quinta-feira, 28 de março de 2024

“CRISTO, NOSSA PÁSCOA, FOI SACRIFICADO POR NÓS” (1Corintios 5:7)

 



O apóstolo Paulo, em sua primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 5, versículo 7, proclama: "Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós". Essa declaração carrega consigo uma profundidade teológica e simbólica. Qual o significado por trás dessa afirmação, considerando suas implicações históricas, teológicas e práticas para a fé cristã?

Contextualização histórica e Bíblica da Páscoa

Para compreender plenamente o significado de Cristo como nossa Páscoa, é essencial entender as raízes históricas e bíblicas da festa da Páscoa. A Páscoa judaica remonta à libertação do povo hebreu do Egito, conforme registrado no livro do Êxodo, aproximadamente em 1445 a.C. Essa celebração anual tinha como base as leis estabelecidas por Yahweh, incluindo rituais específicos como a imolação do cordeiro pascal e a aspersão de seu sangue nas portas das casas, conforme instruído em Êxodo 12:23.

O nome "Páscoa" deriva do verbo hebraico "Pesah", que significa "passar por cima", em referência à proteção concedida às casas marcadas com o sangue do cordeiro pascal contra a praga da morte durante a última das dez pragas do Egito.

A partir da instituião da Páscoa, no Egito, o povo de Deus ia celebrar a Páscoa toda primavera, obedecendo as instruções divinas de que aquela celebração seria "estatuto perpétuo" (Êxodo 12:14). Era, porém, um sacrifício comemorativo, exceto o sacrifício inicial no Egito, que foi um sacrifício eficaz.

Antes da construção do templo em Jerusalém, em cada Páscoa os israelitas reuniam-se segundo suas famílias, sacrificavam um cordeiro, retiravam todo fermento de suas casas e comiam ervas amargas. Mais importante: recontavam a história de como seus ancestrais experimentaram o êxodo milagroso na terra do Egito e sua libertação da escravidão ao Faraó. Assim, de geração em geração, o povo hebreu relembrava a redenção divina e seu livramento do Egito (Êxodo 12:26).

Uma vez construído o templo, Deus ordenou que a celebração da Páscoa e o sacrifício do cordeiro fossem realizados em Jerusalém (Dt.16:1-6). O Antigo Testamento registra várias ocasiões em que uma Páscoa especialmente relevante foi celebrada na cidade santa (2Cronicas 30:1-20; 35:1-19; 2Reis 23:21-23; Eadras 6:19-22).

Nos tempos do Novo Testamento, os judeus observavam a Páscoa da mesma maneira. O único incidente na vida de Jesus como menino, que as Escrituras registram, foi quando seus pais o levaram a Jerusalém, aos doze anos de idade, para a celebração da Páscoa (Lucas 2:41-50). Posteriormente, Jesus ia cada ano a Jerusalém para participar da Páscoa (João 2:13). A última Ceia de que Jesus participou com os seus discípulos em Jerusalém, pouco antes da cruz, foi uma refeição da Páscoa (Mateus 26:1,2,17-29). O próprio Jesus foi crucificado na Páscoa, como o Cordeiro pascoal (cf. 1Corintios 5:7) que liberta do pecado e da morte todos aqueles que nEle crêem.

Hoje, os judeus continuam celebrando a Páscoa, embora seu modo de celebrá-la tenha muda­do um pouco. Posto que não existe em Jerusalém um templo para sacrificar um cordeiro, em obediência a Dt.16:1-6, a festa judaica contemporânea (chamada Seder) já não é celebrada com o cordeiro assado. Mas as famílias ainda se reúnem para a solenidade e, no momento da cerimônia, o pai da família narra toda a história do êxodo.

A Páscoa e Jesus Cristo

Paulo, ao proclamar que Cristo é nossa Páscoa (1Corintios 5:7), estabelece uma conexão profunda entre os eventos da Páscoa judaica e o sacrifício redentor de Jesus na cruz. Assim como o cordeiro pascal foi imolado para proteger o povo hebreu da morte, Jesus foi sacrificado para redimir a humanidade do poder do pecado e da morte.

O Novo Testamento ensina explicitamente que as festas judaicas "são sombras das coisas futuras" (Col.2:16,17; Hb.10:1), isto é, a redenção pelo sangue de Jesus Cristo. Note os seguintes itens em Êxodo 12, que nos fazem lembrar do nosso Salvador e do seu propósito para conosco (extraído e adaptado da Bíblia de Estudo Pentecostal):

ü  O âmago do evento da Páscoa era a graça salvadora de Deus. Deus tirou os israelitas do Egito, não porque eles eram um povo merecedor, mas porque Ele os amou e porque Ele era fiel ao seu concerto (Dt.7:7-10). Semelhantemente, a salvação que recebemos de Cristo nos vem através da maravilhosa graça de Deus (Ef.2:8-10; Tt.3:4,5).

ü  O propósito do sangue aplicado às vergas das portas era salvar da morte o filho primogênito de cada família; esse fato prenuncia o derramamento do sangue de Cristo na cruz a fim de nos salvar da morte e da ira de Deus contra o pecado (Ex.12:13,23,27; Hb.9:22).

ü  O cordeiro pascoal era um "sacrifício" (Ex.12:27) a servir de substituto do primogênito; isto prenuncia a morte de Cristo em substituição à morte do crente (ver Rm.3:25). Paulo expressamente chama Cristo nosso Cordeiro da Páscoa, que foi sacrificado por nós (1Co.5:7).

ü  O cordeiro macho separado para morte tinha de ser "sem mácula" (Ex.12:5); esse fato prefigura a impecabilidade de Cristo, o perfeito Filho de Deus (João 8.46; Hb.4:15).

ü  Alimentar-se do cordeiro representava a identificação da comunidade israelita com a morte do cordeiro, morte esta que os salvou da morte física (1Co.10:16,17; 11;24-26). Assim como no caso da Páscoa, somente o sacrifício inicial, a morte dEle na cruz, foi um sacrifício eficaz. Realizamos em continuação a Ceia do Senhor como um memorial, "em memória" dEle (1Co.11:24).

ü  A aspersão do sangue nas vergas das portas era efetuada com fé obediente (Ex.12:28; Hb.11:28); essa obediência pela fé resultou, então, em redenção mediante o sangue (Ex.12:7,13). A salvação mediante o sangue de Cristo se obtém somente através da  “obediência da fé” (Rm.1:5; 16:26).

ü  O cordeiro da Páscoa devia ser comido juntamente com pães ásmos (Êxodo 12:8). Uma vez que na Bíblia o fermento normalmente simboliza o pecado e a corrupção (Ex.13:7; Mt.16:6; Mc.8:15), esses pães ásmos representavam a separação entre os israelitas redimidos e o Egito, isto é, o mundo e o pecado. Semelhantemente, o povo redimido por Deus é chamado para separar-se do mundo pecaminoso e dedicar-se exclusivamente a Deus.

Cumprimento profético em Cristo

A vida, morte e ressurreição de Jesus são interpretadas à luz das Escrituras como o cumprimento do plano redentor de Deus para a humanidade. Ele é retratado como o "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (João 1:29), uma alusão clara ao cordeiro pascal cujo sangue salvou os israelitas da morte.

O Sacrifício expiatório de Cristo

A imagem do cordeiro sacrificado na Páscoa judaica é ampliada e aprofundada na obra redentora de Cristo. Ele é retratado como o sacrifício perfeito, cujo sangue derramado na cruz expia os pecados da humanidade, conforme expresso em Hebreus 9:22: "sem derramamento de sangue não há perdão".

A Ceia do Senhor como cumprimento da Páscoa

A Ceia do Senhor, também conhecida como Santa Ceia, é o memorial instituído por Jesus para recordar seu sacrifício e celebrar a comunhão dos crentes com Cristo e entre si. Ela assume o lugar da Páscoa judaica, transformando seu significado e apontando para a realização final em Cristo.

Significado simbólico da Ceia do Senhor

  1. O Corpo de Cristo: O pão partido na Ceia simboliza o corpo de Cristo dado em sacrifício por nós, como mencionado por Paulo em 1Coríntios 11:24.
  2. O Sangue de Cristo: O vinho da Ceia representa o sangue de Cristo derramado para a remissão dos pecados, conforme ensinado por Jesus durante a última Ceia (Lucas 22:20).
  3. Nova Aliança: Assim como a Páscoa representava a antiga aliança, a Ceia do Senhor nos lembra da nova aliança estabelecida por Cristo através de seu sacrifício (Lucas 22:20).

Portanto, o cordeiro pascal foi substituído na Ceia cristã pelo pão, e o sangue do cordeiro pelo vinho, símbolo do sangue de Jesus. Então, podemos definir qual é o significado da Ceia do Senhor: ela simboliza o supremo dom do amor de Deus em Jesus, que entregou seu próprio corpo e derramou seu sangue em nosso lugar para nos perdoar os pecados.

Porém, é válido lembrar que o traidor também estava participando dessa celebração: ”a mão do traidor está comigo à mesa” (Lc.22:21). Quem era ele? Jesus sabia, mas não contou. Lucas 22:23 diz que a ansiedade tomou conta de todos os que participavam daquele momento - “serei eu? Será você? Quem vai trair Jesus e o evangelho?”, indagaram os discípulos entre si. Que nós não traiamos Jesus de maneira nenhuma, mas nos disponhamos, se preciso for, até a morrer anunciando a nova vida que Ele dá.

Universalidade da Redenção em Cristo

Enquanto a Páscoa judaica tinha um foco nacional e étnico, a Ceia do Senhor é celebrada por todos os crentes, independentemente de sua origem ou nacionalidade. Ela simboliza a redenção universal oferecida por Cristo a toda a humanidade, como proclamado em João 3:16: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Além de seu profundo significado teológico, a compreensão de Cristo como nossa Páscoa tem implicações práticas para a vida cristã e a experiência pessoal de salvação.

Libertação do pecado e da morte

Assim como a Páscoa judaica representava a libertação do povo hebreu do cativeiro egípcio, a Páscoa em Cristo simboliza nossa libertação da escravidão do pecado e da condenação espiritual. Como afirmado por Jesus em João 8:36: "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres".

Chamado à santidade e gratidão

O reconhecimento do sacrifício de Cristo como nossa Páscoa nos desafia a viver vidas santas e gratas diante de Deus. Como Paulo exorta em Romanos 12:1: "Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso corpo como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional".

Conclusão

A afirmação de Paulo de que "Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós" encapsula a essência do evangelho cristão. Ela nos lembra da obra redentora de Cristo na cruz, que cumpre e transcende o simbolismo da Páscoa judaica, oferecendo salvação e vida eterna a todos que creem. Que possamos viver em constante gratidão e adoração por esse sacrifício inigualável.

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Luciano de Paula Lourenço

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