sábado, 11 de abril de 2020

PÁSCOA E PANDEMIA



Por: Daniel Lima
Chocolate, coelhinho? Cantata especial nas igrejas? Almoço em família? Final de semana estendido? Estas imagens – tão comuns – representariam a Páscoa de muitos cristãos até o ano passado. Páscoa sempre foi uma celebração, um final de semana especial. Festas, refeições singulares e família reunida. É muito comum igrejas realizarem acampamentos ou retiros especiais aproveitando a data. Então, de repente, surge a pandemia...
Neste ano realmente creio que a Páscoa não será assim. Cantatas serão virtuais ou por meio das hoje famosas “lives”. Nós, os mais velhos, podemos até nos reunir com a família, mas sempre por meio da instrumentalidade de uma tela. No entanto, vejo nessa situação uma excelente oportunidade para reavaliarmos o que é a Páscoa. Certamente, muito embora algumas comemorações ajudem e outras atrapalhem, a Páscoa não se resume às festas e rituais, por mais saudáveis que alguns possam ser.
A origem da Páscoa é a libertação do povo de Israel do cativeiro no Egito (Êxodo 12). Nos versos 26 e 27 deste capítulo, lemos:
“Quando os seus filhos perguntarem: O que significa esta cerimônia? respondam-lhes: É o sacrifício da Páscoa ao Senhor, que passou sobre as casas dos israelitas no Egito e poupou nossas casas quando matou os egípcios”.
A Páscoa é a festa mais importante no calendário judaico. Faz referência à misericórdia e à fidelidade de Deus em cumprir suas promessas, e ao mesmo tempo aponta para o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. O cordeiro era morto para simbolizar o fato de que um dia o justo morreria pelos injustos e o povo de Deus seria salvo; não por seu próprio mérito, mas pela graça de Deus.
Para nós, cristãos, a Páscoa é a realização de todo o plano de salvação de Deus. Estávamos todos condenados em nossos pecados e Deus mesmo providenciou o cordeiro puro e sem nenhum defeito para que, ao ser morto, pudesse pagar por nossos pecados (João 3.16-18). Sua vitória sobre a morte está no fato de que Cristo não apenas morreu, mas ressuscitou. Nós podemos reivindicar esta obra salvadora de Jesus (tanto o pagamento pelo pecado como a promessa de ressurreição) por meio da fé.
Como então encarar esta Páscoa sem as festas e aparatos com que estamos acostumados? Parece-me que o princípio maior que deveria nortear nossa celebração da Páscoa é que só houve salvação porque antes houve escravidão. Páscoa é alegria pela ressurreição, mas, para chegar ali, Cristo passou pela morte. E nós somos chamados para imitar sua vida. Aliás, essa é a própria definição de discipulado. Em Mateus 16.24-25 Jesus disse:
“Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, a encontrará”.
A Páscoa representa a própria essência do evangelho. A intimidade com Deus, a glória do céu, as bênçãos oferecidas estão do outro lado do negar-se a si mesmo, do tomar sua cruz e do seguir a Jesus. Páscoa deveria ser para nós, cristãos, um momento de celebração, mas apenas após contemplarmos o sofrimento de Cristo, que deveria ser o nosso sofrimento. Não celebramos o sofrimento, mas somente após reconhecermos o sofrimento podemos dar o devido valor à benção, à Páscoa.
No meio de tanta dúvida, sofrimento, incerteza, a Páscoa é uma declaração contra o status quo. O status quo, a ideologia que afirma por um lado que não há esperança, que estamos caminhando para a destruição. A estes a mensagem da Páscoa aponta para o futuro e proclama a esperança da libertação. Para você que, como eu, às vezes se encontra desorientado, abatido, não entendendo o sofrimento, surpreso com sonhos despedaçados, com relacionamentos quebrados, com expectativas frustradas, a Páscoa é um sopro de esperança. É uma ousada afirmação de que este não é o fim da história, de que haverá um dia de consolo e paz a todos que esperam no Senhor (Apocalipse 21.4).
No entanto, este mesmo status quo por vezes afirma exatamente o contrário. Em sua insensatez, se disfarça de devoto e exige de Deus promessas que ele não fez, reivindica bênção que não é sua e se revolta diante da dor e do sofrimento, como se isso fosse estranho e injusto. A estes a Páscoa traz uma mensagem de confrontação, nos lembra que somos pecadores e que nosso destino, exceto pela graça, é mesmo a morte e a destruição. Para você, cristão como eu, que às vezes se levanta e pergunta a Deus: “Por que eu? Por que aquele outro, muito menos digno (aos meus olhos) que eu, tem tanto eu tão pouco? Por que eu, que te servi tão fielmente, sofro tanto?”. Para estes momentos, a mensagem da Páscoa é um sombrio alerta sobre o preço do pecado. Para chegar no domingo da ressurreição, Jesus passou pela sexta-feira da paixão. Refletir esta jornada de Jesus, que somos chamados a imitar, pode ser constrangedor, mas nos liberta de nossa justiça própria.
Minha oração por você e por mim (com certeza por mim) é que esta Páscoa despida de seus artefatos nos leve a uma postura de quebrantamento e gratidão por tão grande salvação! (Hebreus 2.3).
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Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutorando em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, uma neta e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.


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