1º Trimestre/2022
Texto Base: Atos
8:26-30
“E, correndo Filipe,
ouviu que lia o profeta Isaías e disse: Entendes tu o que lês?” (Atos 8:30).
Atos 8:
26.E
o anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Levanta-te e vai para a banda do Sul,
ao caminho que desce de Jerusalém para Gaza, que está deserto.
27.E
levantou-se e foi. E eis que um homem etíope, eunuco, mordomo-mor de Candace,
rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todos os seus tesouros e tinha
ido a Jerusalém para adoração,
28.regressava
e, assentado no seu carro, lia o profeta Isaías.
29.E
disse o Espírito a Filipe: Chega-te e ajunta-te a esse carro.
30.E,
correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías e disse: Entendes tu o que lês?
INTRODUÇÃO
Nesta
Aula trataremos do tema: “Como ler as Escrituras Sagradas”. O objetivo é
mostrar que a leitura e o estudo da Bíblia são fundamentais para conhecermos o
Deus da Bíblia, e para crescermos espiritualmente. Há uma imperiosa necessidade
de se ler a Palavra de Deus, foi por isso que Deus a mandou escrever. Deus tudo
faz com propósito (Ec.3:1) e, portanto, Deus não mandaria seus servos
escreverem a Palavra se isto não fosse necessário. Ora, algo que é escrito
somente tem valor quando é lido, pois, se não for lido, será como se não
existisse. Deste modo, o simples fato de termos a Bíblia Sagrada, de temos uma Escritura
revelada por Deus é o suficiente para que entendamos que a leitura devocional
da Palavra de Deus é imprescindível para o nosso relacionamento com o Senhor. Todos
os cristãos, sejam leigos, sejam clérigos, têm o dever de estudar a Bíblia e
buscar o seu conhecimento adequando de acordo com as normas de interpretação
tecnicamente reconhecidas.
Um
cristão só adquire a maturidade cristã através da leitura e estudo da Palavra
de Deus. Como filhos de Deus não podemos afastar-nos jamais das Sagradas
Escrituras, pois todos dependemos delas vitalmente. Quanto mais as estudarmos,
mais íntimos seremos de seu Autor. A oração é necessária para que falemos com
Deus, e o estudo das verdades sagradas fará com que Deus fale conosco,
comunicando-nos sua vontade e sua Pessoa.
Precisamos
ler e estudar a Bíblia, nos alimentar dela para crescermos fortes no Senhor. O
que mais se vê nos dias de hoje são crentes que oram em línguas estranhas,
profetizam na vida das pessoas, pregam com tanto entusiasmo que impressionam a
muitos, mas quando as tempestades vêm, eles não resistem e caem por falta de
alimento sólido, por não conhecerem as Escrituras e nem o poder de Deus que é
revelado em sua própria Palavra.
I. A BÍBLIA PRECISA SER INTERPRETADA
1. A
importância da exegese
Há uma diferença entre Exegese e Eisegese. Na Exegese o leitor extrai da Bíblia o sentido pretendido pelo autor; na Eisegese, o leitor injeta na Bíblia o sentido que ele considera ser o correto. O vocábulo “exegese” significa “exposição, explicação”. O sentido da exegese é extrair, conduzir para fora como um comentário crítico que analisa o texto no contexto original e o seu significado na atualidade; não é simplesmente uma exposição textual. Os princípios da exegese são conhecidos como hermenêutica - a ciência da interpretação. A interpretação correta, por conseguinte, vem de dentro da Bíblia. Ela mesma expõe aquilo que o Espírito Santo pretende dizer no seu contexto original. Dessa forma, para não fazer o texto significar aquilo que Deus não pretendeu, bem como para compreender o real significado das palavras inspiradas, é necessário um minucioso exame das Escrituras (2Tm.2:15), utilizando-se das línguas originais usadas, dos fatos históricos, da cultura e dos recursos usados no texto sagrado.
2. As
limitações dos leitores
Alguns
cristãos pensam que estudar a Bíblia é apenas tarefa de teólogos e pastores.
Não apenas os pastores ou professores e alunos de teologia precisam estudar a
Bíblia, Deus espera que todos nós nos utilizemos dos recursos necessários para
o conhecimento de Sua Palavra. Todavia, assim como havia com o eunuco de
Candace, há uma limitação enorme de inúmeros leitores da Bíblia em fazer uma
interpretação correta da Bíblia – “E, correndo Filipe, ouviu que lia o profeta
Isaías e disse: Entendes tu o que lês? E ele disse: Como poderei entender, se
alguém me não ensinar? E rogou a Filipe que subisse e com ele se assentasse” (Atos
8:30-31). Se Filipe não tivesse resolvido o problema da limitação do eunuco,
certamente, ele faria interpretação muito equivocada do texto que estava lendo,
como ainda ocorre hoje com os judeus, que se equivocam ao interpretá-lo. Como
bem disse o pr. Douglas Baptista, “toda vez que lemos a Bíblia, estamos
interpretando, isto porque todos os leitores são também intérpretes, mas nem
sempre o ‘entendimento’ daquilo que lemos reproduz a verdadeira ‘intenção do Espírito
Santo’”. Em virtude de nossa inclinação ao erro (Rm.8:7), precisamos usar
métodos propícios que nos auxiliem na interpretação das Escrituras Sagradas,
com a indispensável ajuda do Espírito Santo.
Também,
por causa da natureza humana pecaminosa, é comum as pessoas introduzirem
sentidos particulares (eisegese) ao conteúdo bíblico ao invés de buscarem o
sentido no texto (exegese). As pressuposições humanas, isto é, as visões
interesseiras podem influenciar na interpretação do texto. Por isso, não poucas
vezes, existem aqueles que se aproximam da Bíblia apenas para comprovar o que
já defendem, sem deixar que Deus fale, pelo Seu Espírito, através do texto.
Oremos e peçamos ao Senhor que, conforme Ele fez com os discípulos no caminho
de Emaús, possamos compreender, interpretar e aplicar a verdade bíblica de
acordo com Sua revelação (Lc.24:44-45).
3. A
natureza das Escrituras
A natureza
das Escrituras Sagradas compreende dois princípios importantes: o divino e o humano.
-A
natureza divina da Bíblia. Do lado divino, Deus é o seu autor; logo, ela é inspirada,
inerrante e infalível. No seu todo ou em qualquer parte a Bíblia é o
conjunto dos documentos de Deus para o homem. Todos esses documentos são
testemunhos da vontade de Deus revelada ao longo da história do povo hebreu e
do povo cristão. Com efeito, porém, apesar da diversificação de assuntos, as
Escrituras são proféticas e se combinam entre si em cada detalhe. Algumas
vezes, há diferença no método de apresentação; contudo, o conteúdo plenário é
cronológico: cada acontecimento encontra-se perfeitamente em seu lugar. Tudo
está onde devia estar. Nada está fora do lugar. De Gênesis ao Apocalipse, há
uma só unidade e harmonia de entrelaçamento em cada detalhe das Escrituras.
Jamais mentes puramente humanas, sem serem tocadas pelo Espírito de Deus,
conseguiriam, partindo de pontos diferentes no tempo e no espaço, convergir
para um mesmo lugar e chegar numa mesma conclusão. É realmente o que afirma
Pedro em sua segunda Epístola, quando diz: “Sabendo primeiramente isto: que
nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia
nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus
falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2Pd.1:20,21).
-A natureza humana da
Bíblia.
Foram cerca de 40 autores da Bíblia, durante um período de 1.500 anos, durante
mais de 40 gerações. Os seus autores estavam envolvidos nas mais diferentes
atividades - reis, camponeses, filósofos, pescadores, poetas, estadistas,
agricultores, boiadeiros, médicos, estudiosos etc. Apesar de tudo e de todos,
não houve, nenhuma sequer, contradição nas Escrituras. Tudo se harmoniza de
acordo com o pensamento geral e a tese principal. Apesar da diversidade de
épocas, autores, gêneros literários e tópicos tratados, há uma surpreendente
unidade em seu conteúdo, cujo tema principal é Jesus Cristo, o Filho de Deus
que veio a este mundo para salvar os pecadores (1Tm.1:15). Ele aparece através
de figuras, profecias por todo o Antigo Testamento. Aonde quer que abramos a
Bíblia, ali Ele está; seja no texto presente ou no imediato e, como realidade
histórica, no Novo Testamento, consolidando todas as predições que falavam a Seu
respeito no Antigo Testamento.
Tendo
em vista que as Escrituras Sagradas possuem particularidades que não podem ser
ignoradas, como, por exemplo, as narrativas, as poesias, as crônicas, as
profecias e as parábolas, é preciso que elas sejam interpretadas, sob a
orientação do Espirito Santo, observando as regras gramaticais e o contexto
histórico e literário de quando foram escritos.
II. PRESSUPOSTOS PENTECOSTAIS PARA LER A BÍBLIA
1.
Autoridade da Bíblia
Para
nós adeptos do movimento pentecostal clássico, a Bíblia Sagrada é a Palavra de
Deus; ela é o produto final da causalidade divina e da agência profética.
Portanto, a Bíblia é o Livro imbuído de autoridade divina. Deus moveu os
profetas de tal modo que seus escritos fossem por ele expirados. Em outras
palavras, Deus falou pelos profetas e está falando em seus escritos. Haja vista
a sua origem divina, ao ler a Bíblia temos como pressuposto sua inerrância,
infalibilidade e confiabilidade, e tudo o que está narrado em suas páginas
sagradas é útil para o nosso ensino, edificação e maturidade espiritual, conforme
afirma o apóstolo Paulo – “Porque tudo que dantes foi escrito para nosso ensino
foi escrito...” (Rm.15:4). Portanto, a Bíblia sagrada é nossa autoridade final
em questões de fé e prática; acatamos suas doutrinas, que desde o princípio da
Igreja são praticadas, dentre elas o Batismo no Espírito Santo e o exercício
dos dons espirituais. Como afirma o apóstolo Paulo, “toda Escritura divinamente
inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para
instruir em justiça” (2Tm.3:16).
2. A
iluminação do Espírito Santo
Para
compreensão das Escrituras Sagradas é imprescindível a iluminação do Espírito
Santo. Iluminação é a atuação do Espírito na vida da pessoa, que o capacita a
discernir as verdades da Palavra de Deus. O ser humano toma conhecimento da
salvação por meio das Escrituras, mas somente o estudo racional não é
suficiente para o entendimento da revelação escrita de Deus, é imprescindível
que haja a iluminação do coração e da mente pelo Espírito Santo. Sem a atuação
do Espírito Santo na vida dos apóstolos, certamente, não teríamos as Escrituras
do Novo Testamento. Por isso, Jesus prometeu enviá-lo – “o Espírito Santo, que
o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de
tudo quanto vos tenho dito” (João 14:26).
O
apóstolo Paulo argumenta que “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo nos
abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; nos
elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e
irrepreensíveis diante dele; nos predestinou para filhos de adoção por Jesus
Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor e
glória da sua graça; temos a redenção pelo sangue de Jesus, a remissão das
ofensas, segundo as riquezas da sua graça (Ef.1:3-7); enfim, temos o Céu, temos
a vida eterna, a felicidade plena (João 14:2,3; Fp.3:20). Mas para o crente
compreender toda esta riqueza espiritual, um estudo racional não é suficiente;
todas estas bênçãos só são perceptíveis na vida do crente quando ele está sob o
sobrenatural de Deus, quando ele tem a iluminação do Espírito Santo para
enxergar com os olhos da fé todas estas maravilhas de Deus. Portanto, é preciso
iluminação espiritual, advinda do Espírito Santo da graça, para que enxerguemos
esta realidade. Devemos, pois, pedir a Deus que abra o nosso entendimento a fim
de que saibamos que somos o povo mais abençoado e o mais feliz da terra, pois
temos uma gloriosa e viva esperança que não deve ser abalada pelas
circunstâncias adversas.
À
medida que lemos e estudamos a Bíblia, o Espírito nos concede a compreensão dos
ensinos sagrados. Mas é bom conscientizarmos de que a iluminação não aumenta e
nem altera o conteúdo sagrado; apenas elucida o que já foi revelado pelo
Espírito Santo. Não há nova verdade a ser acrescentada sobre o texto bíblico;
há, sim, nova iluminação, ou seja, são-nos mostrados novos aspectos da verdade
que são relevantes para a nossa situação atual. A verdade é apenas uma, as
aplicações dessa verdade é que são diversas. Somos incumbidos de entender a
verdade e, sob a unção do Espírito de Cristo, aplicá-la. Não fomos chamados
para descobrir novas verdades, mas para ensinar as velhas e maravilhosas
verdades de forma nova, pois elas são atemporais e sempre necessárias em nossa
geração.
3. O valor
da experiência
A
chave para que tenhamos experiências com Deus é a qualidade do relacionamento
que mantemos com Ele. Deus quer manifestar-se de maneira pessoal a cada um de
nós. Ele deseja que nós tenhamos uma experiência própria e pessoal com Ele. O
Deus do universo, de toda a terra e da Igreja, almeja ser o nosso Deus também,
o nosso Pastor e Rei. Para isto, precisamos conhecê-lo, ter um relacionamento e
experiências pessoais com Ele.
No
movimento pentecostal várias experiências espirituais são manifestadas como,
por exemplo, o batismo no Espírito Santo e o exercício dos dons espirituais.
Através de uma pesquisa analítico-bibliográfica, constata-se que essas
experiências têm como propósitos a divulgação do Evangelho, assumido como
missão da Igreja, bem como a realização de milagres, tais como aconteciam no
princípio da Igreja.
Alguns
segmentos evangélicos interpretam mal o valor dessas experiências. Com
frequência, os pentecostais são injustamente acusados de colocar a experiência
acima da autoridade da Palavra de Deus. Porém, como bem diz o pr. Douglas, um
dos princípios hermenêuticos ensina o crente a “interpretar a experiência
pessoal à luz das Escrituras, e não a Escritura à luz da experiência pessoal”.
Significa que, por mais importante que seja a experiência pessoal, ela não é a autoridade
final da nossa fé. As experiências precisam do aval das Escrituras para ser
validadas. Toda e qualquer experiência que contraria os preceitos bíblicos deve
ser desconsiderada. Paulo asseverou que, se um anjo do céu vos anunciar outro
evangelho, tal experiência deve ser rejeitada (Gl.1:8).
O
apóstolo Paulo afirma que “toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa
para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que
o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra”
(2Tm.3:16,17). Aqui, o apóstolo mostra que “toda Escritura” é útil para o nosso
ensino; isto demonstra que a Bíblia deve ser aplicada ao nosso viver diário. Explicando
melhor:
ü A Palavra de Deus é “útil
para repreensão”. Quando a lemos, ela nos fala claramente de coisas em nossa
vida que desagradam a Deus. Ela também é proveitosa par refutar erros e
responder ao tentador.
ü A Palavra também é
“útil para a correção”. Ela não apenas destaca o errado, mas apresenta como
pode ser corrigido. Por exemplo, o texto bíblico não afirma apenas: “aquele que
furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é
bom para que tenha com que acudir ao necessitado” (Ef.4:28). A primeira parte
do versículo é para repreender, e a segunda, para corrigir.
ü Enfim, a Bíblia é útil
“para instruir em justiça”. A graça de Deus nos ensina a viver uma vida
piedosa, mas a Palavra de Deus descreve em detalhes o que constitui uma vida
piedosa. Por meio da Palavra, “o homem de Deus” pode ser “perfeito” ou
experiente. Ele é plenamente preparado ou equipado com tudo o que precisa para
produzir toda boa obra (2Tm3:17), que é o objetivo de sua salvação (Ef.2:8-10).
Portanto,
a Bíblia sagrada é a autoridade máxima da Igreja no aspecto doutrinário e para
a devida disciplina. Somente ela é que pode autenticar, e até mesmo corrigir, a
experiência ou a prática da Igreja, caso seja necessário (2Tm.2:42). Logo, nem a
experiência nem a tradição da Igreja podem estar acima da autoridade da Palavra
de Deus.
III. REGRAS BÁSICAS DE INTERPRETAÇÃO
1. A
Escritura é sua própria intérprete
Dentre
as seis regras de interpretação da Bíblia, estudadas na hermenêutica, a
primeira é: a Bíblia interpreta a própria Bíblia; ou seja, a Bíblia explica a
si mesma. Sempre que encontramos um determinado pensamento ou conceito num
determinado texto bíblico, devemos confrontá-lo com a própria Bíblia, a fim de
que não sejamos induzidos a erro. É por isso que um texto isolado, solitário,
jamais poderá oferecer base para uma doutrina bíblica como, por exemplo, o
texto de Juízes 7:8 que fala dos trezentos homens de Gideão. Por que haveremos
de passar por uma “corrente de trezentos pastores” para obter uma bênção? A
simples leitura do texto em que se fala dos trezentos homens de Gedeão é
suficiente para nos mostrar quais os ensinos bíblicos que se fazem a respeito e
que nada têm que ver com “correntes” ou coisa parecida. Os triunfalistas sempre
dão às suas pregações materialistas e megalomaníacas uma roupagem bíblica.
Assim, não faltam imagens e narrativas bíblicas para ilustrarem as suas
“campanhas” e os seus “movimentos”. Um dia é a “campanha da derrubada das
muralhas de Jericó”; outro dia o “jejum de Moisés”; depois vem “os trezentos de
Gedeão”, e não esqueçamos dos “trinta valentes de Davi”.
Uma
noção ainda que superficial das regras da chamada “hermenêutica”, ou seja, da ciência
da interpretação da Bíblia, é suficiente para desbaratar e desmontar todas estes
besteiróis criados pelos triunfalistas, e que têm enganado a muitos. O problema
é que a grande maioria dos crentes não lê a Bíblia e os poucos que a leem não
têm a mesma prudência demonstrada no diálogo entre Filipe e o eunuco
(At.8:26-40). Neste texto, verifica-se que, de um lado, o evangelista Filipe
tinha a preocupação não só de anunciar a Palavra de Deus, mas de fazê-la
entendida por quem a ouvisse, enquanto do outro lado, o eunuco também era um
leitor atento, alguém que, além de querer ler, queria entender o que estava
lendo e estava disposto a ouvir a explicação a respeito do que está escrito.
Meditar
na Palavra de Deus, envolve, portanto, dois pontos: a leitura e o entendimento.
Ora, a leitura só caminha até o entendimento se houver a explicação. Foi, por
isso, que os apóstolos se dedicaram, com prioridade, ao ministério da Palavra
(At.6:2,4), e que Jesus constituiu mestres para o aperfeiçoamento dos santos (Ef.4:11,12).
Somente se cada crente for ensinado convenientemente na Palavra, de modo a ter
uma vida devocional diária de meditação nas Escrituras, como também motivado a
participar das reuniões de ensino da Igreja Local, é que poderemos escapar da
armadilha do triunfalismo, como, de resto, de toda e qualquer falsa doutrina.
2.
Princípios de interpretação bíblica
Do
mesmo jeito que há quem defenda que o estudo da Bíblia é apenas para teólogos,
há quem argumente que a Bíblia não carece de interpretação. Esse é um equívoco,
pois, na verdade, todos nós interpretamos a Bíblia quando a lemos; ainda que
seja uma leitura superficial, tenderemos a atribuir algum sentido ao texto. Um
problema a esse respeito é que, em algumas ocasiões, não atentamos para o texto
e nem para o contexto, mas apenas para versículos isolados,
descontextualizados. Isso faz toda diferença no processo interpretativo e pode
conduzir a falácias em relação ao texto bíblico.
Um
dos grandes desafios da interpretação é cultural. A Bíblia foi escrita para
pessoas de outro tempo. Quando, por exemplo, o apóstolo Paulo sentou-se para
escrever a sua Carta aos efésios, ele não estava pensando nos cristãos
brasileiros. Sua atenção estava voltada para pessoas do século 1, que viviam
dentro da cultura greco-romana-judaica. O mesmo podemos dizer do autor do
Apocalipse; quando João escreveu este Livro sagrado, utilizou uma linguagem
simbólica que era comum principalmente aos cristãos judeus de seu tempo. Em sua
época, eram comuns os escritos apocalípticos, que buscavam transmitir mensagens
de reforço na fé em linguagem cheia de imagens e significados ocultos. Hoje,
quando lemos a Epístola aos Efésios ou o Apocalipse, ficamos às vezes com
dificuldades de compreender algumas expressões, mesmo utilizando dos métodos clássicos
de interpretação. Daí podemos inferir que a primeira tarefa do intérprete
bíblico é entender o que as Escrituras significaram para os seus primeiros
destinatários. A partir desse ponto, é que podemos estabelecer qual a aplicação
para hoje.
Serão
válidos para hoje o ósculo santo, o véu no rosto para a oração (1Co.11:13,
16:20)? Para respondermos isso precisamos primeiro saber "o que
significava o ósculo e o véu na sociedade daquele tempo". Somente a partir
daí é que poderemos transpor essa barreira cultural, e fazer das Escrituras
algo vivo para o homem do século vinte um. Para isso existem vários
instrumentos disponíveis já em língua portuguesa: dicionários e manuais,
comentários bíblicos, livros dedicados a reconstruir os tempos bíblicos e atlas
que permitem-nos visualizar o arranjo político-geográfico dos tempos do Antigo
e Novo Testamentos.
Ao
interpretarmos um texto, fujamos da interpretação alegórica. O texto
normalmente significa aquilo que está escrito mesmo. Em algumas ocasiões iremos
nos defrontar com figuras de linguagem. Por exemplo, quando Jesus Cristo afirmou
que é "a porta" (João 10:7), o bom senso nos diz que cabe aqui uma
interpretação simbólica. Outro exemplo: “Tomai, comei, isto é o meu corpo”
(Mt.26:26); este texto, proferido por Cristo, mostra que o “corpo” não está no
sentido literal, mas no figurado.
Em
outras situações, porém, devemos cuidar para não alegorizar aquilo que é
literal. Certa feita um pregador afirmou o seguinte sobre o casamento de Isaque
relatado em Genesis 24. O pregador disse que o servo de Abraão era um
"tipo" do Espírito Santo, e que Rebeca é um símbolo da Igreja. Se
formos utilizar tais artifícios em nossa interpretação, poderemos transformar o
texto bíblico naquilo que quisermos. Devemos levar a Bíblia a sério. Os casos em
que não estiver clara uma figura de linguagem, ou onde o estilo de literatura
não for claramente figurativo, tais como nos Salmos e no Apocalipse, devemos
sempre interpretar literalmente. O bom senso e a liderança do Espírito Santo
nos garantirão bom resultado nessa empreitada. Portanto, para a interpretação
do texto, devemos estar atentos à voz do Espírito Santo, e, em oração, buscar
ouvir o que o Senhor tem a dizer e a obedecê-lo (Ap.2:11,17).
Outro
princípio refere-se ao contexto, isto é, analisar os versículos que precedem e
seguem o texto que se estuda. Quando desconsideramos o contexto, estamos
sujeitos a errar a nossa interpretação. Um exemplo clássico é Ap.3:20:
"Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta,
entrarei em sua casa, e cearei com ele e ele comigo". Muitos mestres e
pregadores usam essa passagem como uma espécie de apelo evangelístico. O
convite do Senhor, no entanto, neste caso, não é dirigido aos pecadores para
que eles se arrependam e creiam no evangelho. O convite de Cristo aqui
dirige-se aos crentes orgulhosos; o versículo em questão faz parte da carta de
Jesus à Igreja de Laodiceia (Ap.3:14).
A
interpretação deve levar em conta toda a estrutura textual. Devemos levar em
consideração o contexto imediato e o remoto. Chamamos de contexto imediato tudo
aquilo que está próximo ao texto estudado (parágrafo e capítulo). Chamamos de
contexto remoto tudo aquilo que está distante, mas ao mesmo tempo abrange o
texto estudado (seção, divisões maiores da obra e o livro como um todo). Devemos
sempre perguntar ao texto: qual o contexto próximo? O parágrafo está tratando
de que tema? E o capítulo? E a seção? Aqui estabeleceremos uma relação entre os
elementos textuais, e estaremos mais aptos a discernir o significado da
passagem. Todo texto deve ser interpretado dentro do seu contexto. Como diz um
ditado da interpretação bíblica, "texto tirado de contexto é
pretexto". Muitos usam textos deslocados para provar as suas doutrinas
preferidas. Não caiamos nesse ardil, pois a Bíblia precisa ser interpretada no
seu todo, ou seja, nenhuma doutrina pode basear-se em um único texto ou em
hipóteses particulares (2Pd.1:20).
É
bom enfatizar que todo o trabalho de interpretação bíblica deve começar com a
oração. O verdadeiro entendimento da Palavra advém, em primeiro lugar, desse
contato íntimo e frequente entre o intérprete e o Deus que inspirou as
Escrituras. É necessário que nos cubramos com a proteção de Deus e convidemos o
Espírito Santo a ser o nosso Mestre. O Espírito Santo tem uma tarefa de
ensinar-nos acerca de Cristo (João 16:13,14). Do mesmo modo, é Ele quem nos
mostra as profundas revelações de Deus: "Mas Deus no-lo revelou pelo
Espírito, porque o Espírito a todas as cousas perscruta, até mesmo as
profundezas de Deus... Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim,
o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado
gratuitamente" (1Co.2:10, 12). Em outro lugar a Escritura afirma que nosso
conhecimento advém do fato de possuir a unção do Espírito: "E vós possuís
unção que vem do Santo, e todos tendes conhecimento" (1João 2:20).
3. Os
perigos da hermenêutica pós-moderna
A
hermenêutica pós-moderna é caracterizada pelo subjetivismo no processo de
interpretação do texto bíblico. Ela nega que existe um sentido absoluto para a
verdade bíblica, e, portanto, busca rever ou ressignificar a verdade revelada
na Palavra de Deus. O maior perigo das correntes subjetivas é a falta de
compromisso com critérios objetivos que orientem e deem consistência ao processo
interpretativo. A interpretação pós-moderna, de modo geral, exagera a distância
cultural entre o autor e o leitor, e dissocia de modo injustificável o autor do
seu texto. A obra iluminadora do Espírito Santo, revelada nas próprias Escrituras,
é desconsiderada. A dificuldade de interpretação se transforma em
impossibilidade de interpretação.
Nenhum
segmento evangélico está livre da influência da hermenêutica pós-moderna. Ela
afeta não apenas a interpretação bíblica, também a prática eclesial; a vida cristã
comunal e pessoal são áreas afetadas; a doutrina, a teologia, a pregação, o
ensino, a música, o culto, a evangelização, a ética e a moral cristã, tudo é
afetado. Portanto, concordo com o argumento do pr. Douglas, quando afirma:
Nossa ortodoxia refuta
todo e qualquer método que nega a inspiração verbal e plenária da Bíblia e sua
consequente autoridade (2Pd.1.21). Assim sendo, o intérprete não pode criar
outro cânon dentro do cânon bíblico, ou seja, não cabe ao estudante fragmentar
ou relativizar os textos inspirados. Não se pode empregar métodos subjetivos
focados no leitor em prejuízo do texto e do autor bíblico. Ratificamos que as
experiências devem ser submetidas ao crivo das Escrituras Sagradas (At.17:11).
Por fim, reconhecemos que as técnicas hermenêuticas não são infalíveis. Durante
o processo de aplicação dos métodos interpretativos necessitamos da iluminação
do Espírito Santo (1Co.2:12).
Argumenta
com sabedoria o Pr. Alair Germano:
No desejo de nos
tornarmos aceitáveis pela erudição acadêmica universitária contemporânea,
corremos o risco de nos tornarmos acríticos e seduzidos pelos aplausos da
academia pós-modernizada. A busca por relevância entre os leitores e ouvintes
contemporâneos, embora legítima, não pode comprometer a verdade. A ênfase
exagerada nos aspectos subjetivos da interpretação bíblica (experiência,
êxtase, intuição etc.), em detrimento dos aspectos objetivos
histórico-gramaticais do texto, precisa ser considerada com muita prudência,
inteligência e coerência. A sabedoria que vem do alto, a humildade, o temor
reverente, a oração e a dependência do Espírito devem continuar fundamentando e
norteando todo o nosso pensar e fazer hermenêutico (Hermenêutica Pós-Moderna:
Uma Breve Introdução aos Novos Rumos e Riscos na Interpretação Bíblica Contemporânea).
CONCLUSÃO
Prezado
irmão em Cristo, leia e estudo a Palavra de Deus; não seja um bebê o tempo
todo. Não fique satisfeito com um simples correr de olhos pelas páginas da
Bíblia. Examine-a, leia e releia as passagens para que se aproveite a verdade
que se esconde nas páginas. Examine-a, faça perguntas e procure as respostas: o
que isto significa para mim? Só tem isso? Procure entendimento pelas palavras
diferentes que notar. Pese cada uma. Verifique outros versículos que têm a mesma
palavra. Você pode atingir o significado. Forme o seu próprio pensamento sobre
o assunto.
Estude
a Bíblia como um viajante que deseja obter um conhecimento completo e
experimental de outro país. Vá pelos vastos campos da verdade; desça a seus
vales; suba suas montanhas de percepção; siga suas correntes de inspiração;
visite suas maravilhosas galerias de obras de arte.
Estude
a Palavra como um garimpeiro escava a terra em busca de ouro, ou como um
mergulhador desce às profundezas do mar em busca de pérolas. A maioria das
grandes verdades não está na superfície, e por isso só podem ser trazidas à luz
mediante trabalho paciente. Trate de entender as coisas profundas de Deus.
Lembre-se:
a Bíblia Sagrada é a nossa regra de fé e prática; é o mapa do viajor; é a
espada do soldado e o mapa do cristão. Leia-a para ser sábio, creia nela para
estar seguro e pratique o que nela está escrito, para ser santo. Ela contém
luz para dirigi-lo, alimento para sustê-lo, e consolo para animá-lo.
------------
Luciano
de Paula Lourenço – EBD/IEADTC
Disponível
no Blog: http://luloure.blogspot.com
Referências
Bibliográficas:
Bíblia
de Estudo Pentecostal.
Bíblia
de estudo – Aplicação Pessoal.
Bíblia
de Estudo – Palavras Chave – Hebraico e Grego. CPAD
William
Macdonald. Comentário Bíblico popular (Antigo e Novo Testamento).
Comentário
Bíblico Pentecostal. CPAD.
Comentário
do Novo Testamento – Aplicação Pessoal. CPAD.
Norman
L Geisler. Introdução geral à Bíblia. Vida Nova.
Pr.
Augustus Nicodemos Lopes. Princípios de Interpretação da Bíblia.
Pr.
Altair Germano. Hermenêutica Pós-Moderna.
Pr.
Caramuru Afonso Francisco. O valor do estudo da Bíblia. PortalEBD_2008.
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