4º Trimestre/2020
Texto Base: Jó 8.1-4; Jó 18.1-4; 25.1-6
“Se teus filhos pecaram contra ele, também ele
os lançou na mão da sua transgressão” (Jó 8:4).
Jó 8:
1.Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:
2.Até quando falarás tais coisas, e as razões da tua boca serão qual
vento impetuoso?
3.Porventura, perverteria Deus o direito, e perverteria o Todo-Poderoso a
justiça?
4.Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mão da sua
transgressão.
Jó 18:
1.Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:
2.Até quando usareis artifícios em vez de palavras? Considerai bem, e,
então, falaremos.
3.Por que somos tratados como animais, e como imundos aos vossos olhos?
4.Ó tu, que despedaças a tua alma na tua ira, será a terra deixada por
tua causa? Remover-se-ão as rochas do seu lugar?
Jó 25:
1.Então, respondeu Bildade, o suíta, e disse:
2.Com ele estão domínio e temor; ele faz paz nas suas alturas.
3.Porventura, têm número os seus exércitos? E para quem não se levanta a
sua luz?
4.Como, pois, seria justo o homem perante Deus, e como seria puro aquele
que nasce da mulher?
5.Olha, até a lua não resplandece, e as estrelas não são puras aos seus
olhos.
6.E quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um
bicho!
INTRODUÇÃO
Nesta Aula trataremos da teologia de Bildade, amigo de Jó. Sua teologia não era muito diversa da de
Elifaz, que afirmava que Jó deixara de ter prosperidade material porque havia
nele pecado oculto. Aos justos, ensinava Bildade, Deus não faz outra coisa
senão cumular-lhe de bens e de riquezas. Este tipo de teologia falaciosa é ainda
pregado hoje, com uma nova roupagem, mas com o mesmo pensamento distorcido
sobre Deus, pensamento este, aliás, que o Senhor disse não lhe ser agradável (Jó 42:8).
Também, trataremos da contraposição que
Bildade fez do caráter de Deus com o pecado humano. Segundo ele, se Deus é
santo e justo Ele não compactua com o pecado oculto de uma pessoa; esta
doutrina é constatada ao longo de toda a Escritura, entretanto, ao analisar o
Livro de Jó, vemos que ela não se aplica ao patriarca Jó, pois ele nada tinha
para esconder. Quando há sofrimento não se quer dizer que há pecado oculto.
Em terceiro lugar, analisaremos a tese de
Bildade ao afirmar que Deus é um ser muito distante e que, devido a sua
onipotência e grandeza, está muito longe do mortal; ou seja, Deus é um ser
transcendente, mas não imanente. Já explicamos na Aula anterior que Deus é
transcendente e imanente, ou seja, a despeito de habitar nas alturas mais
insondáveis, e apesar de infinito e imenso, não permanece alheio às suas
criaturas.
I. O PECADO EM CONTRASTE COM O CARÁTER JUSTO E SANTO DE DEUS
Neste tópico, trataremos do primeiro discurso
de Bildade (Jó 8:1-22). Aqui, percebe-se que Bildade tinha uma posição muito
parecida com a de Elifaz, personagem que estudamos na Aula anterior. No
entanto, seu método de raciocínio e sua forma de se aproximar de Jó eram
diferentes.
Bildade usou a corrente de pensamento geral de
Jó e procurou contestar as conclusões de seu amigo. Jó declarou que a sua causa
era justa (Jó 6:29,30). Isso deixou transparecer que Deus era injusto. Jó
também havia argumentado amargamente que a vida do homem é modelada cruelmente pelas
pressões insuportáveis colocadas sobre ele por um Deus indiferente e
inacessível (Jó 7:1-7, 17,18). Diante dessas duas acusações, Bildade declarou
que Deus é absolutamente justo – tanto que ele recompensa o reto e pune o
ímpio. Bildade apoiou sua posição nas tradições dos seus ancestrais. (1)
1. Deus é justo e reto
Bildade afirmou que Deus é justo e reto (Jó
8:1-7). Após acusar Jó de vociferar palavras irresponsáveis, Bildade defendeu a
justiça de Deus em punir o perverso e recompensar o justo (Jó 8:2,3), e como
Deus não era injusto, então, Jó deveria reconhecer o seu pecado, pois ele
estava sendo terrivelmente afligido:
Então, respondeu Bildade, o suíta, e
disse:
Até quando falarás tais coisas, e as
razões da tua boca serão qual vento impetuoso?
Porventura, perverteria Deus o direito,
e perverteria o Todo-Poderoso a justiça?
Se teus filhos pecaram contra ele,
também ele os lançou na mão da sua transgressão.
Mas, se tu de madrugada buscares a Deus
e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia,
se fores puro e reto, certamente, logo
despertará por ti e restaurará a morada da tua
justiça.
O teu princípio, na verdade, terá sido pequeno, mas o teu último estado
crescerá em extremo.
Essa teologia de Bildade pode ser classificada
em duas esferas: a dos maus e a dos bons. Além disso, afirmou, com tremenda
indelicadeza, que os filhos de Jó morreram porque pecaram contra Deus. Na
verdade, o texto não apresenta nenhuma prova disso, e, mesmo que houvesse,
seria crueldade dizer isso a um homem nas condições de Jó, cheio de sofrimento
e tristeza. Que dura afirmação ao patriarca, que não se cansava de interceder
por eles, mas que jamais tivera conhecimento de algum pecado praticado por
eles.
Diz-nos o texto sagrado que Jó se levantava de
madrugada e intercedia pelos filhos em caráter preventivo, antes que soubesse
de qualquer falta que eles pudessem ter cometido (Jó 1:5), além de
santificá-los ao término da série de banquetes, preocupação que era
prosseguimento de uma vida de instrução, pois, na infância, havia levado seus
filhos à presença do Senhor (Jó 29:5). Vemos, pois, que, enquanto o patriarca
tinha uma contínua preocupação com seus filhos, Bildade estava fazendo uso da
desgraça para acusar-lhes de pecado, nem mesmo respeitando o luto ou a memória
dos falecidos. Essa teologia de Bildade olhava apenas para aparência, que não
se preocupava em saber a realidade das coisas; uma teologia acusadora, não uma
teologia consoladora e confortadora; uma teologia do dedo em riste, não do
ombro amigo. Como temos nos portado com relação aos nossos semelhantes: como
Bildade ou como Jó?
Bildade ainda deu uma daqueles religiosos
puritanos e narcisistas religiosos que gostam de dar doutrina com base em sua
experiência própria adquirida pelo achismo e pela tradição; ele exortou que, se
Jó buscasse a Deus, reconhecesse o seu pecado e pedisse misericórdia, ainda
haveria esperança de restauração, e assim Jó poderia desfrutar novamente do
favor de Deus (Jó 8:5,6). O ponto de vista de Bildade não é a graça que flui de
Deus, mas o esforço humano que, por mérito próprio, pretende se justificar diante
de Deus. Esta é uma teologia que destaca uma meritocracia humana no processo de
justificação diante de Deus.
2. Uma compreensão limitada da natureza de Deus
Segundo a doutrina de Bildade, pecado é a
única causa para que os males venham à vida do justo. Segundo ele, o justo
sempre terá tudo o que quiser, nenhum mal lhe sobrevirá. Este tipo de ensino
pode ter sua lógica perfeita, mas que é uma falácia total.
"Se fores puro e reto, certamente logo
despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça. O teu princípio, na
verdade, terá sido pequeno, mas o teu último estado crescerá em
extremo"(Jó 8:6,7).
Era este o pensamento de Bildade: a
prosperidade segue apenas os que são justos, e a prova da justiça diante de
Deus é a posse de um estado de riquezas. Bildade apela para a história a fim de
provar a relação entre a prática do mal e a retribuição divina, mencionando
que, do mesmo modo que o junco morre se não houver água, assim acontece aos
ímpios e hipócritas (Jó 8:1-13). Segundo Bildade, Deus rejeita os malfeitores e
acolhe os justos, a quem lhe agrada encher de bênçãos. Entretanto, esta ideia
de Bildade é totalmente negada no livro de Jó.
Jó perdera tudo, mas não tinha pecado; muito
pelo contrário, enquanto se encontrava nesse estado de penúria, agradou a Deus,
a ponto de o Senhor ter mandado os seus amigos irem até Jó para fazer
sacrifícios em favor deles e que Jó orasse por eles, pois só ele havia mantido
a sua integridade (Jó 42:8,9). Ao término da prova, Jó recebeu o dobro do que
possuía antes. Seu último estado foi maior que o primeiro (Jó 42:12), mas não
porque tivesse se arrependido de algum pecado, como insinuou nesciamente
Bildade, mas porque ele se manteve fiel, apesar da pobreza absoluta que
enfrentava.
Para Bildade, o homem que se esquecer de Deus
é o que terá interrompida a sua prosperidade sobre a terra, assim como a erva
que se seca (Jó 8:11-13). O esquecimento de Deus, a hipocrisia no
relacionamento com o Senhor seriam a fonte da perda de solidez na vida de
alguém, razão pela qual perderia o homem a sua casa (Jó 8:15), e a sua
esperança ficaria frustrada e a sua confiança passaria a ser como uma teia de
aranha (Jó 8:14). Segundo este raciocínio, os bens que alguém possua são uma
decorrência direta do relacionamento do seu proprietário com o Senhor; mas,
efetivamente, isto não é, em absoluto, a realidade revelada por Deus em Sua
Palavra. Tem razão, portanto, o Pr. José Gonçalves ao afirmar que “Bildade traz
consigo uma compreensão incompleta e limitada da natureza de Deus, o que faz
com que ele pense que o sofrimento de Jó seja a consequência de um pecado
oculto”.
3. A imperfeição humana
Em resposta à teoria de Bildade, Jó pergunta:
“como pode o homem ser justo para com Deus?” (Jó 9:2). Jó está afirmando que o
ser humano é imperfeito, e isto o impossibilita de aproximar-se de Deus. Assim
sendo, a autojustificação não passa de presunção declarada. Ele disse:
“Ainda que me lave com água de neve, e
purifique as minhas mãos com sabão, mesmo assim me submergirás no fosso, e as
minhas próprias vestes me abominarão” (Jó 9:30,31).
Quando Jó perguntou - “como pode o homem ser justo para com Deus?” (Jó 9:2), não estava se
referindo ao caminho da salvação, mas expressando seu desespero para tentar
provar sua inocência diante de um Deus perfeito e justo. É loucura contender
com o Senhor, pois ninguém lhe poderá responder “nem a uma de mil coisas” (Jó
9:3). O Senhor é soberano, sábio e grande em poder, conforme se percebe no
controle que exerce sobre os “montes, a terra, o sol, as estrelas, o mar”, além
de outras “maravilhas tais, que não se podem contar” (Jó 9:5-10).
Portanto, Deus está bem acima do ser humano;
não há como querer comparar o Criador com a Sua criação (Jó 9:3-14). Se Deus
está acima do ser humano e este não tem como justificar-se diante de Deus,
como, então, saberemos o que é justiça e o que é direito, a fim de podermos
dizer, como Bildade, de que a derrocada material de alguém está relacionada com
sua hipocrisia ou com sua falta de autenticidade na sua fé? Tomar o progresso
material como uma evidência de que a pessoa está em comunhão com Deus, como,
milênios depois, alguns seguimentos do cristianismo defendem, é um equívoco
muito grande, pois seria desconsiderar a supremacia de Deus em relação ao
homem, homem que não tem condição alguma de contender com o Senhor (Jó 9:3).
Jó afirmou que, ainda que fosse justo, ele
apenas pediria misericórdia ao Juiz, que é Deus, o único que pode julgar o ser
humano. Este mesmo pensamento vemos em Tiago, que nos manda abstermo-nos de
julgarmos o irmão (Tg.4:11,12). Observemos que Jó, apesar de ser apontado como
sendo um dos três homens que, por sua justiça, salvar-se-iam de calamidades
sobre a terra (Ez.14:14-20), não ousava colocar-se entre aqueles que poderiam,
pelos bens que possuíssem, determinar-lhes a santidade. Portanto, os adeptos da
teoria teológica de Bildade, ou seja, os teólogos da prosperidade material,
invocam uma posição que não possuem, a de juízes da santidade alheia. São,
portanto, usurpadores de uma atribuição que é exclusivamente de Deus.
Jó afirmou, com veemência, que Deus permite
que o ímpio tenha prosperidade material sobre a face da Terra (Jó 9:24) e que
isto decorre de permissão divina, pois Deus é o único Senhor, não tendo quem
possa exigir-lhe contas (Jó 9:32). Nessa sua resposta à acusação materialista
de Bildade, Jó traz a necessidade de uma reconciliação entre Deus e o homem,
através de um mediador, alguém que pudesse mudar o destino cruel da humanidade,
que nada tinha que ver com a posse de bens, mas com a necessidade de uma nova
comunhão entre Deus e o ser humano:
“Não há entre nós árbitro que ponha a
mão sobre nós ambos” (Jó 9:33).
Nesta sua resposta à teoria da prosperidade de
Bildade, o patriarca Jó apresentou, ainda que sem consciência, como figura, a
pessoa de Cristo, que, como mostra este texto, nada tem que ver com a
prosperidade material do ser humano.
II. O PECADO VISTO COMO QUEBRA DA MORALIDADE TRADICIONAL
Neste tópico trataremos do segundo discurso de
Bildade e a resposta de Jó (Jó 18:1-21).
1. Moralismo por tradição
“Então, respondeu Bildade, o suíta: Até
quando andarás à caça de palavras? Considera bem, e, então, falaremos. Por que
somos reputados por animais, e aos teus olhos passamos por curtos de
inteligência? Oh! Tu, que te despedaças na tua ira, será a terra abandonada por
tua causa? Remover-se-ão as rochas do seu lugar? Na verdade, a luz do perverso
se apagará, e para seu fogo não resplandecerá a faísca; a luz se escurecerá nas
suas tendas, e a sua lâmpada sobre ele se apagará” (Jó 18:1-6).
Neste segundo discurso, Bildade também está
comprometido na defesa da moralidade que ele acredita ser a correta. Ele
posiciona-se na defesa da moral tradicional. Há um conteúdo ético embutido por
trás dos seus argumentos de que a luz dos ímpios se apagará – “Na verdade, a luz dos ímpios se apagará, e a
faísca do seu lar não resplandecerá” (Jó 18.5). Bildade posicionou-se em
defesa da moralidade que herdara dos antepassados. Não há dúvida de que o
rigorismo ético não está presente apenas no discurso de Bildade, mas também
pode ser encontrado em outras partes do Antigo Testamento.
Nos dias de Jó, evidentemente havia uma
tradição com forte conteúdo moral. Os valores éticos eram cultivados e passados
de pai para filho. O capítulo 18 mostra Bildade acusando Jó de tentar subverter
essa moralidade tradicional. Bildade entendia que Jó, ao defender-se, não
reconhecendo que havia pecado, estava contra o fluxo da história. Ele
acreditava que a punição dos maus e a recompensa dos bons era uma verdade
inquestionável e inegociável. Por outro lado, Jó estava consciente de que não possuía
nenhuma justiça própria e, por isso, sabia que precisava de um mediador ou
intercessor (Jó 19.21-24). Ele não quis mais se auto justificar. Ele tinha
consciência inabalável de que somente Deus é justo e puro. Ele sabia que o seu
“Redentor vive” e que, por fim, atenderia ao seu clamor. (2)
Nesse seu discurso, Bildade voltou a afirmar
que Jó era enganoso em seus argumentos, que apresentava artifícios ao invés de
palavras (Jó 18:2), imputando ao discurso do patriarca os vícios do seu próprio
discurso, pois as considerações de Jó estavam baseadas em fatos, enquanto que
Bildade prendia-se a supostos ensinamentos antigos (Jó 8:8-10), mencionados,
mas não demonstrados (e aqui vemos como Bildade agia como Elifaz, buscando o
famoso argumento da autoridade da tradição), para dali tirar conclusões que não
tinham qualquer confirmação histórica ou fática.
Bildade iniciou seu discurso procurando
menosprezar a pessoa de Jó diante de Deus, querendo fazer-lhe crer que ele nada
significava, ante a sua pequenez, para o Criador (Jó 18:4). Esta ideia de um
Deus distante e indiferente, que não se importa com o homem, constitui um traço
do "deísmo", uma outra característica dos discursos dos amigos de Jó,
principalmente Bildade. Mais uma vez, observamos que a teoria de Bildade está desmentida
cabalmente nas Escrituras Sagradas, pois Deus observava de perto o patriarca
Jó, a ponto de considerá-lo o homem mais excelente de seu tempo (cf. Jó 1:8).
Indubitavelmente, para um teólogo da prosperidade material, alguém que está na
miséria como estava Jó não deve mesmo valer coisa alguma; mas, tal critério de
avaliação não é o critério divino, pois, neste passo, Jesus foi bem enfático:
"a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui” (Lc.12:15).
2. A subversão da ordem moral
Continuando o seu discurso, como setas
inflamadas, que atingiam o atribulado Jó, Bildade não media esforços para
difamar ainda mais o caráter de Jó. Para ele, as desgraças incididas sobre Jó
era por causa da quebra da moralidade estabelecida. Bildade entendia que o
universo é controlado por leis morais inabaláveis, e que Jó subverteu essa
ordem moral ao pecar contra Deus, e que escondia esse pecado cometido; por
causa disso, vieram sobre ele consequências deletérias. Segundo esse
entendimento de Bildade, ser justo é se adequar à dinâmica dessas leis morais;
logo, achar que os ímpios prosperam é mera ilusão. “No seu entendimento, a
prosperidade dos maus assemelha-se as raízes de uma árvore que foram cortadas,
cujos ramos, embora mantenham a aparência de verdor por algum tempo,
necessariamente murcharão (Jó 18:12-16). Ao não reconhecer isso, Jó estaria
tentando subverter a ordem moral aceita”.
Bildade é enfático ao dizer que o ímpio, e não
o justo, é quem sofre sobre a face da Terra. Ele repete o refrão de que os perversos
cairão “na rede” de seus próprios pecados e, em seguida, fornece uma lista das
desgraças que sobrevém ao lar dos pecadores (Jó 18:5-21). Ele diz que o ímpio
terá a sua luz apagada, que terá seu lar destruído, que ocasionará a sua ruína
pelos seus próprios passos e caminhos, que terá doenças, será arrancado da sua
tenda e será levado até a presença do "rei dos terrores"(Jó 18:5-15),
sua memória perecerá na terra, as praças não terão o seu nome e nem mesmo
sequer terá descendência, tudo isto porque não conheceu Deus (Jó 18:16-21). Bildade
estava certo sobre os homens sofrerem por causa de seus pecados, porém, errado
ao aplicar esse princípio no caso de Jó, pois nem todo sofrimento é resultado
direto do pecado individual.
Em sua resposta a este segundo discurso, Jó
denunciou que Bildade só fazia entristecer a alma de seu ouvinte (Jó 19:2); que
seu discurso era despido de amor e de compaixão, não sendo este o tipo de
discurso que deve provir da boca de um servo de Deus (2Co.1:4; 1Ts.5:14). Jó,
antes de sua prova, bem ao contrário, era portador de mensagens confortadoras e
consoladoras (Jó 29:11,21,22). Como tem sido o nosso discurso com relação aos
nossos semelhantes?
Jó voltou a afirmar que estava sofrendo uma
provação da parte de Deus e que sua maior aflição não era o fato de ter perdido
bens, ou mesmo os filhos, mas de sentir abandonado pelo Senhor, perdendo toda a
esperança (Jó 19:6-12). Afirmou que estava incompreendido pelos próprios
semelhantes seus e, a começar de sua mulher e de seus servos e criados, ninguém
mais lhe honrava nem sequer admitia a sua companhia (Jó 19:13-19). Jó
encontrava-se em total solidão. Assim se lamentando, Jó mostrou haver bens
maiores do que as coisas materiais. Revelou a Bildade que as coisas materiais
não são o Norte nem o critério para se avaliar a vida de alguém e que há
valores muito mais importantes do que as riquezas ou as finanças na vida de um
ser humano. O que mais deixava Jó triste era a falta de compaixão de seus
amigos e a observação superficial e materialista que estava sendo feita por
eles, a ponto de, insensíveis, começarem a acusá-lo, ao invés de a ele se
ajuntarem (Jó 19:21-24).
3. Contemplando a cruz
Diante das acusações inflamadas do seu amigo,
Jó, mais uma vez, dirigiu-se diretamente a Deus e, contra a preocupação de
Bildade a respeito da falta de prosperidade material, ele apresentou uma
esperança que superava a dimensão desta vida terrena. Nada mais possuía Jó, nem
mesmo o desejo de viver doente e abandonado por todos, mas algo não lhe havia
sido tirado: a certeza de que seu Deus era um Redentor e que Ele vivia e que,
por fim, se levantaria sobre a terra e, mesmo depois de consumida a sua pele,
na sua própria carne ele ainda veria a Deus (Jó 19:25-27).
“Porque eu sei que o meu Redentor vive
e por fim se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo da minha
pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o
verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim”.
Com estas palavras, Jó não quis mais se defender
diante dos seus amigos; ele abandona toda instância humana e apela para um eficiente
mediador (redentor), alguém totalmente justo, que vai ficar entre ele e Deus, e
que defenderá sua causa. É aí que ele tem uma visão da cruz: “Eu sei que meu
redentor vive” (Jó 19:25).
Note o objeto da esperança de Jó: “verei a
Deus”. Em vez de dizer “verei as ruas de ouro, os muros de jaspe, as portas de
pérolas”, Jó diz “verei a Deus”. Essa é a essência e o significado do Céu; essa
é a verdadeira esperança de todos os crentes.
O fato de Jó dizer que veria a Deus em sua
própria carne depois da morte é uma firme indicação da ressurreição física,
doutrina não muita difundida no Antigo Testamento, porém aceita como padrão
pelos crentes judeus que viviam na época de Cristo.
No primeiro discurso de Bildade, Jó já avistara
a necessidade de um mediador entre Deus e os homens. Agora, numa nova
demonstração de uma consciência que está muito além da prata e do ouro
perecíveis desta terra, o patriarca falou da esperança da ressurreição, da
certeza de que Deus não é o Deus distante de seus amigos, mas um Deus que quer
redimir o homem, que quer resgatá-lo, que quer livrá-lo e que, no tempo
determinado, levantar-se-á sobre a terra para fazer justiça, justiça essa que
não é aquilatada pelo que os homens tenham ou deixem de ter, como imaginava
Bildade (e, hoje, como imagina os populares pregadores da prosperidade), mas por
aquilo que está reservado para a plenitude dos tempos, o acerto de contas de todo
o universo com o Criador.
Jó não estava interessado nos bens que havia
perdido, pois ele sabia que, embora nada mais tivesse, uma coisa possuía que
não lhe havia sido tirada: a certeza da salvação e de que, no momento aprazado
por Deus, contemplaria, ressurreto, o seu Senhor vencendo toda a oposição e
estabelecendo, de forma plena, a comunhão com o ser humano.
Consciente desta certeza de salvação, Jó, de
forma ousada e direta, dirigiu-se a Bildade e aos demais amigos e os censurou.
Ele insinuou que ao invés de acusarem o semelhante, ao invés de dizerem que
deveria confessar um pecado inexistente, para que pudesse voltar a ser rico,
deveria cada um verificar como estava diante de Deus, pois chegará o juízo
divino sobre cada um e, nesse juízo, pouco importará o ouro ou a prata que
alguém possa ter angariado nesta vida (Jó 19:28,29).
Qual tem sido a preocupação dos crentes nos
nossos dias? Ter o carro do ano? Ter cada vez mais casas e empresas? Multidões
têm ido buscar a Jesus com o intuito de enriquecerem e de serem prósperos. Mas,
será que têm pensado no juízo que se seguirá à morte de cada um (cf. Hb.9:27)?
Será que os crentes estão preparados para encontrar-se com o Senhor no dia do
arrebatamento?
Lamentavelmente, poucos têm sido aqueles que
têm seguido a ordem de prioridades do patriarca Jó, que falava o que era
correto a respeito do caráter e dos propósitos de Deus. Muitos crentes têm se
comportado como Ananias e Safira, que perderam a salvação porque quiseram dar
prioridade às coisas materiais em detrimento do serviço a Deus (cf.At.5:1-11).
Ainda é tempo de acordarmos e de observarmos que devemos buscar o reino de Deus
e a sua justiça e que as demais coisas nos serão acrescentadas (Mt.6:33). (3)
III. O PECADO EM CONTRASTE COM A MAJESTADE DE DEUS
Neste tópico trataremos do terceiro discurso
de Bildade (Jó 25:1-6). Aparentemente, compreendendo que não adiantava dizer
muita coisa, Bildade apenas tentou desenvolver dois temas: a grande de Deus (Jó
25:1-3) e a insignificância de Jó (Jó 25:4-6).
1.Então, respondeu Bildade, o suíta, e
disse:
2.Com ele estão domínio e temor; ele
faz paz nas suas alturas.
3.Porventura, têm número os seus
exércitos? E para quem não se levanta a sua luz?
4.Como, pois, seria justo o homem
perante Deus, e como seria puro aquele que nasce da mulher?
5.Olha, até a lua não resplandece, e as
estrelas não são puras aos seus olhos.
6.E quanto menos o homem, que é um
verme, e o filho do homem, que é um bicho!
Neste discurso, extremamente breve, Bildade
limitou-se a dizer que o homem não pode ser considerado justo diante de Deus e
que o homem é como um verme, como um bicho diante de Deus. Ele exaltou a
grandeza de Deus, mas defendeu um abismo intransponível entre o Criador e a
criatura.
1. A grandeza de Deus
Bildade destacou a onipotência divina e rebaixou
Jó (Jó 25:1-6). Não há nada de errado defender a majestade do Altíssimo,
todavia, Bildade, nesta sua maneira de exaltar a Onipotência de Deus, criou um
abismo que não existe entre a criatura e o Criador, teoria defendida pelo
segmento deísta, que defende a seguinte doutrina: “Deus criou o mundo, mas
ausentou-se dele”. Esta é uma doutrina que não tem nenhum amparo nas Escrituras
Sagradas. Como já dissemos, Deus é transcendente e imanente.
Jó anunciou, uma vez mais, ao contraditório de
Bildade, a supremacia de Deus e quão longínquo está a dimensão divina da
dimensão humana (Jó 26:5-14). Alertou seu amigo de que não podemos ousar
determinar quais são os pensamentos ou os caminhos do Senhor, pois Ele habita
numa dimensão totalmente diversa da nossa, tendo sob Seu controle os mortos, o
inferno, suspendendo a terra sobre o nada (uma tremenda revelação que a ciência
dos homens somente teria condições de admitir e conceituar milênios mais
tarde). Diante de tamanha grandeza, diz o patriarca, "quem, pois,
entenderia o trovão do Seu poder?" (Jó 26:14b).
É interessante observar que a teologia da
prosperidade de Bildade, que somente contempla esta vida terrena, acabou
instigando o patriarca a considerações tão elevadas que seus próprios
argumentos serão utilizados pelo próprio Deus quando este, pela Sua infinita
misericórdia, cessar o Seu silêncio e iniciar aquele maravilhoso inquérito que
precede o término da provação de Jó, que estudaremos na Aula nº 12.
2. Onipotente, mas não ausente
Em seu discurso, Bildade enfatizou, mais uma
vez, o que considerou ser a insignificância do homem diante de Deus. Segundo
ele, se nem mesmo a lua e as estrelas são puras aos olhos de Deus (Jó 25:5),
que esperança há para o homem, que não passa de “verme”? (Jó 25:6). Apesar de
palavras bonitas e verdadeiras, foram pronunciadas sem amor, e por causa disso,
Bildade falhou em ministrar às necessidades de Jó. Como afirma o pr. José
Gonçalves, “Deus não deve ser visto apenas em sua força, mas, sobretudo, por
seu amor. Ele nunca exaltou seu poder e grandeza acima do seu amor.
Diferentemente do conceito apresentado por Bildade, o Deus que a Bíblia
apresenta é poderoso e glorioso, mas, principalmente, misericordioso e
gracioso”.
Bildade exaltou a Onipotência de Deus, mas a
despeito de Sua grandeza, Ele não está ausente da Sua criação. Como já dissemos
na Introdução, Deus é transcendente e imanente, ou seja, a despeito de habitar
nas alturas mais insondáveis, e apesar de infinito e imenso, não permanece alheio
às suas criaturas.
Em sua resposta ao discurso de Bildade, Jó
denunciou que o discurso de seu amigo não tinha origem em Deus. Discernindo bem
os ensinamentos trazidos pela teologia da prosperidade, o patriarca negou que
ele pudesse ter sido originado em Deus, pois não tinha ele um propósito
construtivo, mas meramente acusatório e, certamente, sem edificação. Para
tanto, usou de ironia (Jó 26:2,3):
“Como ajudaste aquele que não tinha
força e sustentaste o braço que não tinha vigor! Como aconselhaste aquele que
não tinha sabedoria e plenamente lhe fizeste saber a causa, assim como era!”.
Jó afirmou não desconhecer que a justiça
divina, a seu tempo, será feita e que o ímpio sofrerá a retribuição pelo mal
que cometer, mas isto não significa que o justo não possa sofrer tribulações.
Na eternidade não há riqueza que poderá salvar o rico e, portanto, a
prosperidade material que o pecador tenha nesta vida em coisa alguma altera o
caráter moral do Todo-poderoso (Jó 27:11-23). Assim, não é com valores terrenos
ou riquezas materiais que podemos entender e enxergar a comunhão de alguém com
o Senhor.
Jó declarou a Bildade que continuaria submisso
ao Senhor e que sua fé não dependia da sua prosperidade material:
"Enquanto em mim houver alento, e
o sopro de Deus no meu nariz, não falarão os meus lábios iniquidade, nem a
minha língua pronunciará engano” (Jó 27:3,4); “ (…) à minha justiça me apegarei
e não a largarei (Jó 27:6a)".
Que palavras bem diferentes daquelas dos
adeptos da doutrina da confissão positiva, prima-irmã da teologia da
prosperidade, que "determinam", "declaram",
"decretam" bênçãos e que ameaçam ao Senhor para que, de imediato,
cumpra os seus desejos e caprichos, sob pena de desmoralização e de abandono da
fé, como se Deus fosse um empregado qualificado, um almoxarife, pronto a servir
os crentes.
CONCLUSÃO
Nesta Aula tratamos dos três discursos de
Bildade contra o seu amigo Jó:
-Em seu
primeiro discurso,
Bildade ficou transtornado porque Jó ainda se dizia inocente, enquanto
questionava a justiça de Deus. O argumento de Bildade foi este: Deus não podia
ser injusto, e Deus não puniria um homem justo; assim sendo, Jó deveria ser
injusto. Bildade erroneamente presumiu que as pessoas sofriam apenas como
resultado dos seus pecados.
-Em seu
segundo discurso,
Bildade pensou que sabia como funcionava o universo, e viu Jó como uma
ilustração das consequências do pecado. Bildade rejeitou o lado de Jó na
história, porque este não se encaixava em sua opinião sobre a vida. É fácil
condenarmos Bildade, pois seus erros são óbvios, no entanto, infelizmente, costumamos
agir da mesma forma quando nossas ideias são ameaçadas.
-Em seu
terceiro discurso,
Bildade ignorou os exemplos de Jó sobre a prosperidade do perverso. Em vez de
tentar contestar Jó, Bildade acusou-o de orgulho, por afirmar que o seu
sofrimento não era resultado de qualquer pecado. Jó nunca alegou ser isento de
pecados, mas que o seu pecado não poderia ter causado tamanho infortúnio.
Cada um dos discursos de Bildade pôs em
destaque a sua teoria teológica baseada na tradição religiosa. Em cada um dos tais,
ele manifestou que não cria na inocência de Jó e, por isso, atribuiu o seu
sofrimento à existência do pecado. Pasmem, a teoria de Bildade ainda continua
em pleno vigor em diversos seguimentos do cristianismo. Que Deus nos proteja!
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Luciano de Paula Lourenço –
EBD/IEADTC
Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com
Referências Bibliográficas:
Bíblia de Estudo Pentecostal.
Bíblia de estudo – Aplicação Pessoal.
Bíblia de Estudo – Palavras Chave – Hebraico e
Grego. CPAD
Comentário Bíblico popular (Antigo e Novo
Testamento) - William Macdonald.
Comentário Bíblico Pentecostal. CPAD.
Comentário do Novo Testamento – Aplicação
Pessoal. CPAD.
Hernandes Dias Lopes. Neemias – As teses de
Satanás.
Comentário Bíblico Beacon. CPAD.
Comentário Bíblico NVI – EDITORA VIDA.
Pr. Caramuru Afonso Francisco. Elifaz e a
Teologia do Relacionamento Mercantil com Deus. Portalebd_2003.
(1). Milo L. Chapman. Comentário Bíblico Beacon.
(2). Pr. José Gonçalves. A fragilidade humana e a Soberania
Divina. CPAD.
(3). Caramuru Afonso Francisco. Bildade e a Teologia da
Prosperidade. PortalEBD.2003.
temos que conferir sempre as referencias bíblicas com a Bíblia, pois o texto áureo esta com referencia errada, o certo é Jó 8:4, fica a dica.
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