Texto Básico: Isaias 58:6-8,10,11; Tiago 2:14-17
“Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe fechar o seu coração, como permanece nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obras e em verdade”(1João 3:17,18).
INTRODUÇÃO
O binômio evangelização-ação social são duas atividades complementares da igreja. Infelizmente, muitos evangélicos fazem uma dicotomia entre esses elementos, considerando-os como mutuamente excludentes. Acham que a igreja deve preocupar-se apenas com atividades “espirituais” ou religiosas, como a evangelização, deixando a esfera social para outras instituições, principalmente o Estado. Entendemos que a evangelização e a ação social são partes essenciais e complementares da missão da igreja no mundo. Cremos existirem abundantes argumentos bíblicos que apontam para o fato de que Deus quer dar plenitude de vida às suas criaturas, e essa plenitude inclui tanto o conhecimento de Deus e um relacionamento vital com ele, quanto o suprimento das necessidades humanas mais fundamentais no plano material. Não só o desconhecimento de Deus, mas também a fome, a doença, a ignorância e a violência são fatores que atentam contra a dignidade humana. Portanto, a evangelização e a ação social devem caminhar lado a lado, como dois aspectos integrais da missão e do testemunho da igreja junto à sociedade.
I. POBREZA: UMA REALIDADE SEMPRE PRESENTE
A palavra “pobre” na Bíblia se refere à pessoa que, por uma tragédia ou injustiça, foi levado à miséria. São os indigentes, os carentes, os favelados, sem teto, sem terra (Mt 5:1-12; Mt 11:28; Lc 16:19-31). Assim, por “pobre” a Bíblia denomina todos aqueles que, de algum modo, foram despojados dos bens e recursos ficando reduzido à escravidão ou à mendicância, incapazes de suprir suas necessidades pessoais e familiares.
A pobreza, sempre presente, é testemunha que, ao longo da história, o ser humano tem falhado nas questões sociais. Além disso, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento não se via uma classe média. O que havia era a classe pobre, que nada tinha, e a classe rica, que possuía bens e terras, separadas entre si por um grande abismo.
O Senhor sempre levantou profetas para denunciar a injustiça social excessiva que, periodicamente, surgia em Israel, precisamente em épocas de maior desvio espiritual (Is 1:17; Jr 22:3; Am 2:4-8), prova de que não admite o conformismo e a omissão como resposta a este estado de coisas. Afinal, se somos o corpo de Cristo, aqui estamos para desfazer as obras do diabo, entre os quais, se encontra a injustiça social (1João 3:8).
Assim como Jesus, não devemos apenas denunciar a pobreza, a miséria e a fome, mas, além de propor soluções para estes problemas, ajudarmos a diminuir esta situação com iniciativas de assistência social, que não seja apenas a “bolsa dos pobres”, que é necessária e que era utilizada por Jesus, mas também levando a essas pessoas necessitadas a ajuda que só a Igreja pode dar, que é a ajuda espiritual, a mensagem de libertação da opressão maior, que é a do pecado.
Para colocar diretrizes ao tratamento das injustiças sociais, o Antigo Testamento e o Novo Testamento apresentam leis, advertências e orientações com relação à exploração dos pobres e injustiçados:
* Ex 21.2: após seis anos de escravidão o devedor está livre do credor escravizante.
* Ex 23.10-11: a cada seis anos o proprietário não poderia plantar na sua terra – era o chamado ano sabático - e no sétimo havia o descanso da terra, sendo que o que crescesse nesse ano não poderia ser colhido pelo proprietário, mas deveria ser deixado para os pobres.
* Ex 23.6: advertência aos juízes para que não pervertam a justiça para prejudicar os pobres.
* Ex 22.21-24: Deus é quem intervém para fazer vingança em favor do pobre.
* Dt 15.7-11: ordena ao povo ser bondoso para com o pobre.
* Dt 24.15-15: ordena o pagamento de salário justo ao pobre.
* Am 2.7; 4.1 e 5.11: condenam a opressão do pobre, os excessos de impostos e a exploração dos pobres.
* Sl 9.18: mostra o cuidado com os pobres.
* Mt 5.3 e Lc 6.20: os pobres são chamados de bem-aventurados.
* Lc 16.19-31: a Parábola do Rico e Lázaro mostra que a riqueza sem justiça e que explora são condenadas por Deus.
* At 2.44-45 e 4.34-37: apresenta a preocupação que se deve ter com os pobres.
* Finalmente, a Igreja deve estar consciente de que “sempre haverá pobres e necessitados no meio dela” (Dt 15:11a; João 12:8) e assim devemos cumprir a ordem divina: ”Livremente abrirás a tua mão para teu irmão, para o teu necessitado e para o teu pobre na tua terra” (Dt 15:11b).
Todavia, é bom ressaltar que ser pobre não é pecado nem ser rico é sinônimo de santidade. Aliás, o pobre o rico foram criados por Deus(Pv 22:2). Não devemos aceitar os exageros da "Teologia da Prosperidade", nem aceitar a "Teologia da Miserabilidade". Devemos nos afeiçoar à porção justa de Agur(Pv 30:7-9).
Creio que Deus tem um plano para cada um de nós desde que nos submetamos a Ele. Assim Deus chama uns para serem pobres e na sua pobreza fazer uma grande obra pra Ele; enquanto também chama pessoas de classe média e alta para O servir. Também vemos que Ele chama ricos e os faz pobres, como chama pobres e os faz ricos, tudo está em Seus planos e o que temos que fazer é nos submeter a eles sem murmuração.
II. QUESTÕES SOCIAIS NO ANTIGO TESTAMENTO
No Antigo Testamento, uma das funções dos profetas era a denúncia contra a nação quando os necessitados eram negligenciados, pois esse tipo de injustiça feria a santidade de Deus (Jr 34:8-11,16,17).
A injustiça social, o suborno que torcia a justiça para exercer poder contra os pobres, a exploração dos comerciantes sem escrúpulos, o desprezo aos menos favorecidos (órfãos e viúvas), a exploração dos latifundiários, uma vida luxuosa contrastando ostensivamente com a miséria dos indigentes, tudo era alvo da crítica profética (ler Isaías 1:17,23; 3:14-15,18-23; 58:5-10. Miquéias 2:1; 6:8-11; 7:3. Amós 2:6-7; 4:1;5:12-15; 8:4-6).
1. Os ricos e os pobres em Israel. No Antigo Testamento, a riqueza estava concentrada nas mãos dos reis e de suas cortes. Assim, quanto maior luxo havia na corte, maior era a carga de tributos sobre os súditos do rei para financiá-lo. Até mesmo os reinados de Davi e Salomão foram de profundo crescimento da pobreza em função da manutenção do exército e do palácio real, tornando a classe pobre oprimida e injustiçada, especialmente a dos povos dominados. Além disso, os ricos exploravam os pobres tomando suas propriedades em troca de pequenas dívidas, para aumentar suas posses, e os donos primitivos das terras eram vendidos como escravos ou aprisionados por tempo indeterminado.
Os estudiosos da doutrina social bíblica tem chamado essa injustiça inerente a toda sociedade de “pecado social”. Sim, o “pecado social” é uma realidade presente e deve ser combatido pela Igreja, como qualquer outro pecado, mas não devemos nos iludir: o “pecado social” só é combatido pela pregação do Evangelho. O “pecado social” somente poderá ser extirpado quando os homens pecadores forem regenerados, quando nascerem da água e do Espírito. Por isso, a salvação individual de cada pessoa continua a ser a única forma pela qual a Igreja pode combater o “pecado social”, que, como sabemos, somente será dissipado quando o próprio Jesus reinar sobre a Terra, quando, então, “a misericórdia e a verdade se encontrarão; a justiça e a paz se beijarão”(Sl 85:10).
Todavia, o fato de que o “pecado social” só será extirpado quando do reino milenial de Cristo, não impede nem dispensa a Igreja de lutar para que haja melhorias na vida em sociedade, para que a injustiça e as desigualdades sociais sejam diminuídas. Jesus dá-nos o exemplo, pois, embora confirmasse que os pobres sempre existiriam (Mt 26:11; João 12:8), nem por isso deixava de ter uma bolsa para ajudar os pobres (João 12:5,6).
Há, ainda, entre os crentes, quem defenda que a prosperidade material é um indicador de que a pessoa é abençoada, que a pessoa está em comunhão com Deus, que está em virtude de uma superioridade espiritual frente aos demais homens. Este era um conceito corrente na Antigüidade e que, mesmo entre os cristãos aqui no Ocidente, obteve acolhida. Entre os judeus dos tempos de Jesus, por exemplo, notamos como era forte este entendimento, pois houve admiração até entre os discípulos quando Jesus afirmou que os ricos teriam dificuldades para entrar no reino de Deus (cf. Mt 19:23-26).
Muitos pensam que se a pessoa não for rica, se a pessoa não tiver abundância de bens materiais, não estará demonstrando que tem comunhão com Deus, nem tampouco que seja verdadeiro filho de Deus. No entanto, não é isso que a Bíblia está a dizer em todo o seu conteúdo. Deus pode, sim, abençoar com bênçãos materiais, mas isto não é um critério para demonstração de comunhão com Deus, nem de superioridade espiritual. Não há qualquer garantia de prosperidade material para os servos de Deus. Deus promete é um galardão nos céus, não na terra (cfr. Mt 6:19-21). Como bem afirmou Jesus, “a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que possui” (Lc 12:15).
Não se está aqui afirmando que o cristão não deve procurar uma melhoria de vida, um melhor emprego, capacitar-se para obter melhores posições, mas, afirmando que não devemos colocar como alvos únicos e exclusivos de nossas vidas uma prosperidade material(ler Pv 27:24). Nunca nos esqueçamos que, se cremos em Cristo só para esta vida, seremos os mais miseráveis de todos os homens!(1Co 15:19).
2. A escravidão em Israel (Dt 15:12-18). A escravidão fazia parte do cenário contemporâneo, mas a legislação mosaica modificou seus rigores e tomou providencias para seu fim em condições generosas.
Depois de servir por seis anos(15:12), o escravo receberia alforria no sétimo. De acordo com o versículo 14, com os presentes do rebanho, da eira e do lagar do seu senhor, o escravo liberto começaria a vida com o suficiente para ter independência. Este ato humanitário reconhecia que cada pessoa foi criada por Deus e tinha valor e dignidade. Há três motivos para o senhor do escravo fazer assim: primeiro, porque ele próprio é tratado generosamente pelo SENHOR (15:14); segundo, ele, ou seus antepassados, foram escravos no Egito e o Senhor os resgatou(15:15); e terceiro, tendo o ex-escravo como membro permanente da casa, ele recebeu duas vezes o benefício de um jornaleiro(15:18; “trabalhador contratado”, NVI), que trabalhava somente em horários ajustados.
Hoje não possuímos escravos, mas as instruções do Senhor ainda se aplicam a nós. Precisamos tratar nossos empregados com respeito e justiça econômica. Os empregadores que, realmente, são servos de Deus devem assalariar seus empregados de acordo com a reta justiça, não se contentando em cumprir a lei, mas em ser justo, o que é coisa bem diversa, mormente quando sabemos que, nos últimos tempos, a exploração dos trabalhadores tem aumentado cada vez mais e as implicações da economia e da política têm impedido que o salário mínimo, por exemplo, seja o que deveria ser, nos termos da legislação.
É profundamente lamentável que, nos nossos dias, poucos, muito poucos têm se comportado desta maneira entre os empresários que se dizem cristãos. Para eles, a lei da concorrência, as regras do mercado, este novo “deus” que tem guiado os patrões, estejam acima do que ensina a Palavra de Deus. No entanto, não devemos agradar aos homens nem nos conformarmos com o sistema do mundo pecaminoso, mas, sim, obedecermos à Palavra do Senhor. Deus é o dono do ouro e da prata, não o mercado. Deus tem o controle de todas as coisas, não o mercado. Assim, patrões crentes, obedeçam a Deus e não ao mercado. Sejam justos e equânimes com os seus empregados e, certamente, o Senhor lhes recompensará!
3. O socorro aos pobres. Quando os israelitas estavam para entrar na Terra Prometida, Deus ordenou-lhes que ajudassem os pobres que viessem a conviver com eles( ler Dt 15:11). Esta era uma importante ação a ser observada no momento da posse da terra.
Muitas pessoas pensam que os pobres são menos favorecidos por causa de seus atos pecaminosos. Este tipo de raciocínio faz com que elas fechem seu coração e sua mão para os necessitados. Mas não devemos inventar desculpas para ignorar o pobre. Precisamos suprir as necessidades deles sem questionar quem ou o que foi responsável por essa condição.
Quem são os pobres em sua comunidade? Como sua igreja pode ajudá-los? Deus observa nossa atitude e desejo de ajudar os pobres e necessitados. Devemos usar nossos recursos materiais para ajudar os realmente necessitados. O espírito de cobiça e de egoísmo que não se preocupa com as necessidades dos outros, priva-nos da bênção de Deus (Dt 15:9,10).
4. Modelos Bíblicos para socorro aos pobres, no Antigo Testamento:
a) O ano do jubileu (Lv 25:10-17). Significava que ao fim de cada período de 50 anos a terra voltava aos donos originais sem qualquer pagamento. Ocorria que algumas pessoas, por circunstâncias variadas (doenças, morte da pessoa que sustentava a família, endividamento ou até pela falta de capacidade – física ou administrativa), eram obrigadas a vender sua terra.
A terra, portanto, não podia ser vendida definitivamente (Lv 25:23), pelo fato de Deus ser o proprietário absoluto de toda terra. No período anterior e posterior ao Jubileu a terra podia ser vendida ou comprada, porém, o que era comprado ou vendido, era o direito de usufruto e não a terra em si (Lv 25:16). A pessoa assim, adquiria o direito de plantar e colher consciente de que no jubileu toda terra adquirida voltava, gratuitamente, aos donos originais ou seus descendentes.
b) O Ano Sabático (Ex 23:10,11; Lv 25:1-7). Tinha dupla função: humanitária e ecológica. Ao final de cada período de 6 anos o proprietário deveria deixar a terra em repouso. O que estivesse plantado deveria ser deixado e os frutos não deveriam ser colhidos pelo dono. Eram deixados para que os pobres da terra tivessem como se alimentar.
Também, no ano sabático eram libertos todos os escravos. As situações de pobreza provocavam endividamentos e isto forçava muitos hebreus a se venderem ou a seus filhos como escravos (cf. Ne 5). No ano sabático todos deveriam ser libertos (Dt 15:12-18). É muito interessante notar que os escravos libertos não deveriam ser despedidos de mãos vazias (cf. Dt 15:13,14). Além disso, no ano sabático todas as dívidas deveriam ser canceladas (Dt 15:1-6).
Não era permitido a um hebreu escravizar outro hebreu nem tratá-lo com tirania (Lv 25:39,40,43), Mesmo assim, há registros de tal ocorrência no livro de Neemias (cap. 5).
c) O Dízimo Trienal (Dt 14:28,29). De em 3 em 3 anos o povo deveria tirar o dízimo de tudo quanto havia produzido em sua terra e colocá-lo à porta para que os levitas, os estrangeiros, o órfão e a viúva se alimentassem.
d) A Lei da Rebusca (Lv 19:9,10). Obedecendo a essa lei, na época da colheita o agricultor não deveria colher todo o seu fruto, mas deveria deixar algum “para o pobre e para o estrangeiro” (cf. Rt 2:2,3,7). Pode-se ver aqui que, apesar de ser um direito dos pobres, dependia da boa vontade dos proprietários.
Todas essas recomendações demonstram o cuidado de Deus para proteger os mais pobres ou, mesmo evitar que as pessoas chegassem a situações de necessidades extremas. Assim também, o povo de Deus hoje precisa encaminhar projetos que amenize o sofrimento das pessoas mais carentes.
III. O NOVO TESTAMENTO E A AÇÃO SOCIAL DA IGREJA
Se tomarmos o exemplo da Igreja Primitiva, veremos o quanto ela atentou às necessidades do seu tempo e realizou um trabalho social que beneficiou muitas pessoas (At 2:42; 4:32), e o apóstolo Paulo incentivou a coleta de recursos que amparassem as necessidades da Igreja em Jerusalém quando esta passava por um período de sérias provações (Rm 15:25-29). Além de assistir os domésticos da fé, o serviço social nos move para fazer melhor as boas obras. Isso não significa que essas ações tenham o poder de nos salvar, e sim que, por sermos salvos, fazemos boas obras para agradar a Deus e partilhar o que temos com aqueles que pouco tem.
1. A Prática de Jesus. Jesus estabeleceu uma comunidade de discípulos cujo relacionamento se baseava no amor e na partilha.
a) Eram recolhidas ofertas/doações para os pobres. Essa comunidade dispunha de uma bolsa comum onde eram recolhidas ofertas/doações que eram administradas por Judas Iscariotes. Dessa bolsa, sob as ordens de Jesus eram feitas doações aos pobres (cf. João 12:6; 13:29). Algumas mulheres seguidoras do Mestre colocavam seus bens a serviço dessa causa (cf. Mc 15:40,41; Lc 8:1-3).
b) A proposta de Jesus ao jovem rico (Lc 19:16-22). Aqui Jesus propõe ao jovem uma alteração radical no seu estilo de vida que trazia implicações profundas na área financeira: repartir com os pobres.
c) A multiplicação dos pães e dos peixes (Mc 6:30-44). Ao multiplicar estes elementos Jesus se utiliza do pouco que alguém se dispôs a partilhar. Partilhar o que se tem mexe com o nosso egoísmo. Alguns intérpretes acham que o que ocorreu nessa ocasião foi que todos se dispuseram a dar do pouco que tinham e a grande lição que Jesus queria ensinar é que a disposição para repartir o que se tem promove o suprimento de todos.
2. O Exercício dos Ministérios Sociais nos primeiros tempos da Igreja. A preocupação com ministérios sociais é natural à fé cristã e essa marca distinguiu os cristãos desde o princípio. Nos primeiros três séculos da Igreja essa preocupação se configurou no surgimento de diversas atividades cujo objetivo era socorrer pessoas em situações extremas (viúvas, órfãos, encarcerados, etc.).
a) Socorro a órfãos e viúvas. As comunidades cristãs assumiram como tarefa básica de seus líderes “cuidar daqueles que não tinham ninguém mais para tomar-lhes conta” (HINSON & SIEPIERSKI, s/d., p. 94), cf. Tg 1:27. Por volta do ano 217, Hipólito testava candidatos ao batismo no socorro dispensado às viúvas. Nesse período o infanticídio e o abandono de crianças eram ocorrências comuns no Império Romano. As comunidades cristãs então, envolveram-se na tarefa de recolher e cuidar das crianças abandonadas.
b) Socorro aos doentes, miseráveis e debilitados. Para atender “empobrecidos e negligenciados (...) as igrejas estabeleceram uma estrutura no diaconato...” (HINSON & SIEPIERSKI, s/d., p.95). Para aqueles irmãos negligenciar os pobres era grave pecado e a falta de atenção aos pobres era denominada como “o caminho da morte” (Manual da Igreja Cristã Primitiva).
c) Apoio aos encarcerados e cativos. “Justino classificou a visitação de prisioneiros entre as funções regulares dos diáconos de seu tempo” (idem, p.95). Eventualmente, alguns cristãos se colocaram em prisão para libertar outros. Clemente de Roma, afirma que muitos cristãos se ofereceram como prisioneiros para libertar outros (cf. HINSON & SIEPIERSKI, s/d. p. 95).
d) Arranjando empregos eticamente corretos. Quando um indivíduo tinha um trabalho eticamente questionável (gladiadores, por exemplo), a Igreja procurava outro emprego para ele. Quando o emprego não era encontrado imediatamente as igrejas sustentavam essas pessoas através de um fundo comum até que a situação fosse resolvida.
e) Socorro em tempos de calamidades. Quando ocorriam situações de emergências como períodos de escassez de alimentos (2Coríntios capítulos 8 e 9), enchentes, etc. os cristãos sentiam-se naturalmente movidos a buscar meios para amenizar as conseqüências de tais episódios na população, especialmente, os mais pobres.
Podemos dizer, então, que a igreja Primitiva:
Experimentava a verdadeira ortopraxia. Aliás, ortodoxia e ortopraxia se completam. Para que haja real ortopraxia, é preciso ortodoxia; e para que a ortodoxia gere frutos é necessário que ela seja encarnada na vida, se manifeste nas ações; é necessário que seja algo mais do que mero conhecimento; é necessário que se materialize em ortopraxia. Ortodoxia sem ortopraxia é verdade sem vida; já ortopraxia nem existe em sua plenitude sem ortodoxia, pois não há Vida se ignoramos a Verdade.
Exercia a verdadeira generosidade. Naqueles dias, a Judéia enfrentava tempos difíceis em virtude de uma escassez, que deixou muitos dos santos em grande aflição (At 11:28,29). Esse flagelo ocorreu nos dias do imperador Cláudio César, que reinara de 41 a 54 d. C., isto é, na época do ministério de Paulo na província da Ásia Menor.
Vivemos em uma sociedade marcada pelo individualismo e o egoísmo, onde parece não existir mais lugar para a generosidade. Todavia, ajudar aos necessitados, tanto do ponto-de-vista material quanto espiritual, é um dos elementos do serviço cristão; é um preceito bíblico. Podemos fazer muitas declarações ao Senhor e prometer-lhe obediência e amor. No entanto, é diante do nosso próximo que vamos mostrar se há mesmo amor, benignidade, bondade, etc, em nossos corações. De nada vale o nosso discurso se não há a prática de boas obras palpáveis (Tg 2:14-17).
Experimentava uma verdadeira koinonia. Stott elucida-nos este interessante aspecto da união cristã: “Assim, koinonia é uma experiência trinitária; é a parte que temos em comum com Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Mas Koinonia é a palavra que Paulo usou para a oferta que recolheu entre as igrejas gregas, e koinonikos é a palavra grega para generoso”(As disciplinas da vida cristã –CPAD, 2008 –pp 119,120).
CONCLUSÃO
A ação social da Igreja não se limita apenas à “assistência social”, nem pode se circunscrever ao aspecto material. Por isso, não é desculpa a falta de recursos materiais para não se praticar atos de ação social. Quem não pode vestir, dar de comer ou dar abrigo a alguém, pode consolar, instruir, confortar, visitar. A bondade não consiste em dar presentes, mas na doçura e na generosidade do espírito. Pode-se dar dinheiro da algibeira sem nada que venha do coração. A bondade que se contenta com dar dinheiro não vale grande cousa e muitas vezes faz tanto mal como bem, mas a bondade que se traduz por uma verdadeira simpatia e um auxílio oportuno nunca deixa de dar bons resultados.
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Elaboração: Luciano de Paula Lourenço – Prof. EBD – Assembléia de Deus – Ministério Bela Vista. Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com
Referências Bibliográficas:
William Macdonald – Comentário Bíblico popular(Novo Testamento).
Bíblia de Estudo Pentecostal.
Revista Ensinador Cristão – nº 47.
O Novo Dicionário da Bíblia – J.D.DOUGLAS.
HINSON E SIEPIERSKI, Vozes do cristianismo primitivo, São Paulo: Editora Sepal/Temática Publicações, s/d.
Pr.Marcos A M Bittencourt - Responsabilidade Social no Antigo Testamento
“Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe fechar o seu coração, como permanece nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obras e em verdade”(1João 3:17,18).
INTRODUÇÃO
O binômio evangelização-ação social são duas atividades complementares da igreja. Infelizmente, muitos evangélicos fazem uma dicotomia entre esses elementos, considerando-os como mutuamente excludentes. Acham que a igreja deve preocupar-se apenas com atividades “espirituais” ou religiosas, como a evangelização, deixando a esfera social para outras instituições, principalmente o Estado. Entendemos que a evangelização e a ação social são partes essenciais e complementares da missão da igreja no mundo. Cremos existirem abundantes argumentos bíblicos que apontam para o fato de que Deus quer dar plenitude de vida às suas criaturas, e essa plenitude inclui tanto o conhecimento de Deus e um relacionamento vital com ele, quanto o suprimento das necessidades humanas mais fundamentais no plano material. Não só o desconhecimento de Deus, mas também a fome, a doença, a ignorância e a violência são fatores que atentam contra a dignidade humana. Portanto, a evangelização e a ação social devem caminhar lado a lado, como dois aspectos integrais da missão e do testemunho da igreja junto à sociedade.
I. POBREZA: UMA REALIDADE SEMPRE PRESENTE
A palavra “pobre” na Bíblia se refere à pessoa que, por uma tragédia ou injustiça, foi levado à miséria. São os indigentes, os carentes, os favelados, sem teto, sem terra (Mt 5:1-12; Mt 11:28; Lc 16:19-31). Assim, por “pobre” a Bíblia denomina todos aqueles que, de algum modo, foram despojados dos bens e recursos ficando reduzido à escravidão ou à mendicância, incapazes de suprir suas necessidades pessoais e familiares.
A pobreza, sempre presente, é testemunha que, ao longo da história, o ser humano tem falhado nas questões sociais. Além disso, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento não se via uma classe média. O que havia era a classe pobre, que nada tinha, e a classe rica, que possuía bens e terras, separadas entre si por um grande abismo.
O Senhor sempre levantou profetas para denunciar a injustiça social excessiva que, periodicamente, surgia em Israel, precisamente em épocas de maior desvio espiritual (Is 1:17; Jr 22:3; Am 2:4-8), prova de que não admite o conformismo e a omissão como resposta a este estado de coisas. Afinal, se somos o corpo de Cristo, aqui estamos para desfazer as obras do diabo, entre os quais, se encontra a injustiça social (1João 3:8).
Assim como Jesus, não devemos apenas denunciar a pobreza, a miséria e a fome, mas, além de propor soluções para estes problemas, ajudarmos a diminuir esta situação com iniciativas de assistência social, que não seja apenas a “bolsa dos pobres”, que é necessária e que era utilizada por Jesus, mas também levando a essas pessoas necessitadas a ajuda que só a Igreja pode dar, que é a ajuda espiritual, a mensagem de libertação da opressão maior, que é a do pecado.
Para colocar diretrizes ao tratamento das injustiças sociais, o Antigo Testamento e o Novo Testamento apresentam leis, advertências e orientações com relação à exploração dos pobres e injustiçados:
* Ex 21.2: após seis anos de escravidão o devedor está livre do credor escravizante.
* Ex 23.10-11: a cada seis anos o proprietário não poderia plantar na sua terra – era o chamado ano sabático - e no sétimo havia o descanso da terra, sendo que o que crescesse nesse ano não poderia ser colhido pelo proprietário, mas deveria ser deixado para os pobres.
* Ex 23.6: advertência aos juízes para que não pervertam a justiça para prejudicar os pobres.
* Ex 22.21-24: Deus é quem intervém para fazer vingança em favor do pobre.
* Dt 15.7-11: ordena ao povo ser bondoso para com o pobre.
* Dt 24.15-15: ordena o pagamento de salário justo ao pobre.
* Am 2.7; 4.1 e 5.11: condenam a opressão do pobre, os excessos de impostos e a exploração dos pobres.
* Sl 9.18: mostra o cuidado com os pobres.
* Mt 5.3 e Lc 6.20: os pobres são chamados de bem-aventurados.
* Lc 16.19-31: a Parábola do Rico e Lázaro mostra que a riqueza sem justiça e que explora são condenadas por Deus.
* At 2.44-45 e 4.34-37: apresenta a preocupação que se deve ter com os pobres.
* Finalmente, a Igreja deve estar consciente de que “sempre haverá pobres e necessitados no meio dela” (Dt 15:11a; João 12:8) e assim devemos cumprir a ordem divina: ”Livremente abrirás a tua mão para teu irmão, para o teu necessitado e para o teu pobre na tua terra” (Dt 15:11b).
Todavia, é bom ressaltar que ser pobre não é pecado nem ser rico é sinônimo de santidade. Aliás, o pobre o rico foram criados por Deus(Pv 22:2). Não devemos aceitar os exageros da "Teologia da Prosperidade", nem aceitar a "Teologia da Miserabilidade". Devemos nos afeiçoar à porção justa de Agur(Pv 30:7-9).
Creio que Deus tem um plano para cada um de nós desde que nos submetamos a Ele. Assim Deus chama uns para serem pobres e na sua pobreza fazer uma grande obra pra Ele; enquanto também chama pessoas de classe média e alta para O servir. Também vemos que Ele chama ricos e os faz pobres, como chama pobres e os faz ricos, tudo está em Seus planos e o que temos que fazer é nos submeter a eles sem murmuração.
II. QUESTÕES SOCIAIS NO ANTIGO TESTAMENTO
No Antigo Testamento, uma das funções dos profetas era a denúncia contra a nação quando os necessitados eram negligenciados, pois esse tipo de injustiça feria a santidade de Deus (Jr 34:8-11,16,17).
A injustiça social, o suborno que torcia a justiça para exercer poder contra os pobres, a exploração dos comerciantes sem escrúpulos, o desprezo aos menos favorecidos (órfãos e viúvas), a exploração dos latifundiários, uma vida luxuosa contrastando ostensivamente com a miséria dos indigentes, tudo era alvo da crítica profética (ler Isaías 1:17,23; 3:14-15,18-23; 58:5-10. Miquéias 2:1; 6:8-11; 7:3. Amós 2:6-7; 4:1;5:12-15; 8:4-6).
1. Os ricos e os pobres em Israel. No Antigo Testamento, a riqueza estava concentrada nas mãos dos reis e de suas cortes. Assim, quanto maior luxo havia na corte, maior era a carga de tributos sobre os súditos do rei para financiá-lo. Até mesmo os reinados de Davi e Salomão foram de profundo crescimento da pobreza em função da manutenção do exército e do palácio real, tornando a classe pobre oprimida e injustiçada, especialmente a dos povos dominados. Além disso, os ricos exploravam os pobres tomando suas propriedades em troca de pequenas dívidas, para aumentar suas posses, e os donos primitivos das terras eram vendidos como escravos ou aprisionados por tempo indeterminado.
Os estudiosos da doutrina social bíblica tem chamado essa injustiça inerente a toda sociedade de “pecado social”. Sim, o “pecado social” é uma realidade presente e deve ser combatido pela Igreja, como qualquer outro pecado, mas não devemos nos iludir: o “pecado social” só é combatido pela pregação do Evangelho. O “pecado social” somente poderá ser extirpado quando os homens pecadores forem regenerados, quando nascerem da água e do Espírito. Por isso, a salvação individual de cada pessoa continua a ser a única forma pela qual a Igreja pode combater o “pecado social”, que, como sabemos, somente será dissipado quando o próprio Jesus reinar sobre a Terra, quando, então, “a misericórdia e a verdade se encontrarão; a justiça e a paz se beijarão”(Sl 85:10).
Todavia, o fato de que o “pecado social” só será extirpado quando do reino milenial de Cristo, não impede nem dispensa a Igreja de lutar para que haja melhorias na vida em sociedade, para que a injustiça e as desigualdades sociais sejam diminuídas. Jesus dá-nos o exemplo, pois, embora confirmasse que os pobres sempre existiriam (Mt 26:11; João 12:8), nem por isso deixava de ter uma bolsa para ajudar os pobres (João 12:5,6).
Há, ainda, entre os crentes, quem defenda que a prosperidade material é um indicador de que a pessoa é abençoada, que a pessoa está em comunhão com Deus, que está em virtude de uma superioridade espiritual frente aos demais homens. Este era um conceito corrente na Antigüidade e que, mesmo entre os cristãos aqui no Ocidente, obteve acolhida. Entre os judeus dos tempos de Jesus, por exemplo, notamos como era forte este entendimento, pois houve admiração até entre os discípulos quando Jesus afirmou que os ricos teriam dificuldades para entrar no reino de Deus (cf. Mt 19:23-26).
Muitos pensam que se a pessoa não for rica, se a pessoa não tiver abundância de bens materiais, não estará demonstrando que tem comunhão com Deus, nem tampouco que seja verdadeiro filho de Deus. No entanto, não é isso que a Bíblia está a dizer em todo o seu conteúdo. Deus pode, sim, abençoar com bênçãos materiais, mas isto não é um critério para demonstração de comunhão com Deus, nem de superioridade espiritual. Não há qualquer garantia de prosperidade material para os servos de Deus. Deus promete é um galardão nos céus, não na terra (cfr. Mt 6:19-21). Como bem afirmou Jesus, “a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que possui” (Lc 12:15).
Não se está aqui afirmando que o cristão não deve procurar uma melhoria de vida, um melhor emprego, capacitar-se para obter melhores posições, mas, afirmando que não devemos colocar como alvos únicos e exclusivos de nossas vidas uma prosperidade material(ler Pv 27:24). Nunca nos esqueçamos que, se cremos em Cristo só para esta vida, seremos os mais miseráveis de todos os homens!(1Co 15:19).
2. A escravidão em Israel (Dt 15:12-18). A escravidão fazia parte do cenário contemporâneo, mas a legislação mosaica modificou seus rigores e tomou providencias para seu fim em condições generosas.
Depois de servir por seis anos(15:12), o escravo receberia alforria no sétimo. De acordo com o versículo 14, com os presentes do rebanho, da eira e do lagar do seu senhor, o escravo liberto começaria a vida com o suficiente para ter independência. Este ato humanitário reconhecia que cada pessoa foi criada por Deus e tinha valor e dignidade. Há três motivos para o senhor do escravo fazer assim: primeiro, porque ele próprio é tratado generosamente pelo SENHOR (15:14); segundo, ele, ou seus antepassados, foram escravos no Egito e o Senhor os resgatou(15:15); e terceiro, tendo o ex-escravo como membro permanente da casa, ele recebeu duas vezes o benefício de um jornaleiro(15:18; “trabalhador contratado”, NVI), que trabalhava somente em horários ajustados.
Hoje não possuímos escravos, mas as instruções do Senhor ainda se aplicam a nós. Precisamos tratar nossos empregados com respeito e justiça econômica. Os empregadores que, realmente, são servos de Deus devem assalariar seus empregados de acordo com a reta justiça, não se contentando em cumprir a lei, mas em ser justo, o que é coisa bem diversa, mormente quando sabemos que, nos últimos tempos, a exploração dos trabalhadores tem aumentado cada vez mais e as implicações da economia e da política têm impedido que o salário mínimo, por exemplo, seja o que deveria ser, nos termos da legislação.
É profundamente lamentável que, nos nossos dias, poucos, muito poucos têm se comportado desta maneira entre os empresários que se dizem cristãos. Para eles, a lei da concorrência, as regras do mercado, este novo “deus” que tem guiado os patrões, estejam acima do que ensina a Palavra de Deus. No entanto, não devemos agradar aos homens nem nos conformarmos com o sistema do mundo pecaminoso, mas, sim, obedecermos à Palavra do Senhor. Deus é o dono do ouro e da prata, não o mercado. Deus tem o controle de todas as coisas, não o mercado. Assim, patrões crentes, obedeçam a Deus e não ao mercado. Sejam justos e equânimes com os seus empregados e, certamente, o Senhor lhes recompensará!
3. O socorro aos pobres. Quando os israelitas estavam para entrar na Terra Prometida, Deus ordenou-lhes que ajudassem os pobres que viessem a conviver com eles( ler Dt 15:11). Esta era uma importante ação a ser observada no momento da posse da terra.
Muitas pessoas pensam que os pobres são menos favorecidos por causa de seus atos pecaminosos. Este tipo de raciocínio faz com que elas fechem seu coração e sua mão para os necessitados. Mas não devemos inventar desculpas para ignorar o pobre. Precisamos suprir as necessidades deles sem questionar quem ou o que foi responsável por essa condição.
Quem são os pobres em sua comunidade? Como sua igreja pode ajudá-los? Deus observa nossa atitude e desejo de ajudar os pobres e necessitados. Devemos usar nossos recursos materiais para ajudar os realmente necessitados. O espírito de cobiça e de egoísmo que não se preocupa com as necessidades dos outros, priva-nos da bênção de Deus (Dt 15:9,10).
4. Modelos Bíblicos para socorro aos pobres, no Antigo Testamento:
a) O ano do jubileu (Lv 25:10-17). Significava que ao fim de cada período de 50 anos a terra voltava aos donos originais sem qualquer pagamento. Ocorria que algumas pessoas, por circunstâncias variadas (doenças, morte da pessoa que sustentava a família, endividamento ou até pela falta de capacidade – física ou administrativa), eram obrigadas a vender sua terra.
A terra, portanto, não podia ser vendida definitivamente (Lv 25:23), pelo fato de Deus ser o proprietário absoluto de toda terra. No período anterior e posterior ao Jubileu a terra podia ser vendida ou comprada, porém, o que era comprado ou vendido, era o direito de usufruto e não a terra em si (Lv 25:16). A pessoa assim, adquiria o direito de plantar e colher consciente de que no jubileu toda terra adquirida voltava, gratuitamente, aos donos originais ou seus descendentes.
b) O Ano Sabático (Ex 23:10,11; Lv 25:1-7). Tinha dupla função: humanitária e ecológica. Ao final de cada período de 6 anos o proprietário deveria deixar a terra em repouso. O que estivesse plantado deveria ser deixado e os frutos não deveriam ser colhidos pelo dono. Eram deixados para que os pobres da terra tivessem como se alimentar.
Também, no ano sabático eram libertos todos os escravos. As situações de pobreza provocavam endividamentos e isto forçava muitos hebreus a se venderem ou a seus filhos como escravos (cf. Ne 5). No ano sabático todos deveriam ser libertos (Dt 15:12-18). É muito interessante notar que os escravos libertos não deveriam ser despedidos de mãos vazias (cf. Dt 15:13,14). Além disso, no ano sabático todas as dívidas deveriam ser canceladas (Dt 15:1-6).
Não era permitido a um hebreu escravizar outro hebreu nem tratá-lo com tirania (Lv 25:39,40,43), Mesmo assim, há registros de tal ocorrência no livro de Neemias (cap. 5).
c) O Dízimo Trienal (Dt 14:28,29). De em 3 em 3 anos o povo deveria tirar o dízimo de tudo quanto havia produzido em sua terra e colocá-lo à porta para que os levitas, os estrangeiros, o órfão e a viúva se alimentassem.
d) A Lei da Rebusca (Lv 19:9,10). Obedecendo a essa lei, na época da colheita o agricultor não deveria colher todo o seu fruto, mas deveria deixar algum “para o pobre e para o estrangeiro” (cf. Rt 2:2,3,7). Pode-se ver aqui que, apesar de ser um direito dos pobres, dependia da boa vontade dos proprietários.
Todas essas recomendações demonstram o cuidado de Deus para proteger os mais pobres ou, mesmo evitar que as pessoas chegassem a situações de necessidades extremas. Assim também, o povo de Deus hoje precisa encaminhar projetos que amenize o sofrimento das pessoas mais carentes.
III. O NOVO TESTAMENTO E A AÇÃO SOCIAL DA IGREJA
Se tomarmos o exemplo da Igreja Primitiva, veremos o quanto ela atentou às necessidades do seu tempo e realizou um trabalho social que beneficiou muitas pessoas (At 2:42; 4:32), e o apóstolo Paulo incentivou a coleta de recursos que amparassem as necessidades da Igreja em Jerusalém quando esta passava por um período de sérias provações (Rm 15:25-29). Além de assistir os domésticos da fé, o serviço social nos move para fazer melhor as boas obras. Isso não significa que essas ações tenham o poder de nos salvar, e sim que, por sermos salvos, fazemos boas obras para agradar a Deus e partilhar o que temos com aqueles que pouco tem.
1. A Prática de Jesus. Jesus estabeleceu uma comunidade de discípulos cujo relacionamento se baseava no amor e na partilha.
a) Eram recolhidas ofertas/doações para os pobres. Essa comunidade dispunha de uma bolsa comum onde eram recolhidas ofertas/doações que eram administradas por Judas Iscariotes. Dessa bolsa, sob as ordens de Jesus eram feitas doações aos pobres (cf. João 12:6; 13:29). Algumas mulheres seguidoras do Mestre colocavam seus bens a serviço dessa causa (cf. Mc 15:40,41; Lc 8:1-3).
b) A proposta de Jesus ao jovem rico (Lc 19:16-22). Aqui Jesus propõe ao jovem uma alteração radical no seu estilo de vida que trazia implicações profundas na área financeira: repartir com os pobres.
c) A multiplicação dos pães e dos peixes (Mc 6:30-44). Ao multiplicar estes elementos Jesus se utiliza do pouco que alguém se dispôs a partilhar. Partilhar o que se tem mexe com o nosso egoísmo. Alguns intérpretes acham que o que ocorreu nessa ocasião foi que todos se dispuseram a dar do pouco que tinham e a grande lição que Jesus queria ensinar é que a disposição para repartir o que se tem promove o suprimento de todos.
2. O Exercício dos Ministérios Sociais nos primeiros tempos da Igreja. A preocupação com ministérios sociais é natural à fé cristã e essa marca distinguiu os cristãos desde o princípio. Nos primeiros três séculos da Igreja essa preocupação se configurou no surgimento de diversas atividades cujo objetivo era socorrer pessoas em situações extremas (viúvas, órfãos, encarcerados, etc.).
a) Socorro a órfãos e viúvas. As comunidades cristãs assumiram como tarefa básica de seus líderes “cuidar daqueles que não tinham ninguém mais para tomar-lhes conta” (HINSON & SIEPIERSKI, s/d., p. 94), cf. Tg 1:27. Por volta do ano 217, Hipólito testava candidatos ao batismo no socorro dispensado às viúvas. Nesse período o infanticídio e o abandono de crianças eram ocorrências comuns no Império Romano. As comunidades cristãs então, envolveram-se na tarefa de recolher e cuidar das crianças abandonadas.
b) Socorro aos doentes, miseráveis e debilitados. Para atender “empobrecidos e negligenciados (...) as igrejas estabeleceram uma estrutura no diaconato...” (HINSON & SIEPIERSKI, s/d., p.95). Para aqueles irmãos negligenciar os pobres era grave pecado e a falta de atenção aos pobres era denominada como “o caminho da morte” (Manual da Igreja Cristã Primitiva).
c) Apoio aos encarcerados e cativos. “Justino classificou a visitação de prisioneiros entre as funções regulares dos diáconos de seu tempo” (idem, p.95). Eventualmente, alguns cristãos se colocaram em prisão para libertar outros. Clemente de Roma, afirma que muitos cristãos se ofereceram como prisioneiros para libertar outros (cf. HINSON & SIEPIERSKI, s/d. p. 95).
d) Arranjando empregos eticamente corretos. Quando um indivíduo tinha um trabalho eticamente questionável (gladiadores, por exemplo), a Igreja procurava outro emprego para ele. Quando o emprego não era encontrado imediatamente as igrejas sustentavam essas pessoas através de um fundo comum até que a situação fosse resolvida.
e) Socorro em tempos de calamidades. Quando ocorriam situações de emergências como períodos de escassez de alimentos (2Coríntios capítulos 8 e 9), enchentes, etc. os cristãos sentiam-se naturalmente movidos a buscar meios para amenizar as conseqüências de tais episódios na população, especialmente, os mais pobres.
Podemos dizer, então, que a igreja Primitiva:
Experimentava a verdadeira ortopraxia. Aliás, ortodoxia e ortopraxia se completam. Para que haja real ortopraxia, é preciso ortodoxia; e para que a ortodoxia gere frutos é necessário que ela seja encarnada na vida, se manifeste nas ações; é necessário que seja algo mais do que mero conhecimento; é necessário que se materialize em ortopraxia. Ortodoxia sem ortopraxia é verdade sem vida; já ortopraxia nem existe em sua plenitude sem ortodoxia, pois não há Vida se ignoramos a Verdade.
Exercia a verdadeira generosidade. Naqueles dias, a Judéia enfrentava tempos difíceis em virtude de uma escassez, que deixou muitos dos santos em grande aflição (At 11:28,29). Esse flagelo ocorreu nos dias do imperador Cláudio César, que reinara de 41 a 54 d. C., isto é, na época do ministério de Paulo na província da Ásia Menor.
Vivemos em uma sociedade marcada pelo individualismo e o egoísmo, onde parece não existir mais lugar para a generosidade. Todavia, ajudar aos necessitados, tanto do ponto-de-vista material quanto espiritual, é um dos elementos do serviço cristão; é um preceito bíblico. Podemos fazer muitas declarações ao Senhor e prometer-lhe obediência e amor. No entanto, é diante do nosso próximo que vamos mostrar se há mesmo amor, benignidade, bondade, etc, em nossos corações. De nada vale o nosso discurso se não há a prática de boas obras palpáveis (Tg 2:14-17).
Experimentava uma verdadeira koinonia. Stott elucida-nos este interessante aspecto da união cristã: “Assim, koinonia é uma experiência trinitária; é a parte que temos em comum com Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Mas Koinonia é a palavra que Paulo usou para a oferta que recolheu entre as igrejas gregas, e koinonikos é a palavra grega para generoso”(As disciplinas da vida cristã –CPAD, 2008 –pp 119,120).
CONCLUSÃO
A ação social da Igreja não se limita apenas à “assistência social”, nem pode se circunscrever ao aspecto material. Por isso, não é desculpa a falta de recursos materiais para não se praticar atos de ação social. Quem não pode vestir, dar de comer ou dar abrigo a alguém, pode consolar, instruir, confortar, visitar. A bondade não consiste em dar presentes, mas na doçura e na generosidade do espírito. Pode-se dar dinheiro da algibeira sem nada que venha do coração. A bondade que se contenta com dar dinheiro não vale grande cousa e muitas vezes faz tanto mal como bem, mas a bondade que se traduz por uma verdadeira simpatia e um auxílio oportuno nunca deixa de dar bons resultados.
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Elaboração: Luciano de Paula Lourenço – Prof. EBD – Assembléia de Deus – Ministério Bela Vista. Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com
Referências Bibliográficas:
William Macdonald – Comentário Bíblico popular(Novo Testamento).
Bíblia de Estudo Pentecostal.
Revista Ensinador Cristão – nº 47.
O Novo Dicionário da Bíblia – J.D.DOUGLAS.
HINSON E SIEPIERSKI, Vozes do cristianismo primitivo, São Paulo: Editora Sepal/Temática Publicações, s/d.
Pr.Marcos A M Bittencourt - Responsabilidade Social no Antigo Testamento