4º Trimestre/2020
Texto Base: Jó 11:1-10; 20:1-10
“E terás confiança, porque haverá
esperança; olharás em volta e repousarás seguro” (Jó 11:18).
Jó 11
1.Então, respondeu Zofar, o naamatita, e disse:
2.Porventura, não se dará resposta à multidão de palavras? E o homem
falador será justificado?
3.Às tuas mentiras se hão de calar os homens? E zombarás tu sem que
ninguém te envergonhe?
4.Pois tu disseste: A minha doutrina é pura; limpo sou aos teus olhos.
5.Mas, na verdade, prouvera Deus que ele falasse e abrisse os seus lábios
contra ti,
6.e te fizesse saber os segredos da sabedoria, que é multíplice em
eficácia; pelo que sabe que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniquidade.
7.Porventura, alcançarás os caminhos de Deus ou chegarás à perfeição do
Todo-Poderoso?
8.Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais
profunda é ela do que o inferno; que poderás tu saber?
9.Mais comprida é a sua medida do que a terra; e mais larga do que o mar.
10.Se ele destruir, e encerrar, ou juntar, quem o impedirá?
Jó 20
1.Então, respondeu Zofar, o naamatita, e disse:
2.Visto que os meus pensamentos me fazem responder, eu me apresso.
3.Eu ouvi a repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu
entendimento responderá por mim.
4.Porventura, não sabes tu que desde a antiguidade, desde que o homem foi
posto sobre a terra,
5.o júbilo dos ímpios é breve, e a alegria dos hipócritas, apenas de um
momento?
6.Ainda que a sua altura suba até ao céu, e a sua cabeça chegue até às
nuvens,
7.como o seu próprio esterco perecerá para sempre; e os que o viam dirão:
Onde está?
8.Como um sonho, voa, e não será achado, e será afugentado como uma visão
da noite.
9.O olho que o viu jamais o verá, nem olhará mais para ele o seu lugar.
10.Os seus filhos procurarão agradar aos pobres, e as suas mãos
restaurarão a sua fazenda.
INTRODUÇÃO
Nesta Aula trataremos dos discursos de Zofar, o terceiro amigo de Jó,
provavelmente, o mais novo dos três que são mencionados em Jó 2:11. A Bíblia
diz-nos que ele era natural de Naamá, região que é identificada como sendo um
dos pequenos reinos que havia, na época, no território da atual Arábia Saudita.
Ele fez apenas dois discursos, um no capítulo 11 e o outro no capítulo 20, nos
quais nota-se a mesma ideia de que o sofrimento advém do pecado; neles estão
implícitos os argumentos relativos ao dogma da retribuição, ou seja, se for
justo será abençoado com todas as bênçãos materiais, que não haverá sofrimento para
o justo, enquanto os ímpios sofrerão as piores dores, sofrimentos, intempéries;
segundo este entendimento, o justo não passa por tribulação. Sendo assim, se Jó
estava sofrendo era porque estava em pecado, e por causa disso, ele merecia
sofrer ainda mais do que já tinha sofrido (Jó 11:6). Zofar vociferou que se Jó
se desviasse do pecado e voltasse para Deus, seus sofrimentos cessariam
imediatamente, e a segurança, a prosperidade e a felicidade voltariam para ele
(Jó 11:13-19).
Os discursos de Zofar, porém, não têm apoio nas Escrituras Sagradas. A
Bíblia não garante uma vida aqui neste mundo sem sofrimento, sem tribulação,
sem provas, mesmo sendo a pessoa mais justa da terra, como era Jó. Como diz o
Rev. Hernandes Dias Lopes, “a vida cristã não é um mar de rosas, não é uma
redoma de vidro, não é uma estufa espiritual; o cristianismo não é uma sala
vip, não é uma colônia de férias, antes, é um campo de batalha”. Enquanto
estivermos neste mundo, enfrentaremos muitas crises. Jesus alertou os
discípulos de que o futuro não seria marcado por amenidades, pois enfrentariam
crises, aflições no mundo. Ele disse: “... no mundo tereis aflições, mas tende
bom ânimo; eu venci o mundo”(João 16:33). Contudo, “por muitas tribulações nos
importa entrar no Reino de Deus” (Atos 14:22).
I. DEUS SE MOSTRA SÁBIO QUANDO AFLIGE O PECADOR
Neste tópico trataremos do primeiro discurso de Zofar (Jó 11:1-20).
1. Deus grande e sábio (Jó 11:7-12)
7.Porventura, alcançarás os caminhos de Deus ou chegarás à perfeição do
Todo-poderoso?
8.Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais
profunda é ela do que o inferno; que poderás tu saber?
9.Mais comprida é a sua medida do que a terra; e mais larga do que o mar.
10.Se ele destruir, e encerrar, ou juntar, quem o impedirá?
11.Porque ele conhece os homens vãos e vê o vício; e não o terá em
consideração?
12.Mas o homem vão é falto de entendimento; sim, o homem nasce como a
cria do jumento montês.
Nos capítulos 9 e 10 Jó fez afirmações fortes em relação à sua inocência.
Por exemplo, em 10:13-22 Jó perguntou por que Deus o afligia com tantas
desgraças. Aparentemente, Jó não via diferença entre ser justo ou ímpio e
considerava sua vida repleta de ignominia divina. Por que Deus o fez nascer?
Por que não lhe concedeu um pouco de alento antes que fosse para a terra da
morte, onde a própria luz é tenebrosa? Ao fazer essas afirmações, Jó forçou os seus
amigos a considerar essa questão de forma ousada.
Zofar respondeu o questionamento de Jó de forma humilhante. Respondeu a
Jó dizendo que aquele “palavrório” arrogante não poderia ficar sem resposta. Para
ele, Jó valeu-se na sua defesa de palavras exageradas (Jó 11:2), desrespeitosas
(Jó 11:3), cheias de justiça própria (Jó 11:4) e ignorantes sobre as coisas de
Deus (Jó 11:5,6). Se ao menos pudesse ver as coisas do ponto de vista de Deus,
continuou Zofar, perceberia que, na verdade, não estava sofrendo tudo o que
merecia. Segundo ele, o sofrimento de Jó fazia parte de um sábio julgamento
divino, pois, para ele, Deus demonstra grande sabedoria em reprimir os maus; sua
ignorância quanto à grandeza do Senhor o tornava inapto a questionar a justiça
divina.
Note que Zofar procurou fundamentar a sua acusação contra Jó no fato de
que Deus está acima dos homens; que nós, humanos, não podemos desvendar os Seus
segredos e a Sua sabedoria (Jó 11:5-9). Entretanto, logo no limiar de seu discurso
sobre a grandeza de Deus, Zofar apresentou uma noção de Deus bem diversa da de
Jó. Disse Zofar: " …oxalá que Deus falasse e abrisse os Seus lábios contra
ti" (Jó 11:5), ou seja, para ele, Deus era um ser tão superior que não se
preocupava com o ser humano. Para ele, Deus está muito acima dos homens para
lhes ouvir as palavras. Esta é a primeira ideia que caracteriza o chamado
"deísmo", que é a crença em um Deus, mas um Deus tão distante, um
Deus que não intervém no dia-a-dia dos seres humanos, um Deus que criou o
Universo que, como uma máquina, funciona sozinho, sem que o Criador esteja
fazendo algo que não seja mantê-lo funcionando, segundo as regras e normas por
Ele soberanamente estabelecidas; é um Deus existente, mas ausente.
Zofar não vê como possível um contato íntimo e contínuo entre Deus e o
homem. Segundo ele, Deus é muito superior e sublime para se preocupar com uma
criatura tão desprezível como é o homem. Deus, dizia Zofar, é quem possui os
segredos da sabedoria, é quem tem uma eficácia múltipla e que exige dos homens
menos que merecem, diante de sua iniquidade. É impossível querer se aproximar
de Deus, afirma Zofar, pois jamais alcançaremos a Sua perfeição ou alcançaremos
os Seus caminhos (Jó 11:6,7). Deus é maior do que possamos imaginar e ninguém
pode impedir a Sua operação (Jó 11:8-10).
Para Zofar, não havia dúvida alguma: é impossível que o homem possa ter
uma doutrina pura e ser limpo aos olhos do Senhor. Assim sendo, Jó estava
mentindo (Jó 11:3), era um hipócrita e o seu sofrimento era a prova de que não
poderia ser alguém puro diante de Deus.
Zofar foi ainda mais duro em sua repreensão. Em Jó 11:12 ele fez uma
declaração particularmente grosseira, obviamente dirigida a Jó: “Mas o homem estúpido se tornará sábio,
quando a cria de um asno montês nascer homem”. Aqui, Zofar avaliou o
comportamento de Jó como de um animal irracional, um jumento que não tem
entendimento, ao não perceber a sabedoria divina na condução das
coisas. Com essas palavras, Zofar não demonstrou a mínima compaixão
pelo sofrimento de Jó.
Como podemos perceber, Zofar estava redondamente enganado, mas as
"evidências" davam-lhe razão. Será que, se não soubéssemos o que
havia ocorrido naquela reunião entre Deus e Satanás, não estaríamos concordando
com o raciocínio simplista, mas forte de Zofar? Como temos agido diante de
irmãos na fé que têm padecido semelhantemente? Temos lhes dado a presunção da
inocência ou temos sido tão vigorosos como Zofar? Lembremo-nos, porém, que,
quem tem o verdadeiro amor cristão, o amor descrito em 1Co.13, diz-nos as
Escrituras, "não trata com leviandade (…) não suspeita mal"
(1Co.13:4,5).
2. Deus não é indiferente à ação do ímpio
Para Zofar, Deus, apesar de ausente, não é indiferente à ação do ímpio.
Assim sendo, se Jó estava sofrendo desgraças era porque estava em pecado. Para
Zofar, não adiantaria Jó querer dialogar com Deus afirmando que ele era justo e que não
merecia estar numa situação caótica que estava passando, como parece ter
sugerido (cf. Jó 9:21; 10:7; Jó 11:4), pois certamente Deus ficaria contra ele
e, certamente, Jó seria condenado.
Para Zofar, Deus conhece os caminhos dos homens e considera os gestos
praticados pelos homens, mas é uma consideração distante, uma observação
contemplativa, ou seja, Deus vê a iniquidade do homem, mas não Se compadece
dessa maldade, antes espera que o homem, por si só, arrependa-se, a fim de
obter os benefícios deste gesto de arrependimento, pois, caso não o faça, Deus,
certamente, fará cair sobre o pecador os danos do seu pecado, pois assim
estabeleceu ao ordenar e criar todas as coisas (Jó 11:11). Vemos, pois, que,
segundo Zofar, Deus apenas olha, apenas vê a Sua criação, mas nela não intervém.
Diante de um Deus distante e ausente, para o homem só haverá salvação se ele
próprio se arrepender, se ele próprio endireitar os seus caminhos, pois, caso
contrário, Deus somente poderá lhe punir, ante as leis que Ele mesmo
estabeleceu (Jó 11:12-20). Esta era a teoria teológica de Zofar, porém, as
Escrituras Sagradas não chancelam essa teoria fracassada que ainda hoje tem
grassada em muitas comunidades que se dizem cristãs. Deus não é indiferente à
ação do ser humano, quer seja ele justo ou ímpio.
3. Tolos se passando por sábios
Jó não ficou silente diante das acusações de Zofá. Apesar do seu
sofrimento físico e emocional, ele reagiu ao discurso deletério de Zofar. Jó
começou a sua resposta a Zofar (capítulos 12 a 14) com uma ironia, afirmando
que só os seus amigos eram sábios na face da Terra (Jó 12:2) – “Na verdade, que só vós sois o povo, e
convosco morrerá a sabedoria”. Jó afirmou que também tinha a mesma
capacidade de pensamento de seus amigos, não podendo ser considerado inferior.
Assim, Jó demonstrou, num primeiro momento, que pela razão, existente em
todas as pessoas, todos podem chegar ao conhecimento de Deus, mas, se de um
lado isto representaria uma demonstração de que os "deístas" tinham
razão ao advogar a tese de que Deus pode ser conhecido pela razão, por outro
lado, retiraria o argumento de superioridade que seus amigos estavam tentando
demonstrar para que Jó pudesse aceitar que eles estavam certos e que, portanto,
deveria reconhecer-se como pecador e se arrepender para retornar ao estado
anterior. Deus é acessível a todos os homens não porque todos os homens sejam
dotados de razão, mas porque Deus tem prazer em descer ao nível do homem e a
ele Se revelar.
Imediatamente após demonstrar que o argumento de Zofar sucumbiu pela
própria concepção deísta, Jó afirmou, com convicção, que Deus não é um ser
distante e que, após criar o mundo, abandonou-o. Ele disse:"… eu, que invoco a Deus, e Ele me responde…" (Jó 12:4).
Jó afirmou que Deus está, sim, interessado em ter uma convivência com o homem e
que ele, Jó, desfrutava desta convivência, tinha comunhão bem de perto com o
Senhor, tanto que ele o invocava e era correspondido por Deus. A existência de
um diálogo entre Deus e o homem faz sucumbir o argumento "deísta" de
Zofar, e é por isso que os deístas acabam por renegar as Escrituras, porque a
Bíblia é, ela própria, um diálogo entre Deus e os homens.
Jó chamou a própria natureza para ser testemunha de que Deus é o Criador
e o sustentador de todas as coisas, e não leis naturais que estariam
substituindo Deus (Jó 12:7-10). Muito pelo contrário, os "superiores e iluminados"
amigos de Jó poderiam, muito bem, ser substituídos pela criação irracional do
Senhor, que são testemunhas vivas e muito mais sábias até da contínua presença
do Senhor junto à Sua criação.
Contrariando a visão de Zofar, Jó afirmou que Deus intervém continuamente
na ordem das coisas que criou. Diz que a vida humana está em Suas mãos (Jó
12:10), que Ele é quem determina as ascensões e quedas (Jó 12:14), bem como
está presente em todas as manifestações naturais (Jó 12:15), está presente em
todas as decisões humanas, fazendo coisas que o homem não pode compreender (Jó
12:22-25). O patriarca tinha a vivência de um Deus participante, que não
abandonara a Sua criação, mas, bem ao contrário, está presente em todo o seu transcurso;
é um Deus distinto da Sua criação, mas um Deus presente, bem diverso do
concebido por Zofar.
Jó acreditava tanto na participação de Deus no transcorrer da criação
que, uma vez mais deixando de lado as teorias profundas e descabidas de Zofar,
dirigiu-se diretamente a Deus para apresentar o seu pedido e a sua queixa,
demonstrando, assim, claramente, que Deus está disposto a nos ouvir e a nos
acompanhar em todos os momentos de nossa vida (Jó 13:3) – “Mas eu falarei ao Todo-Poderoso; e quero defender-me perante Deus”.
Afirmou o patriarca que seus amigos não estavam com a correta concepção de Deus
e que suas palavras eram mentirosas a este respeito, nada produzindo de remédio
para o mal que estava sofrendo (Jó 13:4,7-13).
Como tem sido o nosso discurso a respeito de Deus para os nossos semelhantes?
Temos sido médicos que não valem nada, como os amigos de Jó? Qual tem sido o
resultado de nossos discursos, de nossas pregações, de nossos testemunhos? Têm
eles gerado saúde espiritual para o povo? Será que temos cumprido o nosso
mister de, como corpo de Cristo aqui na Terra, sermos os médicos para os
doentes (cf.Mt.9:12,13)? Ou temos sido tolos se passando por sábios?
II. A CONVERSÃO COMO RESPOSTA À AFLIÇÃO
1. Purificação moral
Zofar concluiu seu primeiro discurso solicitando a Jó uma purificação moral,
ou seja, arrependimento de seus pecados e mudança de direção em sua vida, para
que ele pudesse conquistar o seu status original. Para Zofar, a melhor coisa
que Jó poderia fazer era lançar “para longe” seus pecados, só então Deus lhe
concederia segurança, descanso e consolo; caso contrário, não escaparia da
destruição (cf. Jó 11:13-20):
13.Se tu preparaste o teu coração, estende as tuas mãos para ele;
14.se há iniquidade na tua mão, lança-a para longe de ti e não deixes
habitar a injustiça nas tuas tendas,
15.porque, então, o teu rosto levantarás sem mácula; e estarás firme e
não temerás.
16.Porque te esquecerás dos trabalhos e te lembrarás deles como das águas
que já passaram.
17.E a tua vida mais clara se levantará do que o meio-dia; ainda que haja trevas,
será como a manhã.
18.E terás confiança, porque haverá esperança; olharás em volta e
repousarás seguro.
19.E deitar-te-ás, e ninguém te espantará; muitos acariciarão o teu
rosto.
20.Mas os olhos dos ímpios desfalecerão, e perecerá o seu refúgio; e a sua
esperança será o expirar da alma.
Como se observa, Zofar foi muito insensível, a ponto de ser ríspido em
seu tratamento com Jó. Para ele, algum pecado cometido por Jó era a raiz da sua
terrível condição e que o sofrimento dele resultava desse pecado. Assim sendo,
era necessária uma reparação, inclusive uma preparação apropriada do seu
coração para colocá-lo num relacionamento correto com Deus. Ele enumera três
atitudes para que isso aconteça: conduta correta (Jó 11:13); súplica em oração
para remover a iniquidade de sua vida e do seu lar (Jó 11:13,14) e renúncia ao
pecado (Jó 11:14). Quando isso fosse feito, Jó estaria apto a levantar o seu
rosto sem mácula (Jó 11:15); então, ele seria considerado inocente diante de
Deus. Medo e miséria seriam esquecidos (Jó 11:15,16). Sua vida seria mais alegre
e radiante do que antes. Todas as causas do medo seriam removidas, e em seu
lugar haveria segurança e esperança em sua vida, e muitos procurariam o seu
favor (Jó 11:17-19).
Todavia, como bem diz o pr. José Gonçalves, “o que está em vista nesta
exortação de Zofar é um moralismo salvífico em vez da graça divina; o caráter
transformador é mais de natureza externa do que interna; nesse aspecto, o
arrependimento não passava de um mero ritual. Na teologia de Zofar, a simples
prática desses ritos trazia consigo o poder de conferir o favor divino. Na
verdade, isso era o que se conhece hoje como legalismo religioso”.
2. É possível negociar com Deus?
Estudiosos destacam que Zofar tentou induzir Jó a negociar com Deus a fim
de se ver livre de suas dificuldades. Era isso que também Satanás desejava que
Jó fizesse desde o início (Jó 1:9). Como já vimos, Satanás quando esteve
presente juntamente com os filhos de Deus (os anjos), ele se levantou contra o
caráter de Deus, acusou-o e questionou suas motivações. Ele insinuou que Jó só
servia a Deus por interesse; afirmou que a devoção de Jó não passava de uma
barganha com Deus. Satanás acusou Jó de ser um utilitarista que se aproximava
de Deus não por quem é Deus, mas por aquilo que Deus dava. Na verdade, Satanás
estava defendendo a tese de que todo mundo serve a Deus por algum interesse
egoísta. Se Jó tivesse seguido o conselho de Zofar, teria feito exatamente o
que Satanás queria. Orientar seus seguidores a barganharem com Deus é um dos
mais sérios erros dos defensores da “teologia da barganha”.
Ninguém deve, jamais, pensar que é merecedor de qualquer coisa oriunda de
Deus. Isso deve se aplicar a todos os aspectos da vida do cristão, desde o ar
que respiramos, passando pela salvação provida na cruz, ou qualquer outro
benefício que venhamos a receber dEle (Tg.4:13-15). Certo teólogo afirmou que
Deus “pode fazer tudo o que quer, mas não quer fazer tudo o que pode”. Isto
significa que o poder de Deus está sob o controle de sua sábia vontade.
3. A angústia de Jó
Jó, cada vez mais oprimido, ficou muito angustiado, a ponto de querer desistir
da vida. O apóstolo Paulo, em certa ocasião, fortemente angustiado, se sentiu
assim (cf. 2Co.1:8). O silêncio de Deus contribuiu sobremaneira para o sofrimento
emocional e psicológico de Jó; ele simplesmente ficou desesperançado da vida, não
tinha mais esperança de se recuperar. Conforme ele afirmou, até mesmo uma
árvore quando tem seu tronco cortado volta a ter brotos novamente, mas isso não
acontecia com o ser humano. Disse Jó (Jó 14:7-14):
7.Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda se
renovará, e não cessarão os seus renovos.
8.Se envelhecer na terra a sua raiz, e morrer o seu tronco no pó,
9.ao cheiro das águas, brotará e dará ramos como a planta.
10.Mas, morto o homem, é consumido; sim, rendendo o homem o espírito,
então, onde está?
11.Como as águas se retiram do mar, e o rio se esgota e fica seco,
12.assim o homem se deita e não se levanta; até que não haja mais céus,
não acordará, nem se erguerá de seu sono.
13.Tomara que me escondesses na sepultura, e me ocultasses até que a tua
ira se desviasse, e me pusesses um limite, e te lembrasses de mim!
14.Morrendo o homem, porventura, tornará a viver? Todos os dias de meu
combate esperaria, até que viesse a minha mudança.
15.Chamar-me-ias, e eu te responderia; afeiçoa-te à obra de tuas mãos.
Apesar da sua intensa angústia, Jó não se rendeu à falaciosa teologia de
seus amigos. Jamais assumiu algo que não havia feito. Ele era convicto de sua
inocência e, por isso, não se sujeitaria ao capricho de Zofar; não iria
estragar seu caráter ilibado por migalhas deste mundo.
Jó era cônscio de que Deus é superior aos homens, cuja existência é um
nada ante a grandeza do universo (Jó 14:1,2,5-12), inclusive revelou que ao
homem é dada apenas a oportunidade de uma só vida; isto vai de encontro às mentiras
ensinadas há séculos por hinduístas, budistas e kardecistas, ao tratarem de
reencarnações (Jó 14:14).
Jó cria que, depois de morto, estando no Seol (Jó 14:13), Deus o traria à
vida de novo (Jó 14:15); noutras palavras, Jó expressou sua esperança numa ressurreição
pessoal. Se Jó ousava ter esperança de uma vida além-túmulo, ele suportaria sua
condição presente e esperaria pelo chamado de Deus (Jó 14:15). Mas Jó ainda não
foi capaz de elevar-se acima do seu dilema imediato e fortalecer a sua
confiança no fato de que Deus se importava com ele. Portanto, ele se entregou
mais uma vez ao desespero que insistia em tomar conta dele em decorrência da
tragédia da sua vida.
Deus quer que todos os crentes que estão sob sofrimento e opressão neste
mundo saibam que está chegando o dia da ressurreição e da vitória, quando,
então, estarão com Deus para sempre (ver Ap.21:1,4). Naquela ocasião,
verificarão diretamente que “as aflições deste tempo presente não são para
comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm.8:18).
III. DEUS JULGA E CASTIGA OS PECADORES
Neste tópico, trataremos do segundo e último discurso de Zofar (Jó 20:1-29),
e da resposta de Jó (Jó cap.21).
1. O castigo dos maus
Em seu segundo discurso, Zofar procurou caracterizar como irracional os
argumentos de Jó, afirmando que eles mostravam falta de entendimento em Jó e
que geravam vergonha nos seus ouvintes (Jó 20:3).
“Eu ouvi a repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu
entendimento responderá por mim”.
Em sua fala, Jó revelou toda a sua convicção de que Deus não abandonou
Sua criação, pois revelou ter esperança em Deus, ainda que Ele estivesse contra
ele, fazendo-o sofrer (Jó 13:15). Ademais, mostrou ter consciência de que
somente os justos podem estar em comunhão com o Senhor (Jó 13:16). Na sua
crença de que Deus atua no universo, Jó chegou a pedir ao Senhor que retirasse
a Sua mão e que não o espantasse (Jó 13:20,21). Ele creu que podia haver
diálogo entre Deus e o homem (Jó 13:22,23) e lançou sua queixa diante de Deus (Jó
13:24-28, 14:15-22).
Mas, Zofar não aceitou esse entendimento de Jó, e afirmou que Deus criou
o ser humano e o abandou na terra - "…o
homem foi posto sobre a terra…" (Jó 11:4). Esta expressão de Zofar denota
que Deus age com certo desprezo em relação ao ser humano; revela um
distanciamento, uma criação seguida de um abandono por parte de Deus. Segundo
esta teoria de Zofar, as leis naturais que Deus criou são as que governam o
Universo, pois Deus, após a criação, abandonou o Universo à sua própria sorte.
Este é o pensamento "deísta", totalmente contrário às evidências das
Escrituras Sagradas, que, aliás, não raro, são atacadas e menosprezadas pelos
seguidores do "deísmo".
Em seguida, Zofar voltou a insistir que os maus têm um júbilo muito breve,
que praticamente todas as desgraças possíveis atingirão o perverso, incluindo
fome, angústia, miséria, ataque inimigo, calamidade, fogo e perda da
tranquilidade. Segundo ele, os céus e a terra conspiram contra o ímpio, e que seus
bens desaparecerão, serão irremediavelmente abatidos por força das próprias
leis estabelecidas por Deus. Esta é a herança decretada por Deus sobre o homem
perverso, na visão de Zofar (Jó 20:20-29).
“Os céus manifestarão a sua iniquidade; e a terra se levantará contra
ele. As rendas de sua casa serão transportadas; no dia da sua ira, todas se
derramarão. Esta, da parte de Deus, é a porção do homem ímpio; esta é a herança
que Deus lhe Reserva” (Jó 20:27-29).
Segundo Zofar, tudo funciona automaticamente, como se o Universo fosse um
relógio, não havendo qualquer necessidade para uma intervenção divina. Por
isso, Zofar, que afirmou ter "o espírito do entendimento" (Jó 20:3),
que já tinha descoberto quais eram as regras disciplinadoras do Universo, pôde
dizer o que aconteceria a Jó, caso ele não se arrependesse, pois "…é esta
a herança que Deus lhe reserva" (Jó 11:2b). Mas, Jó refutou com veemência esta
teoria sem fundamento de Zofar (cf. Jó 21:1-34).
2. Jó diante de um paradoxo
Zofar afirmou anteriormente que todos os maus são punidos, mas Jó argumentou
que a experiência mostra que muitas pessoas más são bem sucedidas. O
entendimento de Jó é paradoxal: a pessoa má sendo beneficiada com o bem. Assim,
Jó rebateu o argumento de Zofar observando, corretamente, que os perversos
geralmente prosperam em todas as áreas e morrem sem sofrimento, mesmo após
expulsarem Deus de suas vidas. Quantas vezes, perguntou Jó, os perversos recebem
a merecida recompensa por seus pecados ainda durante sua existência? Uma pessoa
morre em paz, prosperidade em pleno vigor, enquanto outro morre em amargura e
pobreza (Jó 21:23-25). Todos são iguais na hora da morte.
Se Zofar continuasse a insistir em que os perversos sempre são castigados
nesta vida, então Jó apelaria aos que “viajam”
para que testifiquem que os ímpios, conquanto sofram punição no além,
geralmente vivem tranquilos e felizes nesta vida. Ninguém os condena ou os
castiga, e morrem como todos os outros (Jó 21:29-33). Então Jó exclamou, quase
como gritando: “Como, pois, me consolais em vão? Das vossas respostas só resta
falsidade” (Jó 21:34).
3. A verdade vem à tona
Jó atacou o
dogma da retribuição, defendido com vigor por Zofar em seu segundo discurso,
apresentando argumentos com evidência prática, a saber, a existência de homens
ímpios prósperos, apesar de sua impiedade e de sua deliberada recusa de servir
a Deus, e cujos funerais, inclusive, são repletos de pompa (Jó 21:7-15), embora
reconheça que, apesar desta felicidade aparente, não conseguirão escapar do
juízo divino, que não é, necessariamente, o tipo de juízo presumido por Zofar
(Jó 21:16-26). O próprio Jesus disse que Deus Pai também “faz que o sol se
levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mt.5:45).
Jó denunciou
que seus amigos estavam tão somente aumentando seu sofrimento, que não trazem
palavras de conforto ou de consolo, acabando por entender que seus discursos,
por não estarem estribados em fatos verídicos, eram apenas falsidade (Jó
21:27-34).
CONCLUSÃO
Nesta Aula
tratamos dos discursos de Zofar, que, por desconhecer as razões do sofrimento
de seu amigo Jó, acusou-o de forma impiedosa, implicando que Jó havia pecado
contra Deus, e que por isso estava sofrendo. Mas Jó reprimiu com veemência as
acusações de Zofar, e sustentou a sua defesa até o fim de que era inocente e
que não tinha cometido nenhum pecado que justificasse o seu sofrimento. Apesar
das pressões psicológicas, que lhe trouxeram angústia e desesperança de retorno
ao seu estado original, Jó não blasfemou contra o seu Deus. Como fez em suas
defesas perante os outros amigos, Elifaz e Bildade, Jó afirmou que Deus é
superior ao homem e, portanto, o homem não pode querer esquadrinhar os Seus
pensamentos ou entender os Seus propósitos, a não ser pela própria revelação
divina. Conquanto a natureza possa nos fazer inferir que haja um Deus, não
permite que nós, através dela ou da razão, possamos descobrir os mistérios e as
profundidades do pensamento divino, pois Deus é Deus, e nós meros seres
humanos.
------------------
Luciano de Paula Lourenço –
EBD/IEADTC
Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com
Referências Bibliográficas:
Bíblia de Estudo Pentecostal.
Bíblia de estudo – Aplicação Pessoal.
Bíblia de Estudo – Palavras Chave – Hebraico e
Grego. CPAD
Comentário Bíblico popular (Antigo e Novo
Testamento) - William Macdonald.
Comentário Bíblico Pentecostal. CPAD.
Comentário do Novo Testamento – Aplicação
Pessoal. CPAD.
Hernandes Dias Lopes. Neemias – As teses de
Satanás.
Comentário Bíblico Beacon. CPAD.
Comentário Bíblico NVI – EDITORA VIDA.
Pr. Caramuru Afonso Francisco. Elifaz e a
Teologia do Relacionamento Mercantil com Deus. Portalebd_2003.
Pr. José
Gonçalves. A fragilidade humana e a Soberania Divina. CPAD.
Pr. Caramuru
Afonso Francisco. Zofar e o perigo do Deísmo.PortalEBD.2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário