modo, o Senhor já preparava Gunnar Vingren para sua grande viagem missionária.
Em setembro de 1904, Gunnar Vingren mudou-se para Chicago, onde durante quatro anos estudou teologia, cooperando com muitas igrejas naquela cidade. Foi diplomado em maio de 1909. Durante toda a sua permanência nos EUA esteve ligado à Igreja Batista Sueca naquele país.
Em junho de 1909, Gunnar Vingren assume a direção da Primeira Igreja Batista de Menominee, Michiõan. Em novembro desse mesmo ano, visita a Primeira Igreja Batista Sueca de Chicago, onde é batizado com o Espírito Santo e encontra Daniel Berg.
No ano de 1910, vai para a Igreja Batista em South Bend, Indiana, onde havia um grande avivamento. Nessa cidade recebe a confirmação da chamada de Deus para o Brasil. De lá, inicia sua grande viagem rumo a Belém do Pará.
3. A VISÃO DO PARÁ. No ano de 1910, na casa de um irmão chamado Olof Uldin, em South Bend (Indiana, EUA), o Senhor falou maravilhosamente com os jovens sobre o Brasil. Gunnar Vingren afirma que durante as orações naqueles dias o poder de Deus vinha tão forte sobre os irmãos que eles não conseguiam sentar à mesa para comer. Eram levados ao chão pelo impacto da presença do Espírito Santo.
Vejamos o que o próprio Vingren nos diz sobre a revelação: “Em um determinado dia, Deus colocou no meu coração que deveríamos nos reunir num sábado à noite para orar na casa de um irmão da igreja que tinha sido batizado com o Espírito Santo. Enquanto orávamos, o Espírito do Senhor veio de maneira poderosa sobre nós. Um irmão, Olof Uldin, recebeu do Espírito Santo palavras maravilhosas e vários mistérios sobre o meu futuro lhe foram revelados. Entre muitas coisas, o Espírito Santo falou por meio desse irmão que eu deveria ir para o ‘Pará’. Foi-nos revelado também que o povo para quem eu testificaria de Jesus era de um nível social muito simples. Eu deveria ensinar-lhes os primeiros rudimentos da doutrina do Senhor. Naquela ocasião, tivemos o imenso privilégio de ouvir através do Espírito Santo a linguagem daquele povo, o idioma português. Ele também nos disse que comeríamos uma comida muito simples, mas Deus nos daria tudo o que fosse necessário. O que faltava era saber onde estava situado o ‘Pará’. Nenhum de nós o conhecia. No dia seguinte, eu disse ao irmão Olof: "Vamos a uma biblioteca aqui na cidade para saber se existe algum lugar na Terra chamado Pará". Nossa pesquisa nos fez saber que no Norte do Brasil havia um lugar com esse nome.”
Nessa profecia, entre várias coisas, Jesus falou que Vingren casaria com uma jovem de 26 anos, chamada Strandberg. Esse é um dos assuntos que o missionário classifica como "mistérios sobre o meu futuro". O casal não se conhecia. Além dessa ocasião, o Espírito Santo falou diversas vezes com os missionários. Desse modo, seguros da direção divina, puderam atender ao chamado de vir para o Brasil.
Ressalte-se que, nessa época, a Amazônia - devido aos mistérios e perigos da floresta - era considerada o "Inferno Verde" dos colonizadores, conforme romance publicado com esse título em 1908 por Alberto Rangel. Por isso, poucas igrejas do mundo ousavam investir em missões no Norte. Isso era sinônimo de fracasso e até de morte, sobretudo devido a doenças, como hanseníase, malária e febre amarela.
II. A FUNDAÇÃO DA ASSEMBLÉIA DE DEUS NO BRASIL
A Assembleia de Deus é fruto do mover do Espírito Santo, caracterizado pelo exercício de dons espirituais, conforme 1Co 12. Desprezar isso é negar a história da própria igreja.
1. A VIAGEM A BORDO DO NAVIO CLEMENT.
a) A viagem até Nova York. O modo como Deus vai conduzir esses dois jovens (Daniel Berg e Gunnar Vingren) a Belém do Pará é um dos capítulos mais belos e comoventes na história da Assembleia de Deus. Por si só, é um legado da providência divina a todos nós, que integramos as fileiras desta amada igreja na geração do centenário.
De Chicago, centro irradiador do avivamento mundial naqueles dias, Gunnar Vingren e Daniel Berg partiram para o lugar que Deus lhes tinha enviado. Em suas mãos, uma Bíblia, um mapa e poucos recursos. A igreja local levantara uma pequena oferta, suficiente apenas para que chegassem à Nova York, lugar de onde embarcariam para o Brasil.
Antes da viagem, Deus ordenou que Gunnar Vingren doasse 90 dólares ao jornal The Pentecostal Testimony (O Testemunho Pentecostal), editado pelo pastor William Durham em Chicago. Isso lhe pareceu estranho, mas obedeceu. Assim, de mãos vazias, os jovens partiram para a grandiosa Nova York. Mas, não estavam preocupados. Confiavam n'Aquele que os enviara.
A viagem começou com oração. Na estação do trem que os levaria à grande metrópole, ante os olhares curiosos de desconhecidos, Daniel Berg e Gunnar Vingren ajoelharam-se. Ali, agradeceram a Deus e pediram-lhe uma viagem segura até o Brasil.
b) O milagre. Ainda nos Estados Unidos, numa cidade onde deveriam trocar de trem, Deus veio ao encontro dos missionários de forma magnífica. Agora, depois de Gunnar Vingren entregar tudo à obra missionária, os jovens precisavam de dinheiro para custear a viagem até Belém.
Enquanto assim caminhavam, pensativos pelas ruas, entre milhares de pessoas, Gunnar Vingren avistou um conhecido negociante de Chicago. Todos surpresos com o inesperado encontro, aquele irmão contou-lhes que na noite anterior tivera um sonho, em que a insistente voz de Deus lhe mandava enviar certa importância a Vingren e que, tendo posto o dinheiro num envelope, acabara de sair para os correios.
Dito isto, alegando ter economizado os selos, o homem entregou a encomenda a Gunnar Vingren. Ao abrirem o invólucro, os missionários presenciaram um portentoso milagre: o envelope continha exatamente 90 dólares!
Com recursos em mãos, Gunnar Vingren e Daniel Berg saíram à procura do transporte, apenas marítimo naquela época. Encontraram um navio que acabara de passar por uma reforma. Preço de duas passagens para Belém: 90 dólares! Assim, no início do inverno americano, subiram a bordo do Clement. Era o dia 5 de novembro de 1910, sábado.
c) Condição a bordo. Sem muitos recursos, Daniel Berg e Gunnar Vingren viajaram de terceira classe. O porão, sem nenhuma ventilação. Todo o salão estava dividido através de cortinas, de modo que estavam improvisados 25 "camarotes". Cada um destes tinha quatro beliches. Não havia cadeiras. A comida era péssima. Uma concha de sopa e uma fila interminável. Depois, pratos, caneca e colher eram lavados e guardados debaixo do travesseiro. Uma única lamparina alumiava cada compartimento. O chão fora recoberto de serragem pela companhia, querendo poupar serviço de limpeza com passageiros que enjoassem a bordo. Assim viajaram os fundadores da Assembleia de Deus.
2. A CHEGADA A BELÉM.
a) O desembarque. O navio Clement chegou a Belém na tarde de 19 de novembro de 1910, dia da bandeira, um sábado. O porto moderno, inaugurado no ano anterior, estava repleto de embarcações de várias nacionalidades. Belém vivia o auge do ciclo da borracha. Não houve lugar para atracar. Por isso os passageiros foram remanejados para pequenos botes e conduzidos a remo.
b) Primeiras impressões. Ao desembarcar, Daniel Berg e Gunnar Vingren contemplaram pela primeira vez o povo a que foram enviados. Gente simples, sorridente, oferecendo-se para carregar as pequenas malas que traziam. Como não havia ninguém os aguardando, e sem terem um destino certo, Gunnar Vingren e Daniel Berg subiram a rua 15 de agosto, hoje presidente Vargas. Famintos e cansados entraram num dos muitos restaurantes simples abertos para a rua naquele trajeto. Como não falavam a língua local, apontaram para um prato na mesa vizinha. E receberam uma apetitosa feijoada.
Alimentados, carregando as malas pela Presidente Vargas, chegaram à praça da República. Ali, ficaram surpresos com a beleza do parque. Visitaram o Teatro da Paz, e mais fascinados ficaram com sua suntuosidade. Depois, sob uma frondosa mangueira, sentaram num banco e oraram. Pediram direção para os próximos passos.
c) A hospedagem. Após a oração, um casal que haviam conhecido no navio se aproximou dos missionários. Como não tinham onde ficar, sugeriram que pernoitassem num hotel modesto na rua João Alfredo, onde estavam hospedados. Os missionários aceitaram, mesmo sabendo que os últimos dólares no bolso só dariam para custear uma diária e algumas passagens de bonde.
Na manhã seguinte, Daniel Berg e Gunnar Vingren, refeitos pela noite de descanso, reencontraram a mesma família durante o café no hotel. Ali, sobre uma mesa deserta, avistaram um jornal editado por um pastor metodista. O pastor era Justus Nelson, pessoa que Gunnar Vingren conhecera nos Estados Unidos. Compreendendo que Deus estava na direção, os missionários saíram à procura do conhecido.
Justus Nelson, importante pastor americano radicado no Brasil, recebeu os missionários calorosamente. Sabendo que eram batistas, conduziu-os até a rua João Balby, 406. Aqui, estava localizada a Primeira Igreja Batista do Pará.
d) Na Primeira Igreja Batista. Chegando à Igreja Batista, Daniel Berg e Gunnar Vingren foram recebidos por um irmão chamado Raimundo Nobre, que estava dirigindo a igreja temporariamente. Falando inglês, pôde conversar bem com os missionários. Estes relataram o grande despertamento que estava ocorrendo nos Estados Unidos.
Raimundo Nobre mostrou-se tocado pela situação dos missionários e os convidou a morar no porão da igreja. Cada um pagaria um dólar diário, incluindo a alimentação. Isso era uma bênção, pois na hospedagem o valor era dobrado, incluso apenas o café da manhã.
Durante os cultos, Daniel Berg tocava violão e fazia dueto com Gunnar Vingren. A presença de Deus alegrava os irmãos. Logo vieram convites de outras igrejas, que os missionários atendiam com muito amor.
3. A FUNDAÇÃO DA ASSEMBLÉIA DE DEUS
a) O propósito dos missionários. Convém ressaltar que Gunnar Vingren e Daniel Berg não vieram ao Brasil para dividir ou fundar igrejas. À semelhança do fenômeno do cristianismo em relação ao judaísmo no primeiro século e do protestantismo em relação à igreja católica, na Idade Média, tais fatos foram uma consequência natural.
Com seus corações ardendo pela chama pentecostal que varria os EUA e outras nações, os missionários foram enviados por Deus para compartilhar essa mensagem aos brasileiros. Sendo membros da Igreja Batista desde tenra idade e, no caso de Vingren, pastor em atividade, agiram como idôneos e honrados servos de Deus. Procuraram a sua igreja. Não se infiltraram.
Os missionários acreditavam que o mesmo avivamento que estava ocorrendo nos Estados Unidos aconteceria no Brasil. Por isso, desde o encontro com o pastor metodista Justus Nelson, falaram abertamente com líderes brasileiros sobre suas convicções.
b) O primeiro batismo com o Espírito Santo. O velho porão do templo batista, onde os dois pioneiros moravam, tinha se transformado num avivado púlpito. Pessoas desejosas de receber o batismo com o Espírito Santo iam ali para orar. Sentados no chão, ficavam horas tratando das coisas de Deus e lendo a Palavra. Prostrados, oravam demoradamente. O mover sobrenatural da mão de Deus não cessava de curar e alegrar seu povo.
Dentre os crentes mais desejosos da promessa de Atos 2 estava Celina Martins Albuquerque, 34 anos, professora da Escola Dominical.
Celina estava acamada quando os missionários a visitaram em sua casa, na rua Siqueira Mendes. Sofria provavelmente de câncer nos lábios. Por esse motivo, os irmãos reuniram-se ali em noites seguidas de oração. Em resposta ao clamor dos servos de Deus, Celina foi plenamente curada. Esse fato levou-a a pedir com insistência o glorioso batismo. E, depois de orar e jejuar vários dias, foi batizada em sua casa. Era uma hora da madrugada de uma quinta-feira, dia 8 de junho de 1911, quando Celina Albuquerque falou novas línguas. Foi, como sabemos, a primeira pessoa brasileira a receber a promessa.
Dia seguinte, a irmã Maria de Jesus Nazareth de Araújo, que presenciara o batismo de Celina Albuquerque, também foi batizada. Ambas foram grandes instrumentos de evangelização. No ano de 1912, em Belém, o paraibano Manoel Francisco Dubu foi o primeiro homem batizado com o Espírito Santo em terras brasileiras.
c) A saída da igreja batista. O movimento de oração, cura e batismo com o Espírito Santo, dividiu opiniões na Igreja Batista. Segundo escreveu Daniel Berg, numa certa noite de reunião no porão do templo batista, chegou repentinamente o obreiro Raimundo Nobre. O clima ficou tenso. Nobre perguntou o que estava acontecendo. Erguendo-se da oração, os missionários o saudaram, convidando-o a participar daquela singela reunião. Em resposta, o líder disse que era chegada a hora de tomar uma decisão. Culpou-os de separatistas, pois estariam semeando dúvidas e inquietações entre o povo. Gunnar Vingren explicou que não era esse o objetivo dos missionários. Pelo contrário, o batismo com o Espírito Santo seria um elemento de maior coesão no rebanho.
Raimundo Nobre rebateu. Alegou que os textos bíblicos sobre cura e aquele batismo eram coisas apenas para a igreja apostólica. Disse que "seria absurdo que pessoas educadas em nossos dias pensassem que tais coisas ainda possam acontecer. Hoje, temos de ser realistas, e não ocupar o tempo com sonhos e falsas profecias”. A isto, Vingren respondeu que não convinha elevar a nível de discussão pessoal um assunto tão importante.
Nessa hora, Raimundo Nobre pediu que os partidários do ensino pentecostal levantassem a mão para que a igreja os excluísse por incompatibilidade doutrinária. Segundo a ata da Igreja Batista, ficaram de pé 13 irmãos e os dois missionários. Mas sabemos que havia também cinco menores que acompanhavam os pais.
Após a decisão administrativa, o grupo excluído orou de mãos erguidas. E todos saíram na mesma hora do templo batista, dando glórias a Deus. Era o dia 13 de junho de 1911, uma terça-feira.
d) Nasce a Assembléia de Deus. Sendo obrigados a desocupar as dependências da Igreja Batista, os missionários ficaram sem ter moradia e lugar para reunirem-se. Nessa hora, Henrique Albuquerque, esposo de Celina Albuquerque, ofereceu a sala de sua casa, na rua Siqueira Mendes, 67. E, pela perfeita vontade de Deus, foi ali que nasceu a Assembleia de Deus. Nasceu dentro de um lar. Um lar onde havia oração, cura e batismo com o Espírito Santo.
e) Data oficial de fundação da Assembléia de Deus: 18 de junho de 1911, um domingo. Nesse dia, a igreja organizou-se sob o nome "Missão da Fé Apostólica", mesmo nome que o Movimento Pentecostal utilizou desde o começo nos EUA.
Em 8 de novembro de 1914, os irmãos mudaram para o seu primeiro templo livre. A Igreja situava-se na travessa 9 de Janeiro, antigo n° 75. Em carta enviada a Suécia em 05 de junho de 1917, Frida Vingren noticia, com muita alegria, que o nome “Assembléia de Deus” está na fachada do templo.
III. DO NORTE PARA TODO O BRASIL
Daniel Berg e Gunnar Vingren, juntamente com os primeiros membros da igreja, começaram a realizar cultos em outros locais do Pará, e a evangelizar em lugares distantes deste estado. O preço foi muito alto, mas o dono da obra era o Senhor Jesus.
Lições práticas: (1) Obreiros autênticos na Assembléia de Deus são aqueles que imitam a Gunnar Vingren e Daniel Berg. São irmãos e líderes cheios de amor por Jesus e pelas pessoas. Desapegados de bens materiais, avareza ministerial e títulos de mérito próprio; (2) Tudo na Igreja tem preço de sangue. Primeiro de nosso amado Jesus; depois, de milhares de irmãos que, com suas próprias vidas, pagaram a liberdade que hoje temos. Mercantilizar a Palavra da cruz é pior do que crucificar o Salvador novamente. Ele nos ordena agora: "de graça recebestes, de graça dai" (Mt 10:8).
CONCLUSÃO
Deus fez tudo certo em relação à fundação da Assembleia de Deus. Inverteu modelos missionários para provar que a perfeita sabedoria está com Ele. A escolha de Belém, no extremo norte do Brasil, foi estratégica. Evangelização local, aproveitamento de obreiros qualificados e expansão acelerada do avivamento para toda a Nação são hoje um fato. Perseguições, necessidades e líderes exemplares, os rastros da verdadeira Igreja.
Agora, quando celebramos o Centenário, voltemo-nos mais para Jesus. Sejamos também luminárias de Deus no meio desta geração. Renunciemos nossas vaidades e caprichos. No Céu, entrarão somente os que puderem sempre dizer "Porque Deus..." (Jo 3:16) e não "Porque eu..." nas suas próprias justificativas.
O Brasil procura em nós a mesma ardente mensagem, o mesmo amor, o mesmo brilho que irradiava da face dos pioneiros. O mundo continua cansado do mundo. O mundo tem fome de Deus!
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Elaboração: Luciano de Paula Lourenço – Prof. EBD – Assembléia de Deus – Ministério Bela Vista. E-Mail: luloure@yahoo.com.br. Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com/
Referências Bibliográficas:
William Macdonald – Comentário Bíblico popular(Novo Testamento).
Bíblia de Estudo Pentecostal.
Revista Ensinador Cristão – nº 46.
ASSEMBLEIA DE DEUS EM BELÉM. História da Igreja-Mãe das Assembléias de Deus no Brasil. 7a edição. Belém do Pará: 2007.
ASSEMBLEIA DE DEUS EM BELÉM. Livros de atas (período de 1930-1952).
ASSEMBLEIA DE DEUS EM BELÉM. Revista Jubileu de Ouro. Belém do Pará: 1961.
ALMEIDA, Antônio Batista de. 80 Anos Construindo para a Glória de Deus (história da Primeira Igreja Batista no Pará). Belém do Pará: 1977.
BERG, Daniel. Enviado por Deus. Memórias de Daniel Berg. São Paulo: 1961, edição autografada pelo autor.
BÍBLIA SAGRADA, Versão Revista e Corrigida de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995.
CONDE, Emílio. História das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 1960.
DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.