domingo, 28 de agosto de 2022

Aula 10 - A SUTILEZA CONTRA A PRÁTICA DA MORDOMIA CRISTÃ

 

3° Trimestre/2022


Texto Base: Gênesis 14:17-20


“E [Abrão] deu-lhe o dízimo de tudo” (Gn.14:20).

Gênesis 14:

17.E o rei de Sodoma saiu-lhes ao encontro (depois que voltou deferir a Quedorlaomer e aos reis que estavam com ele) no vale de Savé, que é o vale do Rei.

18.E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e este era sacerdote do Deus Altíssimo.

19.E abençoou-o e disse: Bendito seja Abrão do Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra;

20.e bendito seja Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E deu-lhe o dízimo de tudo.

INTRODUÇÃO

Nesta Aula trataremos da perigosa “teologia” da barganha. Nestas últimas décadas, inúmeros cristãos têm se apegado absurdamente ao materialismo por influência de algumas igrejas que têm como principal doutrina a teologia da prosperidade, e isto tem enfraquecido sobremaneira a verdadeira doutrina da mordomia cristã, ou seja, a doutrina da administração dos bens que Deus nos deu. Muitos, por estarem interessados apenas em milagres, curas e prosperidade material, já não buscam a Deus pelo que Ele é. Na verdade, não querem conhecer a Deus, mas somente barganhar com Ele. São condenáveis os “sacrifícios”, os “carnês” e toda e qualquer espécie de contribuição financeira que é dada com o intuito de estabelecer uma barganha com Deus. Certamente, essas pessoas estão incorrendo num grande perigo: a decepção do não cumprimento de falsas promessas de prosperidade e, por causa disso, o enfraquecimento da fé e, por conseguinte, a apostasia, o que levará à perdição eterna, porque um apóstata dificilmente voltará a ser um crente em Cristo Jesus (cf.Hb.6:4-6). Deus nos concede suas bênçãos não porque tenhamos algum poder de barganha, mas porque Ele nos ama e quer aprofundar o seu relacionamento conosco.

I. CONHECENDO O EVANGELHO DA BARGANHA

1. Dízimos e ofertas como moeda de troca

Em muitas Igrejas Locais, é vivenciada a síndrome de Jacó: a barganha com Deus. Quando Jacó fugia de seu irmão Esaú e se dirigia a Harã, fez o seguinte voto: “Se Deus for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer e vestes para vestir, e eu em paz tornar à casa de meu pai, o SENHOR será o meu Deus; e esta pedra, que tenho posto por coluna, será Casa de Deus; e, de tudo quanto me deres certamente te darei o dízimo” (Gn.28:20-22). Vemos neste voto de Jacó a ideia de “barganha” com Deus, algo que jamais as Escrituras aprovaram, mas que, infelizmente, está por detrás da grande e esmagadora maioria dos votos que se fazem hoje em muitas igrejas ditas evangélicas.

Jacó agiu sob a influência cultural gentílica, não tinha ainda uma experiência com Deus e pensou que o Senhor pudesse ser “comprado” com um voto. Na verdade, Jacó barganhou por menos que o Senhor lhe havia prometido (cf.Gn.28:14). Sua fé ainda não era forte o suficiente para levar Deus a sério, de modo que Jacó condicionou o pagamento do dízimo ao cumprimento das promessas do Senhor. Deus, efetivamente, abençoou Jacó, mas não foi por causa do voto que ele lhe fez, e sim, por causa da fidelidade do Senhor às promessas que havia feito a Abraão e a Isaque, promessas que, aliás, haviam sido renovadas, no sonho, pelo próprio Deus a Jacó (Gn.28:13-15).

O voto, enquanto barganha, enquanto “troca de favores”, é, portanto, algo que se encontra totalmente fora de cogitação no relacionamento entre Deus e o homem, ante a constatação de que Deus é soberano e que ao homem cabe apenas submeter-se a este Deus Todo-Poderoso. Mas, se o voto não é barganha, o que é então? O voto é manifestação voluntária, ou seja, a declaração de vontade de alguém que é dirigida a Deus, um Deus que fez o homem com o direito de fazer escolhas e de expressar livremente a sua vontade. Todavia, qualquer ideia de barganha é infrutífera.

Deus, que é único, que é soberano e a quem pertence toda a Terra e tudo que nela há (Sl.24:1;1Co.10:26), não é “comprável” com doações de qualquer coisa, inclusive do dízimo. Aliás, Ele abomina os que se deixam levar por doações (2Cr.19:7; Is.45:13). Se Deus é soberano, se tem o controle de todas as coisas, por que haveria de se vender a um ser humano por causa de um “voto”, de uma “promessa”?

Temos visto o absurdo de muitos televangelistas enganando as pessoas. Eles utilizam-se de técnicas de arrecadação de dinheiro para explorar os incautos, principalmente aqueles que estão passando por dificuldades financeiras. Esses falsos pastores engam as pessoas com promessas anti-biblicas, utilizando-se de textos isolados da Bíblia para justificar as suas falácias. Dizem eles: “Dê tudo o que você tem para receber em troca muito mais daquilo que você ofertou”. Como diz o pr. José Gonçalves, “nesse jogo de troca vale até mesmo colocar Deus contra a parede. Alegam que, se Deus não der o que alguém negociou com Ele, então, deixa de ser Deus”.

O que temos visto é que a genuína doutrina da Mordomia Cristã tem se transformado numa prática de barganha com Deus. Isto é pura heresia de perdição. O apostolo Pedro advertiu a Igreja sobre aqueles que trariam heresias de perdição. Disse ele: “E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição” (2Pd.2:1).

2. Dízimos e ofertas como práticas legalistas

Muitos têm tratado os dízimos e ofertas como “investimentos”, como um “toma-lá-dá-cá”, como se Deus se prendesse a gestos feitos pelos homens. Um dos mais sérios erros dos defensores da “teologia da barganha” é orientar aos seus seguidores a barganharem com Deus, com a doação de dízimos e ofertas, como se estas contribuições fossem o suficiente para que Deus se tornasse nosso devedor. Segundo eles, se a pessoa contribuir com dízimo e ofertas, Deus tem a obrigação de retribuir a esta pessoa tudo o que for exigido; é a chamada doutrina do direito legal do crente. Afirmam que o crente que contribui financeiramente tem o direito legal de receber o que pedir a Deus, e que Deus não tem o direito de dizer não a quem Ele conferiu o direito de exigir. Ou seja, se você deu o dízimo e a oferta, então você tem pleno direito diante de Deus. Ledo engano!

Um exemplo clássico de barganha no Novo Testamento é o caso de Simão, o mago, que ofereceu dinheiro a Pedro e a João em troca da capacidade de se conceder o batismo no Espírito Santo (At.8:18-21). Simão, o mágico, ficou extremamente impressionado com o fato de o Espírito Santo ter sido concedido quando os apóstolos impuseram as mãos sobre os samaritanos. Desprovido de qualquer entendimento acerca das implicações espirituais desse acontecimento, Simão o considerou apenas uma demonstração de poder sobrenatural que lhe poderia ser útil em sua ocupação. Assim, ofereceu dinheiro aos apóstolos em troca desse poder. Esse ato insano de barganhar com Deus foi rispidamente repreendido pelo apóstolo Pedro: “Mas Pedro respondeu: Que o teu dinheiro seja destruído junto com você, pois você pensou que com ele poderia adquirir o dom de Deus! Não existe porção nem parte para você neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de Deus” (Atos 8:20,21-NAA). A resposta de Pedro indica que esse Simão não era um homem convertido.

Atualmente, uma das práticas que caracterizam a “simonia” é a da falaciosa “restituição”. Esta prática ficou popularizada no cântico cujo refrão é “Restitui… eu quero de volta o que é meu”. Esta prática é, também, uma fonte de dinheiro para muitos inescrupulosos que, através de “campanhas de restituição”, têm levado multidões a “exigir de Deus o que foi tomado, o que é meu” e, além de lhes causar a abominação do Senhor, ainda por cima acabam tomando o que havia ficado, por meio de ofertas e “sacrifícios”, habilmente solicitados nestas mesmas campanhas. Devemos entender que, âmbito da soberania de Deus, nós não temos direito a nada. A própria expressão bíblica exarada em Romanos 3:23 já diz tudo: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm.3:23). O salário do pecado é a morte (Rm.6:23). Somos salvos pela graça (Ef.2:8). Tudo que temos é por causa da graça de Deus. Exigir de Deus algo que não merecemos é um acinte à soberania de Deus. Paulo deixa claro que Deus não deve nada a ninguém (cf.Rm.11:34-36) - “Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado?” (Rm.11:35). Disse Deus a Jó: “Quem primeiro me deu, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois o que está debaixo de todos os céus é meu” (Jó 41:11).

Deus tem compromisso com a Sua Palavra, portanto, nada disso é previsto nas Escrituras como um laço que obrigue Deus a enriquecer quem quer que seja. Na verdade, nossas contribuições financeiras (sejam elas ofertas ou dízimos) são um reconhecimento de que já fomos abençoados por Deus. É uma questão de fé. Nós contribuímos financeiramente porque recebemos do Senhor primeiro, e não o contrário. Precisamos entender que ninguém dá a Deus antes, para depois ser retribuído. Precisamos ter cuidado para não distorcermos a verdadeira Mordomia Cristã (2Co.8:1-4).

II. A DOUTRINA BÍBLICA DO DÍZIMO SOB ATAQUE

1. O Dízimo era uma prática da Lei

É incontestável que o Dízimo é um mandamento ordenado pela Lei mosaica aos filhos de Israel, para que cumprissem o pagamento de 10% sobre toda produção da terra e toda criação de animais (ver Lv.27:30-32,34), e servia para a manutenção dos sacerdotes e levitas (Ne.10:37; 18:21) e socorrer os necessitados (ver Dt.14:28,29).

O Dízimo é mencionado em mais de 20 versículos, de Levítico a Malaquias. Todas essas citações se referem ao povo de Israel. O trecho de Malaquias 3:6-12, frequentemente citado em algumas igrejas para obrigar as pessoas a dar o dízimo, refere-se a um povo material (os israelitas), que habitava numa terra material (Israel) onde produzia frutos do campo e tinha obrigação de dar os dízimos. Assim fazendo, este povo seria abençoado materialmente por Deus. Quando o povo não dava a devida importância aos dízimos, era repreendido pelo Senhor por meio dos profetas. Portanto, quem utiliza as palavras de Malaquias para fazer regras sobre dízimos, está distorcendo as Escrituras. A Igreja de Jesus é um povo espiritual que recebe, preferencialmente, bênçãos espirituais; bênçãos estas que independem de doação de dízimos e ofertas.

Antes da Lei de Moisés não temos relato de alguma regra sobre dízimos. Sabemos que Abrão pagou a Melquisedeque o dízimo (10%) dos despojos (Hb.7:4) de uma vitória militar (Gn.14:18-24). Neste caso, Deus não nos revelou o motivo e não falou se era ou não o costume de Abrão dar o dízimo de tudo que recebia. Se havia alguma lei, exigindo que Abrão desse o dízimo, as Escrituras não a relata. É bom ressaltar que Abraão não usou o dízimo como um instrumento de barganha, não deu para receber, não deu para ser abençoado, ele usou o dízimo como instrumento de gratidão; ele já era abençoado (Gn.14:18-20). As pessoas que alegam algum tipo de lei geral do dízimo com base neste texto bíblico estão ultrapassando a Palavra de Deus. O Dízimo, portanto, na Antiga Aliança era uma prática da Lei de Moisés; hoje, porém, é uma questão de fé e de gratidão a Deus por bênçãos recebidas e, também, a conscientização de que a Obra de Deus precisa de recursos financeiros para sua manutenção.

2. O dízimo como contribuição imposta

No Novo Testamento, o Dízimo não é obrigatório, como era no Antigo Testamento; é apenas um ato voluntário (2Co.9:7). Portanto, retê-lo não é crime, mas pode ser considerado pecado, se esta omissão for por avareza, ganância. Lembre-se, o que separa o homem de Deus é o pecado (Is.59:2), e avareza é pecado (Cl.3:5).

No Antigo Testamento, o Dízimo servia para a manutenção dos sacerdotes e levitas (Ne.10:37; 18:21), e este princípio do sustento do ministério integral se aplica, também, no Novo Testamento (1Tm.5:17,18; 1Co.9:14). Todavia, na Nova Aliança, dar o Dízimo é um ato voluntário, não uma obrigação; é uma questão de fé. Logo, o crente em Cristo Jesus, não pode ser acusado de ladrão por não dar o Dízimo, como era no ordenamento civil judaico (Ml.3:8). Os dízimos foram incluídos na legislação civil e religiosa de Israel, e não estamos debaixo dessa legislação, que foi ab-rogada, anulada (Hb.7:18).

Se, porém, a Igreja entender que o não dizimista é um ladrão, então, biblicamente, ele deve ser excluído da Igreja. A Igreja não pode ter um ladrão confesso no rol de seus membros ou ministério. De acordo com a Bíblia, o ladrão está equiparado aos adúlteros e aos que praticam atos homossexuais (cf. 1Co.6:10). Acusar um crente de ladrão pelo fato de não ser dizimista pode acarretar para o acusador problemas de ordem penal, visto que nossa legislação não contempla essa figura jurídica para caracterizar um ladrão. 

O Dízimo, também, é dado como uma prova de gratidão a Deus. O Salmista disse: “Que darei eu ao Senhor por todos os benefícios que me tem feito?” (Salmos 116:12). Todo ser humano gosta de receber agradecimentos ou elogios. Deus também gosta de receber elogios e de ouvir palavras e atos de gratidão de nossa parte. Deus se agrada quando reconhecemos o seu cuidado e o seu amor diário para conosco. A Bíblia está cheia de homens e mulheres que demonstraram sinceras atitudes de gratidão a Deus. Cito alguns:

-Noé, após sobreviver ao dilúvio, expressou sua gratidão oferecendo sacrifico a Deus (Gn.8:20).

-Davi, no salmo 116:7, declara: “eu te darei uma oferta de gratidão e a ti farei as minhas orações”.

-Ana agradeceu a Deus por lhe abrir a madre, oferecendo o seu filho Samuel para ser exclusivo na casa do Senhor (Samuel 1).

E nós, o que oferecemos a Deus como gratidão pela sua graça derramada? Gratidão a Deus, amor pelas almas, amor pela obra social da Igreja Local, amor pelo líder de sua Igreja Local que se dedica noite e dia para lhe dar o sustento espiritual, são boas razões para que um crente possa dar o seu dízimo.

Outrossim, a Igreja Local tem como recursos de subsistência os Dízimos e as Ofertas, advindos dos seus membros e congregados, o que, de fato, é muito saudável. Não é benéfico uma Igreja Local ser financiada pelo Estado, doações de políticos ou outro meio extra bíblico. A Igreja tem a missão de evangelizar, servir aos domésticos da fé e os de fora em suas necessidades. Para que se mantenha pagando suas contas com fidelidade como, por exemplo, energia elétrica, água, salários, manutenção dos templos, prestar serviços sociais, desempenhar obras missionárias e evangelísticas, a Igreja depende da contribuição financeira trazidas pelos fiéis. As contribuições devem ser realizadas impulsionadas pelo amor ao Reino de Deus, e não por constrangimento ou obrigação ou por interesse em barganhar com Deus. Deus não precisa de nós e nem do nosso dinheiro para realizar a Sua obra. Ele é dono de tudo. Somos apenas mordomos, devendo nós prestar contas ao verdadeiro Dono do universo de tudo o que nos foi dado para administrar.

III. A DOUTRINA BÍBLICA DA MORDOMIA CRISTÃ

1. Deus, o criador e provedor

O primeiro princípio básico da doutrina da mordomia bíblica está no fato de que Deus é o Criador e Provedor de tudo, nós somos suas criaturas e favorecidos; Deus é o Rei, nós somos seus súditos; Deus é o Senhor, nós somos seus servos. Como Criador e Provedor, como Rei, como Senhor, Deus tem direitos e poder para exigir o que quiser; e um desses direitos é o de exigir a prestação de contas das mordomias exercidas por seus mordomos, conforme o Senhor Jesus ensinou em Lucas 16:1-13. Portanto, Deus é a fonte de toda e qualquer riqueza que, porventura, o homem venha possuir; este princípio é claramente ensinado por Moisés: “lembrem-se do Senhor, seu Deus, porque é ele quem lhes dá força para conseguir riquezas” (Dt.8:18 – NAA).

2. O homem como despenseiro e administrador das coisas de Deus

Outro princípio igualmente importante no que concerne à Mordomia Cristã está no fato do homem ser mordomo (administrador, despenseiro) das coisas que Deus criou. Em Gn.1:1, a Bíblia deixa claro que Deus criou os céus e a terra, o que repete em Gn.1:31-2:3. Assim, tanto no início quanto no término do relato da criação, a Palavra não deixa qualquer dúvida de que Deus é o Senhor do Universo, ou seja, o dono de tudo. Assim, não deve causar espanto a declaração do salmista, segundo a qual “do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam” (Sl.24:1). Com efeito, por ter criado o mundo e tudo o que nele há, Deus é o legítimo dono de todas as coisas. Se isto é assim, o homem é apenas um administrador da criação.

Com efeito, ao criar o homem e a mulher, Deus concedeu a eles o domínio sobre toda a criação (Gn.1:26,28), domínio este que não representa senhorio, mas uma autorização para administrar a criação terrena. Esse fato já aparece no início da Criação quando Deus criou um jardim e pôs o homem para cuidar dele (Gn.2:15). Partindo deste pressuposto, não pode o homem achar-se dono de coisa alguma sobre esta terra, e deveria comportar-se desta maneira, ou seja, plenamente consciente de que é apenas um administrador daquilo que Deus lhe deu. É exatamente esta a consciência do cristão, a de que é apenas um mordomo, um despenseiro de Deus (1Co.4:1,2; Tt.1:7; 1Pd.4:10).

CONCLUSÃO

Aprendemos nesta Aula que a Mordomia Cristã ressalta a Soberania de Deus sobre tudo e sobre todas as coisas, e a nossa responsabilidade como administradores dos bens que ele nos confiou - bens morais, espirituais e materiais, incluindo a nossa própria vida e o nosso próprio corpo. Nós não somos donos de nada, somos apenas mordomos de Deus; Ele é dono de tudo e de todos:

  • Do universo: Gn.1:1; 14:22; 1Cr.29:13,14; Sl.24:1; 50:10-12.
  • Do homem: por direito de criação (Is.42:5) - por direito de preservação: At.14:15-17 e At.17:22-28 - por direito de redenção: 1Co.6:19,20; Tt.2:14 e Ap.5:9.

Portanto, tudo o que o homem pensa ter - vida, corpo, casa, carro, dinheiro -, na verdade pertence a Deus; é o que a Bíblia afirma: “Tua é, Senhor, a magnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a majestade, porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra...”(1Cr.29:11). “A ele seja a glória e o poderio para todo o sempre. Amém” (1Pd.5: 11).

Desta feita, ao dizermos “restitui tudo o que é meu”, não tem respaldo diante deste conceito de Mordomia Cristã à luz da Bíblia, haja vista que somos apenas mordomos de tudo que é de Deus, o genuíno proprietário (Gn.1:28; 2:15; Sl.8:3-9; Sl.24:1).

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Luciano de Paula Lourenço – EBD/IEADTC

Referências Bibliográficas:

Bíblia de Estudo Pentecostal.

Bíblia de estudo – Aplicação Pessoal.

Bíblia de Estudo – Palavras Chave – Hebraico e Grego. CPAD

William Macdonald. Comentário Bíblico popular (Antigo e Novo Testamento).

Comentário Bíblico Pentecostal. CPAD.

Comentário do Novo Testamento – Aplicação Pessoal. CPAD.

Pr. Caramuru Afonso Francisco. O perigo de querer barganhar com DEUS. PortalEBD_2012.

Pr. Elinaldo Renovato de Lima. Tempo, Bens e Talentos – Sendo Mordomo fiel e prudente com as coisas que Deus nos tem dado. CPAD.2019.

Pr. Caramuru Afonso Francisco. A Importância da Mordomia Cristã. PortalEBD_2003.

domingo, 21 de agosto de 2022

Aula 09 - A SUTILEZA DO MOVIMENTO DOS DESIGREJADOS

 

3° Trimestre/2022


Texto Base: Hebreus 10:19-25


“Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns; antes, admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais quanto vedes que se vai aproximando aquele Dia” (Hb.10:25).

Hebreus 10:

19.Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no Santuário, pelo sangue de Jesus,

20.pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne,

21.e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus,

22.cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo o coração purificado da má consciência e o corpo lavado com água limpa,

23.retenhamos firmes a confissão da nossa esperança, porque fiel é o que prometeu.

24.E consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras,

25.não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns; antes, admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais quanto vedes que se vai aproximando aquele Dia.

INTRODUÇÃO

Nesta Aula trataremos do tema: “a sutileza do movimento dos desigrejados”. O que é isto? Desigrejados são aqueles que abandonam o convívio das Igrejas Locais, que decidem exercer sua religiosidade em modelos alternativos, ou simplesmente rejeitam qualquer estrutura congregacional tradicional, e buscam relações descentralizadas, realizando cultos em casa ou em espaços alternativos. Os arquitetos mais radicais desse movimento e seus seguidores afirmam que não possuir hierarquia religiosa, código doutrinário ou estrutura arquitetônica onde possam se reunir, é o modelo legítimo de igreja do Novo Testamento. Acreditam que agindo assim estão imitando os primeiros cristãos. Quem não seguir este modelo, dizem eles, é considerado apóstata ou desviado do modelo original existido no princípio da Igreja.

Este movimento tem crescido vertiginosamente, e tem abraçado como um ímã muitos que desejam se desvincular do formato tradicional de culto. Por que isso está ocorrendo? Acredita-se que, em geral, essas pessoas tomam tal decisão movidos por um sentimento de decepção com algo ou alguém, ou talvez estejam decepcionados com o modelo institucional tradicional, e o abandonam não por razões pessoais, mas ideológicas, ou talvez porque não querem se submeter a nenhuma liderança que impõe regras ou dogmas a seguir. São vários os motivos, que não encontram nenhum amparo na Bíblia.

Há uma previsão de que no Brasil existem 14% entre os declarados evangélicos que não têm vínculo institucional. Esse número representa, aproximadamente, cinco milhões de brasileiros. Os líderes de todas as denominações precisam se unirem no afã de buscarem cicatrizar esta sangria. É importante esclarecer que a reunião da Igreja Local, o Corpo visível de Cristo, é essencial ao crescimento espiritual e pessoal do crente. Por isso, não é possível amar a Cristo, e ignorar seu Corpo, a Igreja. A exortação bíblica é contundente: “Não deixemos de nos congregar, como é costume de alguns. Pelo contrário, façamos admoestações, ainda mais agora que vocês veem que o Dia se aproxima” (Hb.10:25).

I. VISÃO E PRÁTICA DO MOVIMENTO DOS DESIGREJADOS

1. Tipos de desigrejados

Segundo os teólogos que estudam este tema, dentro do quadro dos desigrejados, existem pelo menos três subgrupos:

- Primeiro, aquelas pessoas que abandonaram a igreja local e a fé. Esse grupo, abandona primeiramente as reuniões da igreja, torna-se desigrejado e depois se desvia da fé em Cristo.

- Segundo, aquelas pessoas que abandonaram a igreja local, mas mantém a fé. São os cristãos sem igreja; os decepcionados por terem vivido algum problema na comunidade. Eles tentam continuar a ser cristãos sem pertencer ou frequentar um templo. Neste grupo há pessoas que amam a Cristo, mas preferem viver longe dos pastores e dos irmãos. Esses não se consideram fora do corpo de Cristo. Querem servir a Jesus, só não aceitam a tutela institucional. Algumas das pessoas desse grupo são levadas a sério. Outras são criticadas, rotuladas ironicamente e discriminadas.

- Terceiro, são aqueles que não frequentam cultos e pregam o fracasso da igreja organizada. São os mais radicais. Defendem o cristianismo sem igreja. Afirmam que as pessoas devem sair da igreja local para encontrar Deus. Querem que as igrejas locais sejam extintas em todo o mundo. Que fechem suas portas. Eles pregam o fim da instituição.

Qual a diferença entre o segundo e terceiro grupo, ou seja, entre os decepcionados e os radicais? Apesar de existir pessoas que abandonaram a igreja local em ambos os grupos, a diferença principal entre eles é que o segundo grupo não faz militância pelo fim da organização, para que todos os templos fechem as portas. Eles estão ainda com as feridas abertas, mas não usam de ideias e palavras tão radicais como aqueles do terceiro grupo.

Geralmente as pessoas decepcionadas acabam migrando para projetos como reuniões nos lares ou células, por exemplo. Têm pessoas que não querem pertencer à membresia e que são usuários temporários dos serviços e eventos oferecidos pela igreja como os congressos e seminários. Existem os que usam a igreja como vida social. No segundo grupo, o que importa não é ajudar a igreja a crescer, mas usá-la para passar o tempo, fazer amigos, servir-se dela como se fosse uma instituição social secular apenas. Tudo sem o devido envolvimento de pertencimento.

E também há os cristãos sem igreja que são adeptos das ministrações pela televisão e pela internet. Fazem da rede o seu templo. São observadores, sem comunhão e sem compromisso.

2. Um ensino anti-institucional

O grupo mais radical dos desigrejados é contra a institucionalização da Igreja. Um dos maiores defensores deste ensino é o escritor Frank Viola. Em seu livro “Cristianismo Pagão” ele se apresenta contra toda organização e institucionalização da Igreja. Alega que na Igreja Primitiva não havia nenhuma instituição formal, e que a institucionalização da Igreja foi estabelecida por Constantino, o imperador romano, que assumiu as rédeas da Igreja e a converteu numa organização pagã, que passou a ter clero, um código doutrinário e um credo que passou regulamentá-la. Este tipo de pensamento vem dominando a mente de uma quantidade imensa de pessoas em todo o mundo, que cresce a cada ano. Eles são contra toda forma de estrutura arquitetônica como, por exemplo, templos, Casa de oração. Na visão deles, a Igreja não necessita de estrutura formal alguma. Quando pelo menos duas pessoas “sem igreja” se encontram para orar ou ler a Bíblia, ali está a igreja; aliás, a igreja pode ser encontrada em qualquer local ou lugar - debaixo de uma árvore, numa praça, num hotel, numa lanchonete, num coffee break etc.

Porém, não há nenhum respaldo bíblico que ampare este tipo de movimento. Nota-se nos desigrejados um espírito dominante de rebeldia; demonstram uma insubmissão ao modelo bíblico tradicional talvez por estarem decepcionadas com as instituições eclesiásticas formais, e pelos muitos escândalos decorridos no curso da história, principalmente nestas últimas décadas.

É evidente que a Igreja pode tranquilamente existir fora de uma estrutura arquitetônica, o próprio Jesus afirmou isso quando dialogava com a mulher samaritana (João 4:21-24). De Moisés até Jesus, o judaísmo estava centrado em três elementos: Templo, o sacerdócio e o sacrifício. Quando Jesus veio, acabou com os três, completando-os em Si mesmo - Ele é o Templo que incorpora uma nova casa feita de pedras vivas; Ele é o Sacerdote que estabeleceu um novo sacerdócio; e Ele é o Sacrifício perfeito e realizado. Consequentemente, o Templo, o sacerdócio profissional e o sacrifício do Judaísmo deixaram de existir com a vinda de Jesus Cristo. Ele é o cumprimento e a realização de tudo isto. Somos cônscios disso. Porém, isto não justifica não existir templos ou casas de oração; não existe paganismo nisso, e em nenhuma parte do compêndio doutrinário da Igreja há proibição de instalação de templos para realização de cultos de uma forma unida e organizada. Como afirma o pr. José Gonçalves, “a não utilização de templos por parte dos cristãos primitivos se deu por razões contextuais (cf. Atos 1:6-14). Esses cristãos estavam debaixo de perseguição e não tinham residência fixa e certa, além do fato de serem extremamente carentes. Naquele contexto, a igreja nos lares era perfeitamente justificável (cf. Rm.16:3-5). Contudo, não há nada na Bíblia que deponha contra o uso de templos ou casas de oração. Se o propósito de um templo é congregar o povo para adorar ao Senhor, o que há de mal nisso?”.

Nós somos ramos da Videira verdadeira, que é Cristo. O ramo não sobrevive fora da Videira. O ramo está ligado a outros ramos da Videira. Também, nós somos um rebanho, e quando a ovelha desgarra do rebanho, ela se torna uma presa fácil para os predadores. A ovelha não tem a capacidade de se proteger, de cuidar de si mesmo, por isso somos chamados de ovelhas; precisamos de ajuda das outras ovelhas e perto do pastor. Também, a Bíblia diz que somos o “corpo de Cristo”, por isso a Igreja é conhecida como um organismo vivo e espiritual; um membro só tem relevância, segurança e funcionalidade plena quando ele está vinculado ao corpo; fora do corpo, ele não tem vida. Então, essa ideia de que eu posso ser um crente autossuficiente, que eu posso ser um crente em minha casa, que não preciso de ir a templo nenhum, e que tenho os meus pregadores prediletos no YouTube e na TV, e quando quero uma mensagem que me agrada, eu vou lá e assisto, não é muito salutar para uma pessoa que precisa amadurecer e se firmar espiritualmente. O crente precisa convier com outros crentes, precisa se congregar; quando se reúne com outros irmãos na fé, a pessoa está também servindo a essas pessoas com as suas experiências espirituais, com os seus dons, e ao mesmo tempo sendo supridas as suas necessidades espirituais e relacionais.

3. Um ensino anticlerical

Da mesma forma que são contra o institucionalismo e toda forma de estrutura arquitetônica para a igreja, os chamados “desigrejados” não querem estar sob uma liderança ou organização eclesiástica. São contra todo e qualquer sistema de governo da igreja; não aceitam que alguém esteja na posição de autoridade sobre eles. Logo, não aceitam que na igreja exista um corpo eclesiástico como, por exemplos, diáconos, presbíteros e pastores. Declaram que na Igreja Primitiva não havia organização nenhuma e muito menos qualquer estrutura clerical. Um dos ícones desse Movimento, Frank Viola, afirma o seguinte: “Não há um só versículo em todo o Novo Testamento que apoie a existência do moderno pastor dos nossos dias! Ele simplesmente nunca existiu na igreja primitiva. A palavra pastor não aparece no Novo Testamento. Efésios 4:11 é o único versículo no Novo Testamento onde a palavra ‘pastores’ é usada. Um verso solitário é uma peça de evidência muito escassa para manter toda a fé protestante!

Viola também alega que “Efésios 4:11 não se refere a um cargo pastoral, como existe atualmente, mas meramente a uma das várias funções na Igreja. Pastores são aqueles que naturalmente proveem nutrição e cuidado às ovelhas de Deus. Porém, é um profundo erro confundir pastores com uma profissão ou título como concebem hoje. Efésios 4:11 é obliquo; não oferece nenhuma definição ou descrição sobre quem os pastores são; simplesmente, são mencionados. Nenhum cristão do primeiro século concebeu a ideia de um ofício de pastor. Os pastores de ovelhas do primeiro século eram os anciãos locais (presbíteros) e supervisores da congregação (bispos). Suas funções seriam completamente conflitantes com o papel pastoral contemporâneo”.

Alguém pode até concordar com Viola, mas isto não é motivo para uma pessoa que se diz crente desviar-se da Congregação e se rebelar contra os líderes, e viverem de forma isolada sua vida cristã, e fazer apologia desse movimento. Creio que os líderes, em sua maioria, demostram zelo pelas “ovelhas” do Senhor e se esforçam ao máximo para serem bons despenseiros do Senhor Jesus. Claro, existem, sim, muitos que se aproveitam da sua posição de líder para explorar os crentes incautos; sempre existiu os mercenários da fé, tanto na Antiga como na Nova Aliança. Para estes, a Bíblia já prever uma sentença dolorosa (cf. Mt.7:21-23).

A Igreja Local, desde o seu nascedouro, sempre esteve sob uma liderança. O apóstolo Paulo preocupou-se sobremaneira em deixar em cada Igreja que fundava um líder para cuidar da vida espiritual dos crentes. Para a Igreja de Creta, por exemplo, o apóstolo Paulo recomendou que fossem constituídos presbíteros para liderar as igrejas ali (cf.Tt.1:4 -11).

Portanto, é bíblico consentir uma liderança eclesiástica na Igreja Local. O problema é o exagero que exsurge nas decisões das chamadas Convenções regionais, que não seguem, rigorosamente, a baliza bíblica para tomar as suas deliberações. A Assembleia de Deus, por exemplo, em uma de suas Convenções na década de 30, ampliou o seu corpo eclesiástico hierárquico, a qual conhecemos hoje da seguinte forma: Auxiliar, Diácono, Presbítero, Evangelista, Pastor; e algumas igrejas derivadas desta denominação, foi mais além; afora os já citados, existem: Apóstolo, Ancião, Bispo, e por aí vai. Isto não tem apoio bíblico; é simplesmente um exagero. O modelo bíblico é simplesmente este: Diácono, Presbítero e Pastor (líder de uma Igreja local, que pode ser um Presbítero), conforme Paulo narrou em 1Tm.3:1-8 e em Tt.1:4-11). Se a Igreja Local tivesse seguido este modelo desde sempre, os conflitos internos seriam muito menores e não haveria tantas denominações que existem hoje. Creio que a Igreja seria mais coesa; haveria uma unidade esplêndida.

Deus instituiu um governo na igreja, de forma que temos de respeitar, ser reverentes e obedecer àqueles que o Senhor tem posto para presidir na Igreja Local. Há uma recomendação clássica: “Obedeçam aos seus líderes e sejam submissos a eles, pois zelam pela alma de vocês, como quem deve prestar contas...” (Hb.13:17 - NAA). Naturalmente que a obediência, como sempre, é condicionada, ou seja, devemos obedecer aos líderes na medida em que atuem em conformidade com a Palavra de Deus (At.5:29). Os líderes não devem se comportar a não ser como despenseiros da obra de Deus (Tt.1:7), ou seja, simples mordomos, que não podem querer dominar sobre o rebanho do Senhor, mas servir de exemplo aos fiéis (1Pd.5:2,3).

II. A NATUREZA DA IGREJA NEOTESTAMENTÁRIA

1. Um organismo

A Igreja é um organismo vivo (Ef.1:22,23). Nesse sentido, ela é o Corpo de Cristo (1Co.12:27). Entre Cristo e a Igreja existe uma união vital, tão intima e real como é a da cabeça com o corpo; é uma união íntima, terna e indissolúvel. A igreja é inteiramente dependente de Cristo. De Cristo, a Igreja deriva sua vida, seu poder e tudo quanto é necessário à sua existência.

A Igreja é a plenitude de Cristo. Ela está cheia da Sua presença, animada pela Sua vida, cheia com os Seus dons, poder e graça. A Igreja é o prolongamento da encarnação de Cristo. A Igreja é o corpo de Cristo em ação na terra. A Igreja está cheia da própria Trindade: Pai (Ef.3:29), Filho (Ef.1:23) e Espírito Santo (Ef.5:18).

No tocante à sua essência divina, Cristo em sentido algum pode depender da Igreja nem ser completado por ela. Contudo, como Esposo, Ele é incompleto sem a esposa; como Videira, não se pode pensar nele sem os ramos; como Pastor, não se pode vê-lo sem suas ovelhas; e como Cabeça, Ele encontra sua plena expressão em Seu Corpo, a Igreja.

Quando falamos em Igreja, temos dois significados bem distintos e que não podem ser confundidos:

- Primeiro, o significado universal da Igreja, tomada como corpo de Cristo, ou seja, como um povo de todas as nações, de todas as tribos, de todas as épocas, dos salvos por Jesus Cristo. Enquanto tomada neste significado, a Igreja é una, é universal, é um organismo vivo e espiritual, um dos três povos que existem na humanidade, o povo descrito em Ef.2:13-22. Neste aspecto, a Igreja existe à parte de estatutos, templos ou qualquer estrutura social ou governamental humana.

- Segundo, o significado local da igreja, tomada como um grupo social, ou seja, como uma porção do povo de Deus, uma comunidade que habita num determinado lugar, numa determinada época e que é salvo por Cristo Jesus. Enquanto tomada neste significado, as igrejas são várias; são organizações humanas, um dos muitos grupos que compõem uma determinada sociedade. Neste aspecto, as Igrejas Locais podem e devem ser reunidas em estruturas arquitetônicas, e isto não constitui um pecado ou desvio do Evangelho como quer nos fazer acreditar os desigrejados. Como bem diz o pr. José Gonçalves, a repulsa dos sem-igrejas pelas estruturas arquitetônicas ou por qualquer forma institucional se dá mais por razões de insubmissão do que zelo pelo Evangelho.

É importante sabermos distinguir estes dois significados, pois, se, espiritualmente, a igreja é uma só e se constitui no sal da terra e na luz do mundo, socialmente, a igreja é um grupo dinâmico que vive no meio da sociedade e que, pelo seu caráter e natureza espirituais, acabam sendo luz do mundo e sal da terra, mas que vive no meio dos demais seres humanos. A falta de consciência desta duplicidade de significado do termo igreja gera muitos equívocos, como a confusão da Igreja enquanto Corpo de Cristo com a Igreja Local (ou a denominação religiosa), que gera concepções sem qualquer respaldo bíblico como sectarismos, consideração de costumes como doutrina e outros falsos ensinamentos.

- Enquanto Igreja Universal, vemos o Corpo de Cristo, um povo santo, sem qualquer mancha ou falha (Ef.5:27). São os lavados no sangue do Cordeiro e cujas vestes são brancas (Ap.22:14). São os vencedores, que receberão a coroa da justiça (2Tm.4:8), são aqueles que desejam e clamam pela volta de Jesus (Ap.22:17). Essa igreja é invisível aos olhos humanos, mesmo os dos santos, e tem como Cabeça Jesus Cristo (Ef.1:22), e não depende de qualquer fator humano para se constituir e subsistir neste mundo (cfr.At.8:1-4). É esta Igreja que está desfrutando a sua dispensação, também chamada de dispensação do Espírito Santo ou dispensação da graça (Ef.3:1,2), cujo fim será, exatamente, quando esta Igreja for arrebatada por Jesus, que com ela Se encontrará nos ares (1Co.15:51-58).

- Enquanto Igreja Local, este povo é um grupo social que, como todo grupo humano, contém elementos sinceros e autênticos, mas também elementos insinceros e falsos. Estamos no mundo e, apesar de a Igreja Local ser formada pelo Senhor, que resgata as pessoas do pecado e do mundo, enquanto aqui estamos, o inimigo insere, também, indivíduos no meio deste grupo social, tal qual joio é colocado no meio do trigo (cfr.Mt.13:24-30, 36-43), quando não consegue enganar alguns, que se deixam seduzir pela sua própria concupiscência (Tg.1:13-16). Por isso, a Bíblia sempre adverte a respeito de falsos mestres (2Pd.2:3, Jd.4), de lobos no meio de cordeiros (At.20:29), de anticristos (1Jo.2:18,19), indivíduos que estão na Igreja Local, embora não façam parte da Igreja Universal. 

Na Igreja Local, existe um governo (Ef.4:11-13; Rm.12:8; Ap.1:20), para que possa haver ordem e edificação espiritual dos crentes na sua caminhada à glorificação.

2. Uma organização

Como vimos anteriormente, a Igreja em seu aspecto universal é um organismo vivo e espiritual e, neste aspecto, ela está à parte de estatutos, templos ou qualquer estrutura social ou governamental humana; mas, como Igreja Local, é uma organização, necessita ser organizada. Assim sendo, é necessária que nela haja ordem e, por conseguinte, progresso, mesmo porque o Seu criador e formador é o próprio Deus Todo-Poderoso – o qual não é de confusão, mas de ordem -, que a arquitetou antes mesmo da “fundação do mundo para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor (Ef.1:3,4). 

No Universo criado pelo Deus Onipotente, tudo obedece às normas estabelecidas por Ele. Não haveria de ser diferente na sua nova instituição criada, a Igreja. Todavia, é bom ressaltar que Jesus não fundou uma organização eclesiástica e nem estrutural; Ele criou um organismo vivo, com a Sua presença, em obediência a princípios divinos, a fim de prevalecer sobre o império das trevas e da maldade. Mas com o cresci­mento da Igreja, fez-se sentir a necessidade de haver uma estrutura organizacional administrativa e eclesiástica, de recrutar pessoas dedicadas para ajudarem nas tarefas espirituais e sociais da mesma. E onde há pessoas servindo deve haver quem as lidere, para que o seu serviço seja harmonioso e sem atropelos; isto é, cada grupo de serviço deve possuir a sua liderança, por sua vez também sujeita a uma liderança superior, que culmina no Senhor Jesus, o supremo Líder (cf. 1Co.12:28).

Um exemplo clássico de organização é o que ocorreu no princípio da Igreja. Os apóstolos fiz­eram eleger uma equipa de ajudantes que aliviassem a sua tarefa (At.6:2–4). Eles deviam dedicar-se primariamente ao estudo da Palavra e à oração. Mais tarde foram constituídos presbíteros em cada igreja para que cuidassem do rebanho enquanto os apóstolos viajavam na sua mis­são (At.14:23). Paulo aconselhou a Tito para que em cada cidade esta­b­ele­cesse presbíteros capazes, com formação moral, social e teológica, a fim de cuidarem do povo do Senhor (Tt.1:5–9).

Enfim, no princípio do Cristianismo, a Igreja tinha um sistema de governo formado por apóstolos, profetas, evangelistas, presbíteros, diáconos, pastores e mestres (Ef.4:11; At.6:1-6; At.14:23), e possuía seu código doutrinário (At.2:42-47) e disciplinar (1Pd.3:5,6; 2Ts.3:6). Ninguém vivia isoladamente e da maneira que queria (Hb.10:25). Isso pode ser visto no primeiro concílio ou convenção feita pela Igreja Primitiva (Atos 15) em que o colegiado apostólico, juntamente com o presbitério, tomou medidas para regular e disciplinar a igreja que enfrentava problemas de natureza doutrinária e de costumes. O relacionamento das igrejas locais, portanto, era sempre de cooperação (Rm.15:26,27; 2Co.8:4; 2Co.11:8; Fl.2:25). Jamais alguém deveria dizer: “não preciso de ti”, porque todos os membros eram necessários ao Corpo (1Co.12:20–22).

A Igreja, portanto, é um organismo vivo, e neste aspecto deve ser dirigida pelo Espírito Santo, pois ela, biblicamente constituída, é de Jesus. Contudo, biblicamente não existe organismo sem organização, sem um mínimo de institucionalização. Assim como o corpo humano, que é um organismo vivo, contudo organizado, a Igreja também possui organização (1Co.12). Enquanto organização religiosa, tem um Estatuto registrado em Cartório, tem Assembleia, Diretoria, Conselho Fiscal e outros cargos para cumprir determinadas funções. Nesta condição é regida pelo Código Civil e precisa seguir os parâmetros legais, inclusive fiscais.

III. A IMPORTÂNCIA E A NECESSIDADE DA IGREJA

1. A Igreja como Família de Deus

A Igreja Local é uma instituição composta de seres humanos dotados de sentimentos, desejos e volição. Nesse caso, a Igreja é "humana" em sua constituição e composição. E onde há pessoas há relacionamentos. A nossa identidade é formada em relação com os outros. Somos seres relacionais, feitos para vivermos em comunidade, no diálogo e na amizade.

Enfim, a Igreja é a família de Deus (Ef.2:19). Pela fé, entramos nessa família, e Deus tornou-se nosso Pai. Essa família está no Céu e também na Terra (Fp.3:15). Os crentes vivos na Terra e os crentes que “dormem” em Cristo no Céu. Não importa a nacionalidade, somos todos irmãos, membros da mesma família. Nessa família não há barreira racial, cultural, linguística nem econômica. Somos um em Cristo. Temos o mesmo Espírito. Fomos salvos pelo mesmo Cordeiro e purificado pelo mesmo sangue. Temos o mesmo Pai. Somos herdeiros da mesma herança. Moraremos juntos no mesmo Lar (João 14:1-3; Fp.3:20).

A Igreja, no seu aspecto local, não é formada por anjos, ou por espíritos, mas por pessoas, de carne e osso, com suas virtudes e defeitos. Só a Igreja no seu sentido universal, como Noiva do Cordeiro, é que não tem problemas ou defeitos. Assim sendo, como família de Deus, a Igreja tem ordem, regras e um governo; ela é governada por Jesus Cristo, a Cabeça da Igreja (Ef.1:22; 5:23; Cl.1:18), a quem os crentes verdadeiros, quando reunidos e unidos, devem tributar honra, respeito e adorá-lo como o Senhor da Igreja.

O cristão verdadeiro deve ter a consciência de que somos o Corpo de Cristo, e que os membros desse Corpo não podem viver isolados e de forma decentralizado. O Cristianismo jamais pode ser vivido em isolamento. E nesta Família chamada de Igreja, o sentimento de irmandade, respeito e reconhecimento mútuo deve dominar o seu ambiente (Ef.2:15,16), pois somos testemunhas da salvação em Cristo.

2. A Igreja como Testemunha da Salvação

A Igreja é testemunha da salvação em Cristo. O apóstolo Pedro disse que a missão da Igreja é proclamar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1Pd.2:9). Portanto, a razão de a Igreja existir, além do fato de promover adoração, companheirismo e integração, está na sua missão de testemunhar a salvação em Cristo Jesus mediante a pregação e ações, tendo sempre uma visão integral da natureza humana (o homem é corpo, alma e espírito – 1Tes.5:23). A Igreja deve pregar o Evangelho em tempo e fora de tempo (2Tm.4:2), em quaisquer circunstâncias, a judeus e a gentios, anunciar que Jesus veio salvar o homem, perdoar os nossos pecados e restabelecer a comunhão entre Deus e a humanidade. Todavia, a missão da igreja não se limita somente à evangelização, ela alcança todos os aspectos que direcionam o ser humano ao padrão que Deus sempre quis para ele: paz, justiça, alegria, felicidade, equilíbrio, vida eterna.

Mas, uma Igreja Local só se envolverá de maneira séria e responsável com a Grande Comissão de Cristo, quando estiver sob forte poder e unção do Espírito Santo. Na igreja primitiva, a evangelização atingiu o ápice quando experimentava um efusivo derramamento do Espírito Santo (At.2:1-4). Essa unção extraordinária modificou a estrutura espiritual de um grupo de homens assustados em verdadeiras brasas ardentes, e os levou a testemunharem do amor de Deus com o sacrifício de suas próprias vidas.

A Igreja pode existir em um templo, mas a sua missão só se completa fora dele. Não há igreja que seja bíblica e existe somente dentro de quatro paredes. Em Antioquia, a liderança da Igreja, em atenção à Grande Comissão, enviou o que possuía de melhor em seu ministério para as missões transculturais: Barnabé e Saulo. Isto porque existiam duas práticas lá hoje quase extintas: jejum e oração. Além disso, essa igreja vivia o que ensinava: o amor, o quebrantamento espiritual e um profundo senso de responsabilidade pela Grande Comissão. Isto levou aquela igreja a se tornar o centro de missões mundiais na igreja primitiva.

3. A Igreja como Comunidade Edificante

“Na evangelização, a Igreja focaliza o mundo; na adoração, volta-se para Deus; e, na edificação, atenta para si mesma. Repetidas vezes, nas Escrituras, os crentes são admoestados a edificar uns aos outros para assim formarem uma comunidade idônea (cf.Ef.4:12-16). A edificação pode ser levada a efeito por muitos meios práticos. Por exemplo: ensinar e instruir os outros nos caminhos de Deus certamente enriquece a família da fé (Mt.28:20; Ef.4:11,12).

“Administrar a correção espiritual numa atitude de amor é essencial na ajuda ao irmão desviado, a fim de que permaneça no caminho da fé (Ef.4:5; Gl.6:1). Compartilhar com os necessitados (2Co.9), levar os fardos uns dos outros (G1.6:2) e fornecer oportunidades para convívio e interação social entre cristãos sadios são meios relevantes de edificar o corpo de Cristo” (HORTON, Stanley. Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal. 10.d. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p.554).

CONCLUSÃO

Nesta Aula tratamos da sutileza do movimento dos desigrejados; vimos como este movimento se equivoca com relação a vários aspectos da Igreja, principalmente com relação ao governo da Igreja, a sua organização e institucionalização. Segundo eles, a Igreja não possui organização alguma e, consequentemente, não há liderança formal estabelecida. Porém, de acordo com o Novo Testamento, a Igreja Local possui liderança estabelecida e conta com estrutura organizacional constituída. O objetivo não é honrar e glorificar o homem, mas exaltar o Senhor Jesus Cristo e cumprir a missão integral para a qual Ele nos chamou: pregar, ensinar, constituir discípulos para Jesus e cumprir sua missão social, assim como ocorria no princípio da Igreja. Como uma Igreja Local poderá fazer tudo isso sem ser organizada e com uma liderança sincera firmada? Portanto, o movimento dos desigrejados é apenas um movimento de rebeldia e de indisciplina, que se desliga de uma instituição religiosa tradicional para criar outra conforme suas diretrizes desviadas da Bíblia.

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Luciano de Paula Lourenço – EBD/IEADTC

Referências Bibliográficas:

Bíblia de Estudo Pentecostal.

Bíblia de estudo – Aplicação Pessoal.

Bíblia de Estudo – Palavras Chave – Hebraico e Grego. CPAD

William Macdonald. Comentário Bíblico popular (Antigo e Novo Testamento).

Comentário Bíblico Pentecostal. CPAD.

Comentário do Novo Testamento – Aplicação Pessoal. CPAD.

Pr. Caramuru Afonso Francisco. O Cristão e a Igreja Local. PortalEBD.

Revista Cristianismo Hoje. Ed. 19 - Ano 4. Os Desigrejados.

Frank Viola & George Berna. Cristianismo Pagão. Abba.

domingo, 14 de agosto de 2022

Aula 08 - A SUTILEZA DO ENFRAQUECIMENTO DA IDENTIDADE PENTECOSTAL

 

3° Trimestre/2022


Texto Base: Atos 2.1-4; 1 Coríntios 12.7-11

 

“E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At.2:4).

Atos 2:

1.Cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar;

2.e, de repente, veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados.

3.E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles.

4.E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.

1 Coríntios 12:

7.Alas a manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil.

8- Porque a um, pelo Espírito, é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência;

9.e a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; 10- e a outro, a operação de maravilhas; e a outro, a profecia; e a outro, o dom de discernir os espíritos; e a outro, a variedade de línguas; e a outro, a interpretação das línguas.

11.Mas um só e o mesmo Espírito opera todas essas coisas, repartindo particularmente cada um como quer.

INTRODUÇÃO

Nesta Aula trataremos da “sutileza do enfraquecimento da identidade pentecostal”. A principal identidade do movimento pentecostal é o batismo no Espírito Santo com a evidência do falar em outras línguas e os dons espirituais. As línguas como sinal do batismo no Espírito Santo é um distintivo do derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes, em Jerusalém e, na atualidade, no avivamento da rua Azusa, nº 312, em Los Angeles, Califórnia, em 1906, o qual é considerado o mais duradouro e extraordinário avivamento espiritual de toda a história da Igreja, uma demonstração viva e inequívoca de que nos aproximamos celeremente da volta de Jesus Cristo para arrebatar a sua Igreja, pondo fim a dispensação da graça. Este derramamento do Espírito em Azusa tornou-se um centro irradiador do pentecostalismo clássico para o mundo. Vários pioneiros do avivamento mundial foram influenciados pelo derramamento do Espírito Santo em Azusa e em outras igrejas dos Estados Unidos da América como, por exemplo, em igrejas de Chicago. Entre esses pioneiros, estavam Gunnar Vingren e Daniel Berg. 

Na verdade, o que distingue o pentecostalismo clássico de outros “pentecostalismos” é justamente a doutrina da evidência do Batismo no Espírito Santo. Para os pentecostais clássicos, que têm nas Assembleias de Deus a sua representante principal, o falar em outras línguas é o sinal físico do recebimento do batismo no Espírito Santo. Mas esse fenômeno, nascido no princípio da Igreja, num cenáculo em Jerusalém, e que ressurgiu de forma fervorosa no avivamento da rua Azusa, tem sido arrefecido nestes últimos tempos. Há um movimento sutil que visa enfraquecer a identidade pentecostal; esse movimento é real e se encontra dentro das igrejas locais, mesmo dentro da Assembleia de Deus. Há quem trabalhe para enfraquecer a busca do batismo no Espírito Santo e a manifestação dos dons espirituais, no culto ao Senhor. É preciso que os remanescentes do fogo do Pentecostes se levantem no poder do Espírito Santo e resistam com fervor as sutilezas que visam enfraquecer a identidade pentecostal.

I. O PENTECOSTES BÍBLICO

1. O Espírito prometido

A Promessa do Batismo no Espírito Santo foi feita por Deus no Antigo Testamento, e o Profeta que proferiu com mais nitidez sobre essa promessa divina foi Joel, descrita no livro que leva o seu nome, no capítulo 2:28,29 - “Acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos, os vossos mancebos terão visões; e também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito”.

Entretanto, na Antiga Aliança, havia a manifestação do Espírito Santo em momentos especiais e sobre a vida de diferentes pessoas. Vemos, por exemplo, o Espírito Santo agindo sobre a Criação (Gn.1:2); na vida de Bezalel, por ocasião da construção do Tabernáculo (Êx.31:2,3); sobre a vida dos juízes de Israel, tais como: Gideão (Jz.6:34); Jefté (Jz.11:29) etc. Enfim, de uma forma mais específica, o Espírito de Deus sob o Antigo Pacto atuava sobre a vida de pessoas escolhidas para obras especiais, tais como os sacerdotes, reis e profetas (Êx.28:41; 1Sm.16:14; 1Rs.19:16) e Anciãos (Nm.11:16,17) etc. O povo apenas presenciava a manifestação do Espírito na vida dessas pessoas.

Portanto, existia uma ação restrita do Espírito de Deus na Antiga Aliança. Porém, a partir do cumprimento da promessa no Pentecostes, depois da Ascenção de Cristo, o Espírito Santo não é mais exclusividade de alguns, mas para todos. A promessa é de “derramamento” que atingiria “toda a carne” (Jl.28a); ou seja, o Espírito prometido, que, segundo os preceitos judaicos, era peculiar ao povo de Israel, estaria sendo disseminado entre todas as nações, entre todos os povos, sobre todo o ser humano. Portanto, tal promessa prenunciava um tempo inteiramente novo sobre a Terra, onde a presença do Senhor se faria sentir além das fronteiras do “reino sacerdotal”, da “propriedade peculiar entre os povos”, que era Israel (Ex.19:5,6), algo jamais visto pela humanidade desde a queda do homem no jardim do Éden.

2. O Espírito derramado

O derramamento do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, inaugurou o movimento pentecostal (At.2:1-47). Cristo subiu e o Espírito Santo desceu. O Cristo ressurreto ascendeu aos céus e enviou o Espírito a fim de habitar para sempre com a Igreja. A partir do Pentecostes, esta é uma experiência normal da Igreja.

Mas a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes não foi um acontecimento casual, e sim uma agenda estabelecida por Deus desde a eternidade. O mesmo Espírito Santo que desceu sobre Jesus no Jordão, guiou-o no deserto e revestiu-o com poder para salvar, libertar e curar (Lc.3:21,22; 4:1,14,18); depois, veio sobre os discípulos de Jesus (At.1:5,8; 2:33). O Livro de Atos narra outros derramamentos do Espírito Santo e, certamente, essa experiência sobrenatural ocorreu inúmeras vezes no decurso do período da graça, chegando até nós.

O Derramamento do Espírito Santo produziu o fenômeno das línguas. O Pentecostes foi o oposto de Babel - em Babel as línguas eram ininteligíveis; no Pentecostes, não houve necessidade de interpretação. Em Babel houve dispersão; no Pentecostes, ajuntamento. Babel foi resultado de rebeldia contra Deus; Pentecostes, foi fruto da oração perseverante a Deus. Em Babel os homens enalteciam seu próprio nome; no Pentecostes, falavam sobre as grandezas de Deus. John Stott escreveu: “Em Babel, a terra orgulhosamente tentou subir ao Céu, enquanto em Jerusalém, o Céu humildemente desceu à Terra”.

A promessa do derramamento do Espírito Santo é para todos, mas existe uma condição especial para receber o revestimento de poder: nascer de novo. O batismo no Espírito Santo é para quem já é salvo. Os discípulos ao serem batizados no Dia de Pentecostes, tinham seus nomes escritos no céu (Lc.10:20) e eram limpos diante de Deus (Joao 15:3). O novo nascimento, portanto, é a primeira operação do Espírito Santo; sem ele, ninguém pode entrar no reino de Deus e desfrutar de outras ações do Espírito em sua vida, dentre elas o batismo no Espírito Santo e o recebimento dos dons espirituais.

II. O DISTINTIVO PENTECOSTAL DE NOSSA IGREJA

1. A atualidade dos Dons espirituais

Os Dons espirituais são favores imerecidos que Deus concede aos crentes que estão dispostos a servi-lo e que, por obediência, já alcançaram o batismo no Espírito Santo. Os Dons espirituais são chamados, no original grego, de "charismata", palavra que significa "graças". A verificação do significado da palavra "charismata" é muito importante, pois demonstra, de forma cabal, que os dons espirituais são concessões divinas, e decorrem do exercício da Sua infinita misericórdia, não havendo, portanto, qualquer merecimento, qualquer mérito por parte daqueles que são aquinhoados pelo Espírito Santo com um dom espiritual. O Dom é concedido não porque alguém seja mais espiritual ou melhor do que outro, mas em virtude da soberana vontade do Senhor. Quem o diz não somos nós, mas a própria Palavra de Deus: "Mas um só mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer” (1Co.12:11).

A atualidade dos Dons espirituais é confirmada pela Bíblia Sagrada e pela experiência cristã. Mas, uma corrente da teoria cessacionista deduz, equivocadamente, que os Dons espirituais cessaram após a era apostólica, pois o Evangelho, de acordo com a geografia daqueles dias, já havia chegado aos confins da terra (At.1:8; 13:47). Afirma que os Dons do Espírito são habilidades naturais, santificadas e aperfeiçoadas por Deus após a conversão do indivíduo. Uma outra corrente acredita que os Dons espirituais não são para os tempos hodiernos, mas estiveram restritos ao período apostólico. No entanto, ao lermos as Sagradas Escrituras, não encontramos qualquer evidência de que os Dons do Espírito tenham existido somente no tempo dos apóstolos. Se os Dons cessaram após a morte dos apóstolos, por que Paulo escreveria à igreja de Corinto para que buscassem ardentemente os dons e zelassem por ele, sabendo que os dons não durariam mais do que 50 anos? Não há qualquer analogia plausível para sustentar tal absurdo. A experiência pentecostal de incontáveis cristãos, em todas as épocas e lugares, é evidência complementar da atualidade dos dons conforme a verdade bíblica. Assim, a dedução dos cessacionistas não é possível e nem necessária como método de interpretação do Novo Testamento. Àqueles que negam a atualidade dos dons espirituais, faço minha as palavras do apóstolo Paulo: “A respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes” (1Co.12:1).

Portanto, todos os que creem, e não apenas alguns escolhidos como ocorria na Antiga Aliança, podem ser revestidos do poder do Espírito Santo para proclamar a mensagem do Reino de Deus, utilizando-se dos dons espirituais que o Espírito Santo distribui conforme a capacidade de cada um (1Co.12:7).

2. As Línguas como evidência

“E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (Atos 2:4)

No glorioso fenômeno do Pentecostes Deus rompeu a barreira da língua, e os judeus de diversas partes do mundo puderam ouvir os discípulos falando em sua própria língua materna. Essas “outras línguas” eram dialetos conhecidos e falados pelos judeus que habitavam diversas regiões do Império Romano e estavam em Jerusalém por ocasião da festa.

O apóstolo Pedro aborda a questão da “glossolalia” de Atos 2 e diz que não foi consequência de uma intoxicação ou embriaguez (Atos 2:13). Os discípulos não perderam suas funções físicas e mentais; foi um fenômeno tanto de fala como de audição. Não foram sons incoerentes, mas uma habilidade sobrenatural para falar em línguas reconhecíveis. Assim, a expressão “outras línguas” poderia ser traduzida por “línguas diferentes da sua língua materna”. Os discípulos falaram línguas que ainda não haviam aprendido. Essas “outras línguas”, portanto, são conhecidas como “glossolalia”, e elas evidenciam externa, física e inicialmente o batismo no Espírito Santo. As pessoas, quando são batizadas no Espírito Santo, começam a falar com Deus, a exaltá-lo, a louvá-lo, a glorificá-lo de uma forma evidente e que pode ser notada e contemplada por todas as pessoas. Foram as línguas estranhas que sinalizaram o batismo de Cornélio e sua família (cf. Atos 10:47).

Assim, a “língua estranha” enquanto sinal do batismo no Espírito Santo é algo que está presente na vida de cada crente batizado. Portanto, a “língua estranha” como sinal do batismo é algo universal. Se alguém foi batizado no Espírito Santo, ele falou em língua estranha pelo menos no momento em que recebeu esta bênção. Deste modo, só existe um meio biblicamente aceitável para dizer se alguém foi batizado no Espírito Santo: o falar em “língua estranha”.

Já a língua como dom espiritual tem uma outra abrangência. Como dom espiritual, diz a Bíblia, é repartida particularmente pelo Espírito Santo a quem Ele quer, ou seja, não é uma bênção que seja distribuída a todos os crentes batizados no Espírito Santo, mas tão somente a quem o Espírito Santo quer. O próprio apóstolo Paulo afirmou, em 1Coríntios 12:2, que havia aqueles que falavam em “língua estranha”, prova de que não eram todos os que falavam.

Portanto, o dom de línguas não é para todos, mas para alguns, ainda que seja, historicamente, o mais disseminado dos dons espirituais, o que se compreende tanto pelo fato de que se trata de um instrumento de edificação individual, quanto pela circunstância de ser o dom mais buscado pelos crentes, a ponto de Paulo ter tido necessidade de pedir aos crentes de Corinto que buscassem mais os dons de profecia e o de interpretação das línguas. 

Todos os batizados no Espírito Santo falam em língua “estranha” quando recebem o revestimento de poder, mas nem todos têm o dom de línguas; então há um grupo de crentes que, apesar de serem batizados no Espírito Santo, não possuem o dom de línguas e, por conseguinte, apesar de terem falado em “língua estranha” no momento do batismo, não mais falarão dali por diante. A existência desse grupo deve ser aqui realçada pois, inadvertida e erroneamente, há muitos que acham que, se alguém foi batizado no Espírito Santo e deixou de falar em línguas é porque não está bem espiritualmente, pecou ou fez algo que não era da vontade de Deus, e que precisa ser renovado. Nem sempre podemos assim considerar, pois nem sempre quem é batizado no Espírito Santo, recebe o dom de línguas.

III. MANTENDO A CHAMA PENTECOSTAL ACESA

1. Fidelidade às Escrituras

Fidelidade é uma qualidade essencial na vida espiritual do crente; ela envolve todas os elementos fundamentais que sustentam a vida cristã, dentre eles está a fidelidade às sãs doutrinas exaradas nas Escrituras Sagradas como, por exemplo, o batismo no Espírito Santo e os Dons espirituais. A Igreja, no seu princípio, a qual nasceu sob o fogo do Espírito Santo, era fiel e perseverante nas doutrinas dos apóstolos (Atos 2:42), e é assim que a igreja Pentecostal hodierna deve se apresentar.

Muitos crentes, no início da conversão, desenvolvem uma fé inabalável, revelando sua fidelidade ao Senhor e às doutrinas sistemáticas das Escrituras Sagradas, mas com o passar dos anos, diante das muitas adversidades e do desvio doutrinário, infelizmente, muitos vão esmorecendo na fé e comprometendo a sua fidelidade ao Senhor e à sua Palavra. O liberalismo teológico tem feito um estrago na vida de milhões de crentes no mundo todo. Pode-se ver isso bem de perto, dentro das igrejas pentecostais históricas, onde o arrefecimento da busca pelo batismo no Espírito e pelos Dons espirituais tem sido claramente notável.

Nesta nova geração de crentes há um ceticismo gritante com relação ao batismo no Espírito Santo e a manifestação dos dons espirituais. Concordo com o pr. José Gonçalves, quando afirma que “o afrouxamento doutrinário e a consequente negação da atualidade dos dons Espirituais são marcas que mostram que segmentos do Movimento Pentecostal contemporâneo estão se distanciando da Palavra de Deus. Todo desvio doutrinário, bem como toda heresia, existe por conta da negação ou acréscimo de alguma coisa às Escrituras. Como dizia certo teólogo, as Escrituras não precisam de penduricalhos. Precisamos voltar às Escrituras”.

2. Exercício dos dons espirituais

O exercício dos Dons espirituais deve ocorrer exclusivamente para substanciar o ministério que Deus incumbiu aos crentes vocacionados. Assim, nunca deve servir para vanglória ou para exibir espiritualidade. Os Dons são ferramentas de trabalho, e que devem ser usados para honra e glória de Deus.

Os beneficiários dos Dons devem estar cônscios de que eles não são presentes; não são dados como se dá uma joia para ser usada como adorno, ou enfeite; não é, também, uma medalha usada como condecoração para ser exibida no peito, com o fim de chamar a atenção para a pessoa que a usa. Sendo instrumento de trabalho, usar, ou não usar o Dom, não é uma questão de querer; Deus dá para ser usado. Vemos a comprovação disso nas Parábolas dos Talentos e das Minas (Mt.25:14-30 e Lc.10:11-27). Nem os Talentos nem as Minas foram dados como presentes; foram, na verdade, dados para serem usados de acordo com os interesses do senhor, o legitimo dono dos Talentos e das Minas. Contudo, um dos servos, ou não entendeu, ou foi negligente, pois resolveu não trabalhar com o valor recebido; ele simplesmente “cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor” (Mt.25:18). Perceba a expressão “o dinheiro do seu senhor”. Da mesma forma ocorre com os Dons que Deus concede ao crente, eles não se tornam propriedade daquele que os recebe, são dados para serem usados na Obra de Deus. A negligência, ou dolo pela não utilização, ou pelo uso indevido por parte de quem os recebe resultará em consequências negativas quando o Dono voltar, tal como aconteceu naquelas duas Parábolas referidas: “Lançai o servo inútil nas trevas exteriores; ali haverá planto e ranger de dentes” (Mt.25:30).

Assim, meu irmão, se você recebeu um, ou mais Dons, eles não lhes foram dados para você exibir sua espiritualidade ou enobrecer a sua reputação, mas para você mostrar serviços na Obra de Deus; tampouco pode enterrá-los. Pense nisso!

CONCLUSÃO

É bastante notório o enfraquecimento da identidade pentecostal nas igrejas locais em diversas regiões. Não se vê mais com frequência os púlpitos arderem com o fogo do Espírito; não ocorrendo isto, a Igreja esfria, o que não agrada a Jesus. Certa feita alguém perguntou a Dwight Moody: “como podemos experimentar um reavivamento na igreja?”. O grande avivalista respondeu: “acenda uma fogueira no púlpito”.

Mas, o enfraquecimento da identidade pentecostal não é a primeira vez que ocorre na história da Igreja. Pouco mais de trezentos anos após o glorioso evento do Pentecostes, em Jerusalém, o esfriamento pentecostal havia chegado; somente em 1906 o fogo pentecostal incendiou novamente a Igreja, chegando até nós. Infelizmente, após um século desse advento, o movimento passou a dar sinais de esfriamento. Nota-se, hoje, uma Igreja Local desanimada e, em vários locais, céticas com relação à sua identidade pentecostal; observa-se o enfraquecimento doutrinário, e até mesmo desvios teológicos que negam a manifestação dos dons espirituais. A Igreja precisa se erguer e conservar a chama acesa do Espírito Santo, sob pena de novamente passar por um período de trevas. Que Deus tenha misericórdia do seu povo nestes últimos tempos!

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Luciano de Paula Lourenço – EBD/IEADTC

Referências Bibliográficas:

Bíblia de Estudo Pentecostal.

Bíblia de estudo – Aplicação Pessoal.

Bíblia de Estudo – Palavras Chave – Hebraico e Grego. CPAD

William Macdonald. Comentário Bíblico popular (Antigo e Novo Testamento).

Comentário Bíblico Pentecostal. CPAD.

Comentário do Novo Testamento – Aplicação Pessoal. CPAD.

Luciano de Paula Lourenço. Aula 08 – Ética Cristã e Sexualidade – Subsídio. 2º Trimestre/2018.

Pr. Caramuru Afonso Francisco. A Promessa do Batismo no Espírito Santo. PortalEBD_2007.

Pr. Caramuru Afonso Francisco. Os Dons Espirituais. PortalEBD_2009.