domingo, 15 de novembro de 2020

Aula 08 – A TEOLOGIA DE ZOFAR: O JUSTO NÃO PASSA POR TRIBULAÇÃO

          4º Trimestre/2020

Texto Base: Jó 11:1-10; 20:1-10


“E terás confiança, porque haverá esperança; olharás em volta e repousarás seguro” (Jó 11:18).

Jó 11

1.Então, respondeu Zofar, o naamatita, e disse:

2.Porventura, não se dará resposta à multidão de palavras? E o homem falador será justificado?

3.Às tuas mentiras se hão de calar os homens? E zombarás tu sem que ninguém te envergonhe?

4.Pois tu disseste: A minha doutrina é pura; limpo sou aos teus olhos.

5.Mas, na verdade, prouvera Deus que ele falasse e abrisse os seus lábios contra ti,

6.e te fizesse saber os segredos da sabedoria, que é multíplice em eficácia; pelo que sabe que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniquidade.

7.Porventura, alcançarás os caminhos de Deus ou chegarás à perfeição do Todo-Poderoso?

8.Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o inferno; que poderás tu saber?

9.Mais comprida é a sua medida do que a terra; e mais larga do que o mar.

10.Se ele destruir, e encerrar, ou juntar, quem o impedirá?

Jó 20

1.Então, respondeu Zofar, o naamatita, e disse:

2.Visto que os meus pensamentos me fazem responder, eu me apresso.

3.Eu ouvi a repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu entendimento responderá por mim.

4.Porventura, não sabes tu que desde a antiguidade, desde que o homem foi posto sobre a terra,

5.o júbilo dos ímpios é breve, e a alegria dos hipócritas, apenas de um momento?

6.Ainda que a sua altura suba até ao céu, e a sua cabeça chegue até às nuvens,

7.como o seu próprio esterco perecerá para sempre; e os que o viam dirão: Onde está?

8.Como um sonho, voa, e não será achado, e será afugentado como uma visão da noite.

9.O olho que o viu jamais o verá, nem olhará mais para ele o seu lugar.

10.Os seus filhos procurarão agradar aos pobres, e as suas mãos restaurarão a sua fazenda.

INTRODUÇÃO

Nesta Aula trataremos dos discursos de Zofar, o terceiro amigo de Jó, provavelmente, o mais novo dos três que são mencionados em Jó 2:11. A Bíblia diz-nos que ele era natural de Naamá, região que é identificada como sendo um dos pequenos reinos que havia, na época, no território da atual Arábia Saudita. Ele fez apenas dois discursos, um no capítulo 11 e o outro no capítulo 20, nos quais nota-se a mesma ideia de que o sofrimento advém do pecado; neles estão implícitos os argumentos relativos ao dogma da retribuição, ou seja, se for justo será abençoado com todas as bênçãos materiais, que não haverá sofrimento para o justo, enquanto os ímpios sofrerão as piores dores, sofrimentos, intempéries; segundo este entendimento, o justo não passa por tribulação. Sendo assim, se Jó estava sofrendo era porque estava em pecado, e por causa disso, ele merecia sofrer ainda mais do que já tinha sofrido (Jó 11:6). Zofar vociferou que se Jó se desviasse do pecado e voltasse para Deus, seus sofrimentos cessariam imediatamente, e a segurança, a prosperidade e a felicidade voltariam para ele (Jó 11:13-19).

Os discursos de Zofar, porém, não têm apoio nas Escrituras Sagradas. A Bíblia não garante uma vida aqui neste mundo sem sofrimento, sem tribulação, sem provas, mesmo sendo a pessoa mais justa da terra, como era Jó. Como diz o Rev. Hernandes Dias Lopes, “a vida cristã não é um mar de rosas, não é uma redoma de vidro, não é uma estufa espiritual; o cristianismo não é uma sala vip, não é uma colônia de férias, antes, é um campo de batalha”. Enquanto estivermos neste mundo, enfrentaremos muitas crises. Jesus alertou os discípulos de que o futuro não seria marcado por amenidades, pois enfrentariam crises, aflições no mundo. Ele disse: “... no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”(João 16:33). Contudo, “por muitas tribulações nos importa entrar no Reino de Deus” (Atos 14:22).

I. DEUS SE MOSTRA SÁBIO QUANDO AFLIGE O PECADOR

Neste tópico trataremos do primeiro discurso de Zofar (Jó 11:1-20).

1. Deus grande e sábio (Jó 11:7-12)

7.Porventura, alcançarás os caminhos de Deus ou chegarás à perfeição do Todo-poderoso?

8.Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o inferno; que poderás tu saber?

9.Mais comprida é a sua medida do que a terra; e mais larga do que o mar.

10.Se ele destruir, e encerrar, ou juntar, quem o impedirá?

11.Porque ele conhece os homens vãos e vê o vício; e não o terá em consideração?

12.Mas o homem vão é falto de entendimento; sim, o homem nasce como a cria do jumento montês.

Nos capítulos 9 e 10 Jó fez afirmações fortes em relação à sua inocência. Por exemplo, em 10:13-22 Jó perguntou por que Deus o afligia com tantas desgraças. Aparentemente, Jó não via diferença entre ser justo ou ímpio e considerava sua vida repleta de ignominia divina. Por que Deus o fez nascer? Por que não lhe concedeu um pouco de alento antes que fosse para a terra da morte, onde a própria luz é tenebrosa? Ao fazer essas afirmações, Jó forçou os seus amigos a considerar essa questão de forma ousada.

Zofar respondeu o questionamento de Jó de forma humilhante. Respondeu a Jó dizendo que aquele “palavrório” arrogante não poderia ficar sem resposta. Para ele, Jó valeu-se na sua defesa de palavras exageradas (Jó 11:2), desrespeitosas (Jó 11:3), cheias de justiça própria (Jó 11:4) e ignorantes sobre as coisas de Deus (Jó 11:5,6). Se ao menos pudesse ver as coisas do ponto de vista de Deus, continuou Zofar, perceberia que, na verdade, não estava sofrendo tudo o que merecia. Segundo ele, o sofrimento de Jó fazia parte de um sábio julgamento divino, pois, para ele, Deus demonstra grande sabedoria em reprimir os maus; sua ignorância quanto à grandeza do Senhor o tornava inapto a questionar a justiça divina.

Note que Zofar procurou fundamentar a sua acusação contra Jó no fato de que Deus está acima dos homens; que nós, humanos, não podemos desvendar os Seus segredos e a Sua sabedoria (Jó 11:5-9). Entretanto, logo no limiar de seu discurso sobre a grandeza de Deus, Zofar apresentou uma noção de Deus bem diversa da de Jó. Disse Zofar: " …oxalá que Deus falasse e abrisse os Seus lábios contra ti" (Jó 11:5), ou seja, para ele, Deus era um ser tão superior que não se preocupava com o ser humano. Para ele, Deus está muito acima dos homens para lhes ouvir as palavras. Esta é a primeira ideia que caracteriza o chamado "deísmo", que é a crença em um Deus, mas um Deus tão distante, um Deus que não intervém no dia-a-dia dos seres humanos, um Deus que criou o Universo que, como uma máquina, funciona sozinho, sem que o Criador esteja fazendo algo que não seja mantê-lo funcionando, segundo as regras e normas por Ele soberanamente estabelecidas; é um Deus existente, mas ausente.

Zofar não vê como possível um contato íntimo e contínuo entre Deus e o homem. Segundo ele, Deus é muito superior e sublime para se preocupar com uma criatura tão desprezível como é o homem. Deus, dizia Zofar, é quem possui os segredos da sabedoria, é quem tem uma eficácia múltipla e que exige dos homens menos que merecem, diante de sua iniquidade. É impossível querer se aproximar de Deus, afirma Zofar, pois jamais alcançaremos a Sua perfeição ou alcançaremos os Seus caminhos (Jó 11:6,7). Deus é maior do que possamos imaginar e ninguém pode impedir a Sua operação (Jó 11:8-10).

Para Zofar, não havia dúvida alguma: é impossível que o homem possa ter uma doutrina pura e ser limpo aos olhos do Senhor. Assim sendo, Jó estava mentindo (Jó 11:3), era um hipócrita e o seu sofrimento era a prova de que não poderia ser alguém puro diante de Deus.

Zofar foi ainda mais duro em sua repreensão. Em Jó 11:12 ele fez uma declaração particularmente grosseira, obviamente dirigida a Jó: “Mas o homem estúpido se tornará sábio, quando a cria de um asno montês nascer homem”. Aqui, Zofar avaliou o comportamento de Jó como de um animal irracional, um jumento que não tem entendimento, ao não perceber a sabedoria divina na condução das coisas.  Com essas palavras, Zofar não demonstrou a mínima compaixão pelo sofrimento de Jó.

Como podemos perceber, Zofar estava redondamente enganado, mas as "evidências" davam-lhe razão. Será que, se não soubéssemos o que havia ocorrido naquela reunião entre Deus e Satanás, não estaríamos concordando com o raciocínio simplista, mas forte de Zofar? Como temos agido diante de irmãos na fé que têm padecido semelhantemente? Temos lhes dado a presunção da inocência ou temos sido tão vigorosos como Zofar? Lembremo-nos, porém, que, quem tem o verdadeiro amor cristão, o amor descrito em 1Co.13, diz-nos as Escrituras, "não trata com leviandade (…) não suspeita mal" (1Co.13:4,5).

2. Deus não é indiferente à ação do ímpio

Para Zofar, Deus, apesar de ausente, não é indiferente à ação do ímpio. Assim sendo, se Jó estava sofrendo desgraças era porque estava em pecado. Para Zofar, não adiantaria Jó querer dialogar com  Deus afirmando que ele era justo e que não merecia estar numa situação caótica que estava passando, como parece ter sugerido (cf. Jó 9:21; 10:7; Jó 11:4), pois certamente Deus ficaria contra ele e, certamente, Jó seria condenado.

Para Zofar, Deus conhece os caminhos dos homens e considera os gestos praticados pelos homens, mas é uma consideração distante, uma observação contemplativa, ou seja, Deus vê a iniquidade do homem, mas não Se compadece dessa maldade, antes espera que o homem, por si só, arrependa-se, a fim de obter os benefícios deste gesto de arrependimento, pois, caso não o faça, Deus, certamente, fará cair sobre o pecador os danos do seu pecado, pois assim estabeleceu ao ordenar e criar todas as coisas (Jó 11:11). Vemos, pois, que, segundo Zofar, Deus apenas olha, apenas vê a Sua criação, mas nela não intervém. Diante de um Deus distante e ausente, para o homem só haverá salvação se ele próprio se arrepender, se ele próprio endireitar os seus caminhos, pois, caso contrário, Deus somente poderá lhe punir, ante as leis que Ele mesmo estabeleceu (Jó 11:12-20). Esta era a teoria teológica de Zofar, porém, as Escrituras Sagradas não chancelam essa teoria fracassada que ainda hoje tem grassada em muitas comunidades que se dizem cristãs. Deus não é indiferente à ação do ser humano, quer seja ele justo ou ímpio.

3. Tolos se passando por sábios

Jó não ficou silente diante das acusações de Zofá. Apesar do seu sofrimento físico e emocional, ele reagiu ao discurso deletério de Zofar. Jó começou a sua resposta a Zofar (capítulos 12 a 14) com uma ironia, afirmando que só os seus amigos eram sábios na face da Terra (Jó 12:2) – “Na verdade, que só vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria”. Jó afirmou que também tinha a mesma capacidade de pensamento de seus amigos, não podendo ser considerado inferior.

Assim, Jó demonstrou, num primeiro momento, que pela razão, existente em todas as pessoas, todos podem chegar ao conhecimento de Deus, mas, se de um lado isto representaria uma demonstração de que os "deístas" tinham razão ao advogar a tese de que Deus pode ser conhecido pela razão, por outro lado, retiraria o argumento de superioridade que seus amigos estavam tentando demonstrar para que Jó pudesse aceitar que eles estavam certos e que, portanto, deveria reconhecer-se como pecador e se arrepender para retornar ao estado anterior. Deus é acessível a todos os homens não porque todos os homens sejam dotados de razão, mas porque Deus tem prazer em descer ao nível do homem e a ele Se revelar.

Imediatamente após demonstrar que o argumento de Zofar sucumbiu pela própria concepção deísta, Jó afirmou, com convicção, que Deus não é um ser distante e que, após criar o mundo, abandonou-o. Ele disse:"… eu, que invoco a Deus, e Ele me responde…" (Jó 12:4). Jó afirmou que Deus está, sim, interessado em ter uma convivência com o homem e que ele, Jó, desfrutava desta convivência, tinha comunhão bem de perto com o Senhor, tanto que ele o invocava e era correspondido por Deus. A existência de um diálogo entre Deus e o homem faz sucumbir o argumento "deísta" de Zofar, e é por isso que os deístas acabam por renegar as Escrituras, porque a Bíblia é, ela própria, um diálogo entre Deus e os homens.

Jó chamou a própria natureza para ser testemunha de que Deus é o Criador e o sustentador de todas as coisas, e não leis naturais que estariam substituindo Deus (Jó 12:7-10). Muito pelo contrário, os "superiores e iluminados" amigos de Jó poderiam, muito bem, ser substituídos pela criação irracional do Senhor, que são testemunhas vivas e muito mais sábias até da contínua presença do Senhor junto à Sua criação.

Contrariando a visão de Zofar, Jó afirmou que Deus intervém continuamente na ordem das coisas que criou. Diz que a vida humana está em Suas mãos (Jó 12:10), que Ele é quem determina as ascensões e quedas (Jó 12:14), bem como está presente em todas as manifestações naturais (Jó 12:15), está presente em todas as decisões humanas, fazendo coisas que o homem não pode compreender (Jó 12:22-25). O patriarca tinha a vivência de um Deus participante, que não abandonara a Sua criação, mas, bem ao contrário, está presente em todo o seu transcurso; é um Deus distinto da Sua criação, mas um Deus presente, bem diverso do concebido por Zofar.

Jó acreditava tanto na participação de Deus no transcorrer da criação que, uma vez mais deixando de lado as teorias profundas e descabidas de Zofar, dirigiu-se diretamente a Deus para apresentar o seu pedido e a sua queixa, demonstrando, assim, claramente, que Deus está disposto a nos ouvir e a nos acompanhar em todos os momentos de nossa vida (Jó 13:3) – “Mas eu falarei ao Todo-Poderoso; e quero defender-me perante Deus”. Afirmou o patriarca que seus amigos não estavam com a correta concepção de Deus e que suas palavras eram mentirosas a este respeito, nada produzindo de remédio para o mal que estava sofrendo (Jó 13:4,7-13).

Como tem sido o nosso discurso a respeito de Deus para os nossos semelhantes? Temos sido médicos que não valem nada, como os amigos de Jó? Qual tem sido o resultado de nossos discursos, de nossas pregações, de nossos testemunhos? Têm eles gerado saúde espiritual para o povo? Será que temos cumprido o nosso mister de, como corpo de Cristo aqui na Terra, sermos os médicos para os doentes (cf.Mt.9:12,13)? Ou temos sido tolos se passando por sábios?

II. A CONVERSÃO COMO RESPOSTA À AFLIÇÃO

1. Purificação moral

Zofar concluiu seu primeiro discurso solicitando a Jó uma purificação moral, ou seja, arrependimento de seus pecados e mudança de direção em sua vida, para que ele pudesse conquistar o seu status original. Para Zofar, a melhor coisa que Jó poderia fazer era lançar “para longe” seus pecados, só então Deus lhe concederia segurança, descanso e consolo; caso contrário, não escaparia da destruição (cf. Jó 11:13-20):

13.Se tu preparaste o teu coração, estende as tuas mãos para ele;

14.se há iniquidade na tua mão, lança-a para longe de ti e não deixes habitar a injustiça nas tuas tendas,

15.porque, então, o teu rosto levantarás sem mácula; e estarás firme e não temerás.

16.Porque te esquecerás dos trabalhos e te lembrarás deles como das águas que já passaram.
17.E a tua vida mais clara se levantará do que o meio-dia; ainda que haja trevas, será como a manhã.

18.E terás confiança, porque haverá esperança; olharás em volta e repousarás seguro.

19.E deitar-te-ás, e ninguém te espantará; muitos acariciarão o teu rosto.

20.Mas os olhos dos ímpios desfalecerão, e perecerá o seu refúgio; e a sua esperança será o expirar da alma.

Como se observa, Zofar foi muito insensível, a ponto de ser ríspido em seu tratamento com Jó. Para ele, algum pecado cometido por Jó era a raiz da sua terrível condição e que o sofrimento dele resultava desse pecado. Assim sendo, era necessária uma reparação, inclusive uma preparação apropriada do seu coração para colocá-lo num relacionamento correto com Deus. Ele enumera três atitudes para que isso aconteça: conduta correta (Jó 11:13); súplica em oração para remover a iniquidade de sua vida e do seu lar (Jó 11:13,14) e renúncia ao pecado (Jó 11:14). Quando isso fosse feito, Jó estaria apto a levantar o seu rosto sem mácula (Jó 11:15); então, ele seria considerado inocente diante de Deus. Medo e miséria seriam esquecidos (Jó 11:15,16). Sua vida seria mais alegre e radiante do que antes. Todas as causas do medo seriam removidas, e em seu lugar haveria segurança e esperança em sua vida, e muitos procurariam o seu favor (Jó 11:17-19).

Todavia, como bem diz o pr. José Gonçalves, “o que está em vista nesta exortação de Zofar é um moralismo salvífico em vez da graça divina; o caráter transformador é mais de natureza externa do que interna; nesse aspecto, o arrependimento não passava de um mero ritual. Na teologia de Zofar, a simples prática desses ritos trazia consigo o poder de conferir o favor divino. Na verdade, isso era o que se conhece hoje como legalismo religioso”.

2. É possível negociar com Deus?

Estudiosos destacam que Zofar tentou induzir Jó a negociar com Deus a fim de se ver livre de suas dificuldades. Era isso que também Satanás desejava que Jó fizesse desde o início (Jó 1:9). Como já vimos, Satanás quando esteve presente juntamente com os filhos de Deus (os anjos), ele se levantou contra o caráter de Deus, acusou-o e questionou suas motivações. Ele insinuou que Jó só servia a Deus por interesse; afirmou que a devoção de Jó não passava de uma barganha com Deus. Satanás acusou Jó de ser um utilitarista que se aproximava de Deus não por quem é Deus, mas por aquilo que Deus dava. Na verdade, Satanás estava defendendo a tese de que todo mundo serve a Deus por algum interesse egoísta. Se Jó tivesse seguido o conselho de Zofar, teria feito exatamente o que Satanás queria. Orientar seus seguidores a barganharem com Deus é um dos mais sérios erros dos defensores da “teologia da barganha”.

Ninguém deve, jamais, pensar que é merecedor de qualquer coisa oriunda de Deus. Isso deve se aplicar a todos os aspectos da vida do cristão, desde o ar que respiramos, passando pela salvação provida na cruz, ou qualquer outro benefício que venhamos a receber dEle (Tg.4:13-15). Certo teólogo afirmou que Deus “pode fazer tudo o que quer, mas não quer fazer tudo o que pode”. Isto significa que o poder de Deus está sob o controle de sua sábia vontade.

3. A angústia de Jó

Jó, cada vez mais oprimido, ficou muito angustiado, a ponto de querer desistir da vida. O apóstolo Paulo, em certa ocasião, fortemente angustiado, se sentiu assim (cf. 2Co.1:8). O silêncio de Deus contribuiu sobremaneira para o sofrimento emocional e psicológico de Jó; ele simplesmente ficou desesperançado da vida, não tinha mais esperança de se recuperar. Conforme ele afirmou, até mesmo uma árvore quando tem seu tronco cortado volta a ter brotos novamente, mas isso não acontecia com o ser humano. Disse Jó (Jó 14:7-14):

7.Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus renovos.

8.Se envelhecer na terra a sua raiz, e morrer o seu tronco no pó,

9.ao cheiro das águas, brotará e dará ramos como a planta.

10.Mas, morto o homem, é consumido; sim, rendendo o homem o espírito, então, onde está?

11.Como as águas se retiram do mar, e o rio se esgota e fica seco,

12.assim o homem se deita e não se levanta; até que não haja mais céus, não acordará, nem se erguerá de seu sono.

13.Tomara que me escondesses na sepultura, e me ocultasses até que a tua ira se desviasse, e me pusesses um limite, e te lembrasses de mim!

14.Morrendo o homem, porventura, tornará a viver? Todos os dias de meu combate esperaria, até que viesse a minha mudança.

15.Chamar-me-ias, e eu te responderia; afeiçoa-te à obra de tuas mãos.

Apesar da sua intensa angústia, Jó não se rendeu à falaciosa teologia de seus amigos. Jamais assumiu algo que não havia feito. Ele era convicto de sua inocência e, por isso, não se sujeitaria ao capricho de Zofar; não iria estragar seu caráter ilibado por migalhas deste mundo.

Jó era cônscio de que Deus é superior aos homens, cuja existência é um nada ante a grandeza do universo (Jó 14:1,2,5-12), inclusive revelou que ao homem é dada apenas a oportunidade de uma só vida; isto vai de encontro às mentiras ensinadas há séculos por hinduístas, budistas e kardecistas, ao tratarem de reencarnações (Jó 14:14).

Jó cria que, depois de morto, estando no Seol (Jó 14:13), Deus o traria à vida de novo (Jó 14:15); noutras palavras, Jó expressou sua esperança numa ressurreição pessoal. Se Jó ousava ter esperança de uma vida além-túmulo, ele suportaria sua condição presente e esperaria pelo chamado de Deus (Jó 14:15). Mas Jó ainda não foi capaz de elevar-se acima do seu dilema imediato e fortalecer a sua confiança no fato de que Deus se importava com ele. Portanto, ele se entregou mais uma vez ao desespero que insistia em tomar conta dele em decorrência da tragédia da sua vida.

Deus quer que todos os crentes que estão sob sofrimento e opressão neste mundo saibam que está chegando o dia da ressurreição e da vitória, quando, então, estarão com Deus para sempre (ver Ap.21:1,4). Naquela ocasião, verificarão diretamente que “as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm.8:18).

III. DEUS JULGA E CASTIGA OS PECADORES

Neste tópico, trataremos do segundo e último discurso de Zofar (Jó 20:1-29), e da resposta de Jó (Jó cap.21).

1. O castigo dos maus

Em seu segundo discurso, Zofar procurou caracterizar como irracional os argumentos de Jó, afirmando que eles mostravam falta de entendimento em Jó e que geravam vergonha nos seus ouvintes (Jó 20:3).

“Eu ouvi a repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu entendimento responderá por mim”.

Em sua fala, Jó revelou toda a sua convicção de que Deus não abandonou Sua criação, pois revelou ter esperança em Deus, ainda que Ele estivesse contra ele, fazendo-o sofrer (Jó 13:15). Ademais, mostrou ter consciência de que somente os justos podem estar em comunhão com o Senhor (Jó 13:16). Na sua crença de que Deus atua no universo, Jó chegou a pedir ao Senhor que retirasse a Sua mão e que não o espantasse (Jó 13:20,21). Ele creu que podia haver diálogo entre Deus e o homem (Jó 13:22,23) e lançou sua queixa diante de Deus (Jó 13:24-28, 14:15-22). 

Mas, Zofar não aceitou esse entendimento de Jó, e afirmou que Deus criou o ser humano e o abandou na terra - "…o homem foi posto sobre a terra…" (Jó 11:4). Esta expressão de Zofar denota que Deus age com certo desprezo em relação ao ser humano; revela um distanciamento, uma criação seguida de um abandono por parte de Deus. Segundo esta teoria de Zofar, as leis naturais que Deus criou são as que governam o Universo, pois Deus, após a criação, abandonou o Universo à sua própria sorte. Este é o pensamento "deísta", totalmente contrário às evidências das Escrituras Sagradas, que, aliás, não raro, são atacadas e menosprezadas pelos seguidores do "deísmo". 

Em seguida, Zofar voltou a insistir que os maus têm um júbilo muito breve, que praticamente todas as desgraças possíveis atingirão o perverso, incluindo fome, angústia, miséria, ataque inimigo, calamidade, fogo e perda da tranquilidade. Segundo ele, os céus e a terra conspiram contra o ímpio, e que seus bens desaparecerão, serão irremediavelmente abatidos por força das próprias leis estabelecidas por Deus. Esta é a herança decretada por Deus sobre o homem perverso, na visão de Zofar (Jó 20:20-29).

“Os céus manifestarão a sua iniquidade; e a terra se levantará contra ele. As rendas de sua casa serão transportadas; no dia da sua ira, todas se derramarão. Esta, da parte de Deus, é a porção do homem ímpio; esta é a herança que Deus lhe Reserva” (Jó 20:27-29).

Segundo Zofar, tudo funciona automaticamente, como se o Universo fosse um relógio, não havendo qualquer necessidade para uma intervenção divina. Por isso, Zofar, que afirmou ter "o espírito do entendimento" (Jó 20:3), que já tinha descoberto quais eram as regras disciplinadoras do Universo, pôde dizer o que aconteceria a Jó, caso ele não se arrependesse, pois "…é esta a herança que Deus lhe reserva" (Jó 11:2b). Mas, Jó refutou com veemência esta teoria sem fundamento de Zofar (cf. Jó 21:1-34).

2. Jó diante de um paradoxo

Zofar afirmou anteriormente que todos os maus são punidos, mas Jó argumentou que a experiência mostra que muitas pessoas más são bem sucedidas. O entendimento de Jó é paradoxal: a pessoa má sendo beneficiada com o bem. Assim, Jó rebateu o argumento de Zofar observando, corretamente, que os perversos geralmente prosperam em todas as áreas e morrem sem sofrimento, mesmo após expulsarem Deus de suas vidas. Quantas vezes, perguntou Jó, os perversos recebem a merecida recompensa por seus pecados ainda durante sua existência? Uma pessoa morre em paz, prosperidade em pleno vigor, enquanto outro morre em amargura e pobreza (Jó 21:23-25). Todos são iguais na hora da morte.

Se Zofar continuasse a insistir em que os perversos sempre são castigados nesta vida, então Jó apelaria aos que “viajam” para que testifiquem que os ímpios, conquanto sofram punição no além, geralmente vivem tranquilos e felizes nesta vida. Ninguém os condena ou os castiga, e morrem como todos os outros (Jó 21:29-33). Então Jó exclamou, quase como gritando: “Como, pois, me consolais em vão? Das vossas respostas só resta falsidade” (Jó 21:34).

3. A verdade vem à tona

Jó atacou o dogma da retribuição, defendido com vigor por Zofar em seu segundo discurso, apresentando argumentos com evidência prática, a saber, a existência de homens ímpios prósperos, apesar de sua impiedade e de sua deliberada recusa de servir a Deus, e cujos funerais, inclusive, são repletos de pompa (Jó 21:7-15), embora reconheça que, apesar desta felicidade aparente, não conseguirão escapar do juízo divino, que não é, necessariamente, o tipo de juízo presumido por Zofar (Jó 21:16-26). O próprio Jesus disse que Deus Pai também “faz que o sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mt.5:45).

Jó denunciou que seus amigos estavam tão somente aumentando seu sofrimento, que não trazem palavras de conforto ou de consolo, acabando por entender que seus discursos, por não estarem estribados em fatos verídicos, eram apenas falsidade (Jó 21:27-34).

CONCLUSÃO

Nesta Aula tratamos dos discursos de Zofar, que, por desconhecer as razões do sofrimento de seu amigo Jó, acusou-o de forma impiedosa, implicando que Jó havia pecado contra Deus, e que por isso estava sofrendo. Mas Jó reprimiu com veemência as acusações de Zofar, e sustentou a sua defesa até o fim de que era inocente e que não tinha cometido nenhum pecado que justificasse o seu sofrimento. Apesar das pressões psicológicas, que lhe trouxeram angústia e desesperança de retorno ao seu estado original, Jó não blasfemou contra o seu Deus. Como fez em suas defesas perante os outros amigos, Elifaz e Bildade, Jó afirmou que Deus é superior ao homem e, portanto, o homem não pode querer esquadrinhar os Seus pensamentos ou entender os Seus propósitos, a não ser pela própria revelação divina. Conquanto a natureza possa nos fazer inferir que haja um Deus, não permite que nós, através dela ou da razão, possamos descobrir os mistérios e as profundidades do pensamento divino, pois Deus é Deus, e nós meros seres humanos.

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Luciano de Paula Lourenço – EBD/IEADTC

Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com

Referências Bibliográficas:

Bíblia de Estudo Pentecostal.

Bíblia de estudo – Aplicação Pessoal.

Bíblia de Estudo – Palavras Chave – Hebraico e Grego. CPAD

Comentário Bíblico popular (Antigo e Novo Testamento) - William Macdonald.

Comentário Bíblico Pentecostal. CPAD.

Comentário do Novo Testamento – Aplicação Pessoal. CPAD.

Hernandes Dias Lopes. Neemias – As teses de Satanás.

Comentário Bíblico Beacon. CPAD.

Comentário Bíblico NVI – EDITORA VIDA.

Pr. Caramuru Afonso Francisco. Elifaz e a Teologia do Relacionamento Mercantil com Deus. Portalebd_2003.

Pr. José Gonçalves. A fragilidade humana e a Soberania Divina. CPAD.

Pr. Caramuru Afonso Francisco. Zofar e o perigo do Deísmo.PortalEBD.2003.

domingo, 8 de novembro de 2020

Aula 07 - A TEOLOGIA DE BILDADE: SE HÁ SOFRIMENTO, HÁ PECADO OCULTO

 

4º Trimestre/2020


Texto Base: Jó 8.1-4; Jó 18.1-4; 25.1-6

 

 “Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mão da sua transgressão” (Jó  8:4).

Jó 8:

1.Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:

2.Até quando falarás tais coisas, e as razões da tua boca serão qual vento impetuoso?

3.Porventura, perverteria Deus o direito, e perverteria o Todo-Poderoso a justiça?

4.Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mão da sua transgressão.

Jó 18:

1.Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:

2.Até quando usareis artifícios em vez de palavras? Considerai bem, e, então, falaremos.

3.Por que somos tratados como animais, e como imundos aos vossos olhos?

4.Ó tu, que despedaças a tua alma na tua ira, será a terra deixada por tua causa? Remover-se-ão as rochas do seu lugar?

Jó 25:

1.Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse: 

2.Com ele estão domínio e temor; ele faz paz nas suas alturas.

3.Porventura, têm número os seus exércitos? E para quem não se levanta a sua luz?

4.Como, pois, seria justo o homem perante Deus, e como seria puro aquele que nasce da mulher? 

5.Olha, até a lua não resplandece, e as estrelas não são puras aos seus olhos.

6.E quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um bicho!

INTRODUÇÃO

Nesta Aula trataremos da teologia de Bildade, amigo de Jó. Sua teologia não era muito diversa da de Elifaz, que afirmava que Jó deixara de ter prosperidade material porque havia nele pecado oculto. Aos justos, ensinava Bildade, Deus não faz outra coisa senão cumular-lhe de bens e de riquezas. Este tipo de teologia falaciosa é ainda pregado hoje, com uma nova roupagem, mas com o mesmo pensamento distorcido sobre Deus, pensamento este, aliás, que o Senhor disse não lhe ser agradável (Jó 42:8).

Também, trataremos da contraposição que Bildade fez do caráter de Deus com o pecado humano. Segundo ele, se Deus é santo e justo Ele não compactua com o pecado oculto de uma pessoa; esta doutrina é constatada ao longo de toda a Escritura, entretanto, ao analisar o Livro de Jó, vemos que ela não se aplica ao patriarca Jó, pois ele nada tinha para esconder. Quando há sofrimento não se quer dizer que há pecado oculto.

Em terceiro lugar, analisaremos a tese de Bildade ao afirmar que Deus é um ser muito distante e que, devido a sua onipotência e grandeza, está muito longe do mortal; ou seja, Deus é um ser transcendente, mas não imanente. Já explicamos na Aula anterior que Deus é transcendente e imanente, ou seja, a despeito de habitar nas alturas mais insondáveis, e apesar de infinito e imenso, não permanece alheio às suas criaturas.

I. O PECADO EM CONTRASTE COM O CARÁTER JUSTO E SANTO DE DEUS

Neste tópico, trataremos do primeiro discurso de Bildade (Jó 8:1-22). Aqui, percebe-se que Bildade tinha uma posição muito parecida com a de Elifaz, personagem que estudamos na Aula anterior. No entanto, seu método de raciocínio e sua forma de se aproximar de Jó eram diferentes.

Bildade usou a corrente de pensamento geral de Jó e procurou contestar as conclusões de seu amigo. Jó declarou que a sua causa era justa (Jó 6:29,30). Isso deixou transparecer que Deus era injusto. Jó também havia argumentado amargamente que a vida do homem é modelada cruelmente pelas pressões insuportáveis colocadas sobre ele por um Deus indiferente e inacessível (Jó 7:1-7, 17,18). Diante dessas duas acusações, Bildade declarou que Deus é absolutamente justo – tanto que ele recompensa o reto e pune o ímpio. Bildade apoiou sua posição nas tradições dos seus ancestrais. (1)

1. Deus é justo e reto

Bildade afirmou que Deus é justo e reto (Jó 8:1-7). Após acusar Jó de vociferar palavras irresponsáveis, Bildade defendeu a justiça de Deus em punir o perverso e recompensar o justo (Jó 8:2,3), e como Deus não era injusto, então, Jó deveria reconhecer o seu pecado, pois ele estava sendo terrivelmente afligido:

Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:

Até quando falarás tais coisas, e as razões da tua boca serão qual vento impetuoso?

Porventura, perverteria Deus o direito, e perverteria o Todo-Poderoso a justiça?

Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mão da sua transgressão.

Mas, se tu de madrugada buscares a Deus e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia,

se fores puro e reto, certamente, logo despertará por ti e restaurará a morada da tua

justiça.
O teu princípio, na verdade, terá sido pequeno, mas o teu último estado crescerá em extremo.

Essa teologia de Bildade pode ser classificada em duas esferas: a dos maus e a dos bons. Além disso, afirmou, com tremenda indelicadeza, que os filhos de Jó morreram porque pecaram contra Deus. Na verdade, o texto não apresenta nenhuma prova disso, e, mesmo que houvesse, seria crueldade dizer isso a um homem nas condições de Jó, cheio de sofrimento e tristeza. Que dura afirmação ao patriarca, que não se cansava de interceder por eles, mas que jamais tivera conhecimento de algum pecado praticado por eles.

Diz-nos o texto sagrado que Jó se levantava de madrugada e intercedia pelos filhos em caráter preventivo, antes que soubesse de qualquer falta que eles pudessem ter cometido (Jó 1:5), além de santificá-los ao término da série de banquetes, preocupação que era prosseguimento de uma vida de instrução, pois, na infância, havia levado seus filhos à presença do Senhor (Jó 29:5). Vemos, pois, que, enquanto o patriarca tinha uma contínua preocupação com seus filhos, Bildade estava fazendo uso da desgraça para acusar-lhes de pecado, nem mesmo respeitando o luto ou a memória dos falecidos. Essa teologia de Bildade olhava apenas para aparência, que não se preocupava em saber a realidade das coisas; uma teologia acusadora, não uma teologia consoladora e confortadora; uma teologia do dedo em riste, não do ombro amigo. Como temos nos portado com relação aos nossos semelhantes: como Bildade ou como Jó?

Bildade ainda deu uma daqueles religiosos puritanos e narcisistas religiosos que gostam de dar doutrina com base em sua experiência própria adquirida pelo achismo e pela tradição; ele exortou que, se Jó buscasse a Deus, reconhecesse o seu pecado e pedisse misericórdia, ainda haveria esperança de restauração, e assim Jó poderia desfrutar novamente do favor de Deus (Jó 8:5,6). O ponto de vista de Bildade não é a graça que flui de Deus, mas o esforço humano que, por mérito próprio, pretende se justificar diante de Deus. Esta é uma teologia que destaca uma meritocracia humana no processo de justificação diante de Deus.

2. Uma compreensão limitada da natureza de Deus

Segundo a doutrina de Bildade, pecado é a única causa para que os males venham à vida do justo. Segundo ele, o justo sempre terá tudo o que quiser, nenhum mal lhe sobrevirá. Este tipo de ensino pode ter sua lógica perfeita, mas que é uma falácia total.

 "Se fores puro e reto, certamente logo despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça. O teu princípio, na verdade, terá sido pequeno, mas o teu último estado crescerá em extremo"(Jó 8:6,7).

Era este o pensamento de Bildade: a prosperidade segue apenas os que são justos, e a prova da justiça diante de Deus é a posse de um estado de riquezas. Bildade apela para a história a fim de provar a relação entre a prática do mal e a retribuição divina, mencionando que, do mesmo modo que o junco morre se não houver água, assim acontece aos ímpios e hipócritas (Jó 8:1-13). Segundo Bildade, Deus rejeita os malfeitores e acolhe os justos, a quem lhe agrada encher de bênçãos. Entretanto, esta ideia de Bildade é totalmente negada no livro de Jó.

Jó perdera tudo, mas não tinha pecado; muito pelo contrário, enquanto se encontrava nesse estado de penúria, agradou a Deus, a ponto de o Senhor ter mandado os seus amigos irem até Jó para fazer sacrifícios em favor deles e que Jó orasse por eles, pois só ele havia mantido a sua integridade (Jó 42:8,9). Ao término da prova, Jó recebeu o dobro do que possuía antes. Seu último estado foi maior que o primeiro (Jó 42:12), mas não porque tivesse se arrependido de algum pecado, como insinuou nesciamente Bildade, mas porque ele se manteve fiel, apesar da pobreza absoluta que enfrentava.

Para Bildade, o homem que se esquecer de Deus é o que terá interrompida a sua prosperidade sobre a terra, assim como a erva que se seca (Jó 8:11-13). O esquecimento de Deus, a hipocrisia no relacionamento com o Senhor seriam a fonte da perda de solidez na vida de alguém, razão pela qual perderia o homem a sua casa (Jó 8:15), e a sua esperança ficaria frustrada e a sua confiança passaria a ser como uma teia de aranha (Jó 8:14). Segundo este raciocínio, os bens que alguém possua são uma decorrência direta do relacionamento do seu proprietário com o Senhor; mas, efetivamente, isto não é, em absoluto, a realidade revelada por Deus em Sua Palavra. Tem razão, portanto, o Pr. José Gonçalves ao afirmar que “Bildade traz consigo uma compreensão incompleta e limitada da natureza de Deus, o que faz com que ele pense que o sofrimento de Jó seja a consequência de um pecado oculto”.

3. A imperfeição humana

Em resposta à teoria de Bildade, Jó pergunta: “como pode o homem ser justo para com Deus?” (Jó 9:2). Jó está afirmando que o ser humano é imperfeito, e isto o impossibilita de aproximar-se de Deus. Assim sendo, a autojustificação não passa de presunção declarada. Ele disse:

Ainda que me lave com água de neve, e purifique as minhas mãos com sabão, mesmo assim me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominarão” (Jó 9:30,31).

Quando Jó perguntou - “como pode o homem ser justo para com Deus?” (Jó 9:2), não estava se referindo ao caminho da salvação, mas expressando seu desespero para tentar provar sua inocência diante de um Deus perfeito e justo. É loucura contender com o Senhor, pois ninguém lhe poderá responder “nem a uma de mil coisas” (Jó 9:3). O Senhor é soberano, sábio e grande em poder, conforme se percebe no controle que exerce sobre os “montes, a terra, o sol, as estrelas, o mar”, além de outras “maravilhas tais, que não se podem contar” (Jó 9:5-10).

Portanto, Deus está bem acima do ser humano; não há como querer comparar o Criador com a Sua criação (Jó 9:3-14). Se Deus está acima do ser humano e este não tem como justificar-se diante de Deus, como, então, saberemos o que é justiça e o que é direito, a fim de podermos dizer, como Bildade, de que a derrocada material de alguém está relacionada com sua hipocrisia ou com sua falta de autenticidade na sua fé? Tomar o progresso material como uma evidência de que a pessoa está em comunhão com Deus, como, milênios depois, alguns seguimentos do cristianismo defendem, é um equívoco muito grande, pois seria desconsiderar a supremacia de Deus em relação ao homem, homem que não tem condição alguma de contender com o Senhor (Jó 9:3).

Jó afirmou que, ainda que fosse justo, ele apenas pediria misericórdia ao Juiz, que é Deus, o único que pode julgar o ser humano. Este mesmo pensamento vemos em Tiago, que nos manda abstermo-nos de julgarmos o irmão (Tg.4:11,12). Observemos que Jó, apesar de ser apontado como sendo um dos três homens que, por sua justiça, salvar-se-iam de calamidades sobre a terra (Ez.14:14-20), não ousava colocar-se entre aqueles que poderiam, pelos bens que possuíssem, determinar-lhes a santidade. Portanto, os adeptos da teoria teológica de Bildade, ou seja, os teólogos da prosperidade material, invocam uma posição que não possuem, a de juízes da santidade alheia. São, portanto, usurpadores de uma atribuição que é exclusivamente de Deus.

Jó afirmou, com veemência, que Deus permite que o ímpio tenha prosperidade material sobre a face da Terra (Jó 9:24) e que isto decorre de permissão divina, pois Deus é o único Senhor, não tendo quem possa exigir-lhe contas (Jó 9:32). Nessa sua resposta à acusação materialista de Bildade, Jó traz a necessidade de uma reconciliação entre Deus e o homem, através de um mediador, alguém que pudesse mudar o destino cruel da humanidade, que nada tinha que ver com a posse de bens, mas com a necessidade de uma nova comunhão entre Deus e o ser humano:

“Não há entre nós árbitro que ponha a mão sobre nós ambos” (Jó 9:33).

Nesta sua resposta à teoria da prosperidade de Bildade, o patriarca Jó apresentou, ainda que sem consciência, como figura, a pessoa de Cristo, que, como mostra este texto, nada tem que ver com a prosperidade material do ser humano.

II. O PECADO VISTO COMO QUEBRA DA MORALIDADE TRADICIONAL

Neste tópico trataremos do segundo discurso de Bildade e a resposta de Jó (Jó 18:1-21).

1. Moralismo por tradição

“Então, respondeu Bildade, o suíta: Até quando andarás à caça de palavras? Considera bem, e, então, falaremos. Por que somos reputados por animais, e aos teus olhos passamos por curtos de inteligência? Oh! Tu, que te despedaças na tua ira, será a terra abandonada por tua causa? Remover-se-ão as rochas do seu lugar? Na verdade, a luz do perverso se apagará, e para seu fogo não resplandecerá a faísca; a luz se escurecerá nas suas tendas, e a sua lâmpada sobre ele se apagará” (Jó 18:1-6).

Neste segundo discurso, Bildade também está comprometido na defesa da moralidade que ele acredita ser a correta. Ele posiciona-se na defesa da moral tradicional. Há um conteúdo ético embutido por trás dos seus argumentos de que a luz dos ímpios se apagará – “Na verdade, a luz dos ímpios se apagará, e a faísca do seu lar não resplandecerá” (Jó 18.5). Bildade posicionou-se em defesa da moralidade que herdara dos antepassados. Não há dúvida de que o rigorismo ético não está presente apenas no discurso de Bildade, mas também pode ser encontrado em outras partes do Antigo Testamento.

Nos dias de Jó, evidentemente havia uma tradição com forte conteúdo moral. Os valores éticos eram cultivados e passados de pai para filho. O capítulo 18 mostra Bildade acusando Jó de tentar subverter essa moralidade tradicional. Bildade entendia que Jó, ao defender-se, não reconhecendo que havia pecado, estava contra o fluxo da história. Ele acreditava que a punição dos maus e a recompensa dos bons era uma verdade inquestionável e inegociável. Por outro lado, Jó estava consciente de que não possuía nenhuma justiça própria e, por isso, sabia que precisava de um mediador ou intercessor (Jó 19.21-24). Ele não quis mais se auto justificar. Ele tinha consciência inabalável de que somente Deus é justo e puro. Ele sabia que o seu “Redentor vive” e que, por fim, atenderia ao seu clamor. (2)

Nesse seu discurso, Bildade voltou a afirmar que Jó era enganoso em seus argumentos, que apresentava artifícios ao invés de palavras (Jó 18:2), imputando ao discurso do patriarca os vícios do seu próprio discurso, pois as considerações de Jó estavam baseadas em fatos, enquanto que Bildade prendia-se a supostos ensinamentos antigos (Jó 8:8-10), mencionados, mas não demonstrados (e aqui vemos como Bildade agia como Elifaz, buscando o famoso argumento da autoridade da tradição), para dali tirar conclusões que não tinham qualquer confirmação histórica ou fática.

Bildade iniciou seu discurso procurando menosprezar a pessoa de Jó diante de Deus, querendo fazer-lhe crer que ele nada significava, ante a sua pequenez, para o Criador (Jó 18:4). Esta ideia de um Deus distante e indiferente, que não se importa com o homem, constitui um traço do "deísmo", uma outra característica dos discursos dos amigos de Jó, principalmente Bildade. Mais uma vez, observamos que a teoria de Bildade está desmentida cabalmente nas Escrituras Sagradas, pois Deus observava de perto o patriarca Jó, a ponto de considerá-lo o homem mais excelente de seu tempo (cf. Jó 1:8). Indubitavelmente, para um teólogo da prosperidade material, alguém que está na miséria como estava Jó não deve mesmo valer coisa alguma; mas, tal critério de avaliação não é o critério divino, pois, neste passo, Jesus foi bem enfático: "a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui” (Lc.12:15).

2. A subversão da ordem moral

Continuando o seu discurso, como setas inflamadas, que atingiam o atribulado Jó, Bildade não media esforços para difamar ainda mais o caráter de Jó. Para ele, as desgraças incididas sobre Jó era por causa da quebra da moralidade estabelecida. Bildade entendia que o universo é controlado por leis morais inabaláveis, e que Jó subverteu essa ordem moral ao pecar contra Deus, e que escondia esse pecado cometido; por causa disso, vieram sobre ele consequências deletérias. Segundo esse entendimento de Bildade, ser justo é se adequar à dinâmica dessas leis morais; logo, achar que os ímpios prosperam é mera ilusão. “No seu entendimento, a prosperidade dos maus assemelha-se as raízes de uma árvore que foram cortadas, cujos ramos, embora mantenham a aparência de verdor por algum tempo, necessariamente murcharão (Jó 18:12-16). Ao não reconhecer isso, Jó estaria tentando subverter a ordem moral aceita”.

Bildade é enfático ao dizer que o ímpio, e não o justo, é quem sofre sobre a face da Terra. Ele repete o refrão de que os perversos cairão “na rede” de seus próprios pecados e, em seguida, fornece uma lista das desgraças que sobrevém ao lar dos pecadores (Jó 18:5-21). Ele diz que o ímpio terá a sua luz apagada, que terá seu lar destruído, que ocasionará a sua ruína pelos seus próprios passos e caminhos, que terá doenças, será arrancado da sua tenda e será levado até a presença do "rei dos terrores"(Jó 18:5-15), sua memória perecerá na terra, as praças não terão o seu nome e nem mesmo sequer terá descendência, tudo isto porque não conheceu Deus (Jó 18:16-21). Bildade estava certo sobre os homens sofrerem por causa de seus pecados, porém, errado ao aplicar esse princípio no caso de Jó, pois nem todo sofrimento é resultado direto do pecado individual.

Em sua resposta a este segundo discurso, Jó denunciou que Bildade só fazia entristecer a alma de seu ouvinte (Jó 19:2); que seu discurso era despido de amor e de compaixão, não sendo este o tipo de discurso que deve provir da boca de um servo de Deus (2Co.1:4; 1Ts.5:14). Jó, antes de sua prova, bem ao contrário, era portador de mensagens confortadoras e consoladoras (Jó 29:11,21,22). Como tem sido o nosso discurso com relação aos nossos semelhantes?

Jó voltou a afirmar que estava sofrendo uma provação da parte de Deus e que sua maior aflição não era o fato de ter perdido bens, ou mesmo os filhos, mas de sentir abandonado pelo Senhor, perdendo toda a esperança (Jó 19:6-12). Afirmou que estava incompreendido pelos próprios semelhantes seus e, a começar de sua mulher e de seus servos e criados, ninguém mais lhe honrava nem sequer admitia a sua companhia (Jó 19:13-19). Jó encontrava-se em total solidão. Assim se lamentando, Jó mostrou haver bens maiores do que as coisas materiais. Revelou a Bildade que as coisas materiais não são o Norte nem o critério para se avaliar a vida de alguém e que há valores muito mais importantes do que as riquezas ou as finanças na vida de um ser humano. O que mais deixava Jó triste era a falta de compaixão de seus amigos e a observação superficial e materialista que estava sendo feita por eles, a ponto de, insensíveis, começarem a acusá-lo, ao invés de a ele se ajuntarem (Jó 19:21-24).

3. Contemplando a cruz

Diante das acusações inflamadas do seu amigo, Jó, mais uma vez, dirigiu-se diretamente a Deus e, contra a preocupação de Bildade a respeito da falta de prosperidade material, ele apresentou uma esperança que superava a dimensão desta vida terrena. Nada mais possuía Jó, nem mesmo o desejo de viver doente e abandonado por todos, mas algo não lhe havia sido tirado: a certeza de que seu Deus era um Redentor e que Ele vivia e que, por fim, se levantaria sobre a terra e, mesmo depois de consumida a sua pele, na sua própria carne ele ainda veria a Deus (Jó 19:25-27).

“Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim”.

Com estas palavras, Jó não quis mais se defender diante dos seus amigos; ele abandona toda instância humana e apela para um eficiente mediador (redentor), alguém totalmente justo, que vai ficar entre ele e Deus, e que defenderá sua causa. É aí que ele tem uma visão da cruz: “Eu sei que meu redentor vive” (Jó 19:25).

Note o objeto da esperança de Jó: “verei a Deus”. Em vez de dizer “verei as ruas de ouro, os muros de jaspe, as portas de pérolas”, Jó diz “verei a Deus”. Essa é a essência e o significado do Céu; essa é a verdadeira esperança de todos os crentes.

O fato de Jó dizer que veria a Deus em sua própria carne depois da morte é uma firme indicação da ressurreição física, doutrina não muita difundida no Antigo Testamento, porém aceita como padrão pelos crentes judeus que viviam na época de Cristo.

No primeiro discurso de Bildade, Jó já avistara a necessidade de um mediador entre Deus e os homens. Agora, numa nova demonstração de uma consciência que está muito além da prata e do ouro perecíveis desta terra, o patriarca falou da esperança da ressurreição, da certeza de que Deus não é o Deus distante de seus amigos, mas um Deus que quer redimir o homem, que quer resgatá-lo, que quer livrá-lo e que, no tempo determinado, levantar-se-á sobre a terra para fazer justiça, justiça essa que não é aquilatada pelo que os homens tenham ou deixem de ter, como imaginava Bildade (e, hoje, como imagina os populares pregadores da prosperidade), mas por aquilo que está reservado para a plenitude dos tempos, o acerto de contas de todo o universo com o Criador.

Jó não estava interessado nos bens que havia perdido, pois ele sabia que, embora nada mais tivesse, uma coisa possuía que não lhe havia sido tirada: a certeza da salvação e de que, no momento aprazado por Deus, contemplaria, ressurreto, o seu Senhor vencendo toda a oposição e estabelecendo, de forma plena, a comunhão com o ser humano.

Consciente desta certeza de salvação, Jó, de forma ousada e direta, dirigiu-se a Bildade e aos demais amigos e os censurou. Ele insinuou que ao invés de acusarem o semelhante, ao invés de dizerem que deveria confessar um pecado inexistente, para que pudesse voltar a ser rico, deveria cada um verificar como estava diante de Deus, pois chegará o juízo divino sobre cada um e, nesse juízo, pouco importará o ouro ou a prata que alguém possa ter angariado nesta vida (Jó 19:28,29).

Qual tem sido a preocupação dos crentes nos nossos dias? Ter o carro do ano? Ter cada vez mais casas e empresas? Multidões têm ido buscar a Jesus com o intuito de enriquecerem e de serem prósperos. Mas, será que têm pensado no juízo que se seguirá à morte de cada um (cf. Hb.9:27)? Será que os crentes estão preparados para encontrar-se com o Senhor no dia do arrebatamento?

Lamentavelmente, poucos têm sido aqueles que têm seguido a ordem de prioridades do patriarca Jó, que falava o que era correto a respeito do caráter e dos propósitos de Deus. Muitos crentes têm se comportado como Ananias e Safira, que perderam a salvação porque quiseram dar prioridade às coisas materiais em detrimento do serviço a Deus (cf.At.5:1-11). Ainda é tempo de acordarmos e de observarmos que devemos buscar o reino de Deus e a sua justiça e que as demais coisas nos serão acrescentadas (Mt.6:33). (3)

III. O PECADO EM CONTRASTE COM A MAJESTADE DE DEUS

Neste tópico trataremos do terceiro discurso de Bildade (Jó 25:1-6). Aparentemente, compreendendo que não adiantava dizer muita coisa, Bildade apenas tentou desenvolver dois temas: a grande de Deus (Jó 25:1-3) e a insignificância de Jó (Jó 25:4-6).

1.Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:

2.Com ele estão domínio e temor; ele faz paz nas suas alturas.

3.Porventura, têm número os seus exércitos? E para quem não se levanta a sua luz?

4.Como, pois, seria justo o homem perante Deus, e como seria puro aquele que nasce da mulher?

5.Olha, até a lua não resplandece, e as estrelas não são puras aos seus olhos.

6.E quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um bicho!

Neste discurso, extremamente breve, Bildade limitou-se a dizer que o homem não pode ser considerado justo diante de Deus e que o homem é como um verme, como um bicho diante de Deus. Ele exaltou a grandeza de Deus, mas defendeu um abismo intransponível entre o Criador e a criatura.

1. A grandeza de Deus

Bildade destacou a onipotência divina e rebaixou Jó (Jó 25:1-6). Não há nada de errado defender a majestade do Altíssimo, todavia, Bildade, nesta sua maneira de exaltar a Onipotência de Deus, criou um abismo que não existe entre a criatura e o Criador, teoria defendida pelo segmento deísta, que defende a seguinte doutrina: “Deus criou o mundo, mas ausentou-se dele”. Esta é uma doutrina que não tem nenhum amparo nas Escrituras Sagradas. Como já dissemos, Deus é transcendente e imanente.

Jó anunciou, uma vez mais, ao contraditório de Bildade, a supremacia de Deus e quão longínquo está a dimensão divina da dimensão humana (Jó 26:5-14). Alertou seu amigo de que não podemos ousar determinar quais são os pensamentos ou os caminhos do Senhor, pois Ele habita numa dimensão totalmente diversa da nossa, tendo sob Seu controle os mortos, o inferno, suspendendo a terra sobre o nada (uma tremenda revelação que a ciência dos homens somente teria condições de admitir e conceituar milênios mais tarde). Diante de tamanha grandeza, diz o patriarca, "quem, pois, entenderia o trovão do Seu poder?" (Jó 26:14b).

É interessante observar que a teologia da prosperidade de Bildade, que somente contempla esta vida terrena, acabou instigando o patriarca a considerações tão elevadas que seus próprios argumentos serão utilizados pelo próprio Deus quando este, pela Sua infinita misericórdia, cessar o Seu silêncio e iniciar aquele maravilhoso inquérito que precede o término da provação de Jó, que estudaremos na Aula nº 12.

2. Onipotente, mas não ausente

Em seu discurso, Bildade enfatizou, mais uma vez, o que considerou ser a insignificância do homem diante de Deus. Segundo ele, se nem mesmo a lua e as estrelas são puras aos olhos de Deus (Jó 25:5), que esperança há para o homem, que não passa de “verme”? (Jó 25:6). Apesar de palavras bonitas e verdadeiras, foram pronunciadas sem amor, e por causa disso, Bildade falhou em ministrar às necessidades de Jó. Como afirma o pr. José Gonçalves, “Deus não deve ser visto apenas em sua força, mas, sobretudo, por seu amor. Ele nunca exaltou seu poder e grandeza acima do seu amor. Diferentemente do conceito apresentado por Bildade, o Deus que a Bíblia apresenta é poderoso e glorioso, mas, principalmente, misericordioso e gracioso”.

Bildade exaltou a Onipotência de Deus, mas a despeito de Sua grandeza, Ele não está ausente da Sua criação. Como já dissemos na Introdução, Deus é transcendente e imanente, ou seja, a despeito de habitar nas alturas mais insondáveis, e apesar de infinito e imenso, não permanece alheio às suas criaturas.

Em sua resposta ao discurso de Bildade, Jó denunciou que o discurso de seu amigo não tinha origem em Deus. Discernindo bem os ensinamentos trazidos pela teologia da prosperidade, o patriarca negou que ele pudesse ter sido originado em Deus, pois não tinha ele um propósito construtivo, mas meramente acusatório e, certamente, sem edificação. Para tanto, usou de ironia (Jó 26:2,3):

“Como ajudaste aquele que não tinha força e sustentaste o braço que não tinha vigor! Como aconselhaste aquele que não tinha sabedoria e plenamente lhe fizeste saber a causa, assim como era!”.

Jó afirmou não desconhecer que a justiça divina, a seu tempo, será feita e que o ímpio sofrerá a retribuição pelo mal que cometer, mas isto não significa que o justo não possa sofrer tribulações. Na eternidade não há riqueza que poderá salvar o rico e, portanto, a prosperidade material que o pecador tenha nesta vida em coisa alguma altera o caráter moral do Todo-poderoso (Jó 27:11-23). Assim, não é com valores terrenos ou riquezas materiais que podemos entender e enxergar a comunhão de alguém com o Senhor.

Jó declarou a Bildade que continuaria submisso ao Senhor e que sua fé não dependia da sua prosperidade material:

"Enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus no meu nariz, não falarão os meus lábios iniquidade, nem a minha língua pronunciará engano” (Jó 27:3,4); “ (…) à minha justiça me apegarei e não a largarei (Jó 27:6a)".

Que palavras bem diferentes daquelas dos adeptos da doutrina da confissão positiva, prima-irmã da teologia da prosperidade, que "determinam", "declaram", "decretam" bênçãos e que ameaçam ao Senhor para que, de imediato, cumpra os seus desejos e caprichos, sob pena de desmoralização e de abandono da fé, como se Deus fosse um empregado qualificado, um almoxarife, pronto a servir os crentes.

CONCLUSÃO

Nesta Aula tratamos dos três discursos de Bildade contra o seu amigo Jó:

-Em seu primeiro discurso, Bildade ficou transtornado porque Jó ainda se dizia inocente, enquanto questionava a justiça de Deus. O argumento de Bildade foi este: Deus não podia ser injusto, e Deus não puniria um homem justo; assim sendo, Jó deveria ser injusto. Bildade erroneamente presumiu que as pessoas sofriam apenas como resultado dos seus pecados.

-Em seu segundo discurso, Bildade pensou que sabia como funcionava o universo, e viu Jó como uma ilustração das consequências do pecado. Bildade rejeitou o lado de Jó na história, porque este não se encaixava em sua opinião sobre a vida. É fácil condenarmos Bildade, pois seus erros são óbvios, no entanto, infelizmente, costumamos agir da mesma forma quando nossas ideias são ameaçadas.

-Em seu terceiro discurso, Bildade ignorou os exemplos de Jó sobre a prosperidade do perverso. Em vez de tentar contestar Jó, Bildade acusou-o de orgulho, por afirmar que o seu sofrimento não era resultado de qualquer pecado. Jó nunca alegou ser isento de pecados, mas que o seu pecado não poderia ter causado tamanho infortúnio.

Cada um dos discursos de Bildade pôs em destaque a sua teoria teológica baseada na tradição religiosa. Em cada um dos tais, ele manifestou que não cria na inocência de Jó e, por isso, atribuiu o seu sofrimento à existência do pecado. Pasmem, a teoria de Bildade ainda continua em pleno vigor em diversos seguimentos do cristianismo. Que Deus nos proteja!

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Luciano de Paula Lourenço – EBD/IEADTC

Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com

Referências Bibliográficas:

Bíblia de Estudo Pentecostal.

Bíblia de estudo – Aplicação Pessoal.

Bíblia de Estudo – Palavras Chave – Hebraico e Grego. CPAD

Comentário Bíblico popular (Antigo e Novo Testamento) - William Macdonald.

Comentário Bíblico Pentecostal. CPAD.

Comentário do Novo Testamento – Aplicação Pessoal. CPAD.

Hernandes Dias Lopes. Neemias – As teses de Satanás.

Comentário Bíblico Beacon. CPAD.

Comentário Bíblico NVI – EDITORA VIDA.

Pr. Caramuru Afonso Francisco. Elifaz e a Teologia do Relacionamento Mercantil com Deus. Portalebd_2003.

(1). Milo L. Chapman. Comentário Bíblico Beacon.

(2). Pr. José Gonçalves. A fragilidade humana e a Soberania Divina. CPAD.

(3). Caramuru Afonso Francisco. Bildade e a Teologia da Prosperidade. PortalEBD.2003.