4º Trimestre/2020
Texto Base: Jó 4:1-8; Jó 15:1-4; 22:1-5
“Lembra-te, agora: qual é o inocente
que jamais pereceu? E onde foram os sinceros destruídos? Segundo eu
tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam isso mesmo” (Jó
4:7,8).
Jó 4:
1.Então, respondeu Elifaz, o temanita,
e disse:
2.Se intentarmos falar-te,
enfadar-te-ás? Mas quem poderá conter as palavras?
3.Eis que ensinaste a muitos e
esforçaste as mãos fracas.
4.As tuas palavras levantaram os que
tropeçavam, e os joelhos desfalecentes fortificaste.
5.Mas agora a ti te vem, e te enfadas;
e, tocando-te a ti, te perturbas.
6.Porventura, não era o teu temor de
Deus a tua confiança, e a tua esperança, a sinceridade dos teus caminhos?
7.Lembra-te, agora: qual é o inocente
que jamais pereceu? E onde foram os sinceros destruídos?
8.Segundo eu tenho visto, os que lavram
iniquidade e semeiam o mal segam isso mesmo.
Jó 15:
1.Então, respondeu Elifaz, o temanita,
e disse:
2.Porventura, dará o sábio, em
resposta, ciência de vento? E encherá o seu ventre de vento oriental,
3.arguindo com palavras que de nada
servem e com razões que de nada aproveitam?
4.E tu tens feito vão o temor e
diminuis os rogos diante de Deus.
Jó 22:
1.Então, respondeu Elifaz, o temanita,
e disse:
2.Porventura, o homem será de algum
proveito a Deus? Antes, a si mesmo o prudente será proveitoso.
3.Ou tem o Todo-Poderoso prazer em que
tu sejas justo, ou lucro algum em que tu faças perfeitos os teus caminhos?
4.Ou te repreende pelo temor que tem de
ti, ou entra contigo em juízo?
5.Porventura, não é grande a tua
malícia; e sem termo, as tuas iniquidades?
INTRODUÇÃO
Nesta Aula trataremos da teologia de Elifaz:
aqueles que sofrem estão em pecado com Deus. Para Elifaz, o sofrimento de Jó
era um atestado de que ele havia pecado e que, por isso, Deus tomara tudo dele,
inclusive sua saúde física. Essa teologia era semelhante à dos atuais
seguidores da teologia da prosperidade. Para estes, o crente para ser
“abençoado” é preciso dar tudo que tem para Deus: a vida, os bens, o tempo,
todo seu dinheiro, enfim, até aquilo que conseguimos com bastante esforço; caso
contrário, não lhe estamos sendo fieis, e assim não receberemos também nada
d'Ele. Esta visão distorcida pregada por muitos não chega a ser tão diferente
daquilo que Elifaz entendia acerca de Deus. Muitos servem a Deus motivados por esta
teologia falaciosa, que é terrivelmente prejudicial à vida de muitos cristãos,
que, ao abraçarem-na, estarão desprezando a graça de Deus, ou seja, os favores
advindos do Senhor a toda raça humana que, independentemente de merecimento,
nos faz desfrutarmos de todas as bênçãos oferecidas pelo Senhor às nossas
vidas.
Elifaz era um dos três amigos de Jó, os
quais vieram
de longe para condoer-se dele. Pareciam amigos de fato; combinaram de ir ao encontro
dele para o consolar em sua desventura. Jó estava tão desfigurado pelo
sofrimento que eles nem sequer o reconheceram. Ao ver sua desolação, assentaram-se
com ele na cinza durante sete dias sem abrir a boca. O relato bíblico é
comovente:
“E três
amigos de Jó, ouvindo faiar da desgraça que lhe havia acontecido, vieram, cada
um do seu lugar, pois haviam combinado de vir prestar-lhe solidariedade e
consolá-lo: Elifaz, o temanita; Bildade, o suíta; e Zafar, o naamatita. Eles o
viram de longe, mas não o reconheceram. Então choraram bem alto, e cada um
rasgou o seu manto e jogou terra para o ar sobre a cabeça. E ficaram sentados
com ele no chão sete dias e sete noites; e nenhum deles lhe dizia nada, pois
viram que sua dor era muito grande (Jó 2:11-13).
É interessante observar que havia um silêncio, e os
amigos de Jó não tinham coragem alguma para falar (Jó 2:11-13); só vieram a
fazer uso da palavra depois que Jó abriu a sua boca. Em momentos de crise, muitas
vezes, é tempo de ficarmos calados, pois Deus conversa conosco no silêncio,
como, por exemplo, ocorreu com Moisés (cf. Ex.3:1-5). Ao falarmos, acabamos
abrindo a oportunidade para que outros falem a respeito do plano de Deus para
nossas vidas, sendo que isto é assunto que deve envolver somente a nós e a Deus
e não a terceiros, os quais acabarão por falar o que não é correto nem
agradável a Deus (Jó 42:8).
Todavia, quando abriram a boca, acabaram
tornando-se consoladores molestos. Os amigos de Jó assacaram contra ele pesados
libelos acusatórios. Atingiram-no com armas de grosso calibre.
Teceram-lhe as mais duras críticas e endereçaram a ele as mais levianas e
injustas acusações.
Chamaram Jó de ladrão; acusaram-no de oprimir os pobres e roubar o direito das
viúvas; chamaram-no de louco; disseram que ele havia se enriquecido
ilicitamente; atentaram contra sua honra e disseram que ele era um adúltero; jogaram
vinagre em sua ferida e culparam-no por Deus ter matado seus filhos.
Ser vítima de acusações mentirosas já é um fardo
muito pesado, mas ser acusado por aqueles que se dizem amigos é ainda mais
doloroso. Ser acusado por aqueles que deveriam estar do nosso lado agrava ainda
mais a nossa dor. Ser acusado injustamente quando estamos no vale da prova é
uma dor indescritível. Jó estava sendo oprimido por todos os lados; estava no
moinho de Deus, na fornalha da prova.
I. OS PECADORES NO
CONTEXTO DA JUSTIÇA RETRIBUTIVA
1. A lei da
semeadura e da colheita
A Bíblia mostra-nos, com absoluta clareza, como se
relacionam o perdão divino e a lei da semeadura. Cito um exemplo: Davi e o seu
pecado. Davi teve seu pecado perdoado, mas as consequências de seu pecado foram
por ele sofridas, a um altíssimo preço, numa ilustração paradigmática de que
como operam a justiça e a misericórdia divinas.
Embora a justiça retributiva seja uma lei que está
presente nas Escrituras Sagradas, nem sempre dá conta de toda a realidade. O
Livro de Jó mostrará exatamente isso. O sofrimento que o patriarca passava nada
tinha a ver com a consequência de algum pecado cometido no passado. Muitos têm
uma percepção teológica parecida com a de Elifaz, em que a lei de causa e
efeito era um princípio da ortodoxia teológica que não podia ser contraditado. No
campo espiritual, compete única e exclusivamente a Deus atribuir a justiça
retributiva, e duvido muito que na dispensação da graça isto aconteça aqui
neste mundo, pois um dos atributos mais ativos de Deus é longanimidade.
2. O homem colhe o
que plantou
Para Elifaz, as consequências de nossas ações são refletidas
de acordo com o padrão moral universal estabelecido - se plantar mal vai colher
mal. Os escritos sagrados posteriores, também, se coadunam com este princípio
teológico de Elifaz, como se observa em várias passagens veterotestamentárias,
como, por exemplo, a do Salmo 1:6: “Porque
o Senhor conhece o caminho dos justos; mas o caminho dos ímpios perecerá”.
Aqui, “o salmista confirma que Deus é bom e justo e, por isso, recompensa os
bons e pune os maus”.
Podemos também observar este princípio no Novo Testamento.
Veja, por exemplo, o que afirma o apostolo Pedro: “Porque os olhos do Senhor estão sobre os justos, e os seus ouvidos,
atentos às suas orações; mas o rosto do Senhor é contra os que fazem males”
(1Pd.3:12). Pedro afirma que aqueles que se entregam à pratica da maldade terão
de enfrentar a ira do Todo-poderoso. Veja que neste texto há um contraste
claro: Deus vê as obras do povo justo e vê aqueles que praticam o mal. Nada
escapa de sua visão, e que ninguém pense que Deus não se importa. Aqueles que
se deleitam em fazer o mal não têm em Deus um amigo, mas um adversário. Uma boa
ilustração para este versículo se encontra em Atos 12. Pedro estava preso e
Herodes se assentava garbosamente no trono. A Igreja orava por Pedro e Herodes
aguardava o fim da festa da Páscoa par matar Pedro. O anjo de Deus foi enviado
para libertar Pedro e ferir mortalmente Herodes. Os olhos de Deus repousavam
sobre Pedro e seus ouvidos estavam abertos às súplicas da Igreja, mas o rosto
de Deus estava contra Herodes.
Observe, porém, que a justiça retributiva pertence
unicamente a Deus, e que ninguém poderá dizer quem é culpado ou não. O erro grosseiro
de Elifaz foi acusar o seu amigo Jó de forma precipitada. Ele olhou para sua
dor de forma especulativa. Formulou teorias e fez declarações deletérias,
culpando Jó por todo o desastre que se abatera sobre a sua vida. Ele atacou a
integridade moral de Jó; lançou sobre ele as mais pesadas acusações. Segundo
Elifaz, se Jó estava sofrendo era porque havia pecado; cabia a ele, então, assumir
a responsabilidade moral de seu pecado, não havia outra opção. Esta foi uma
acusação típica de um religioso pragmático, que tomou as rédeas das decisões e
que somente suas teses eram as mais corretas, e que não aceitava nenhuma
contradição. Hoje, em pleno período da graça, ainda existem pessoas qual
Elifaz, que julgam de forma precipitada as ações das pessoas, sem levar em
conta que somente Deus é quem pode dar um veredito autêntico e justo. Assim
sendo, muitos cometem injustiças e esquecem de que Deus é quem pode ver todo o
lado da questão. Disse Jesus: “Não julgueis segundo a aparência, mas
julgai segundo a reta justiça” (João 7:24).
3. A queixa de Jó
Elifaz vociferou a teologia retributiva - da
semeadura e da colheita -, porém, Jó contestou essa teologia em relação a si mesmo. Jó tinha razão. Este ensino é bíblico, mas
Elifaz não teve a prudência de consultar ao Justo Juiz a verdadeira posição de
Jó. O decorrer dos fatos mostrou que a teologia de Elifaz não se aplicava ao
seu amigo atribulado. Jó, então, sabendo que estava injustamente sendo julgado
pelo seu fiel amigo, se queixou diante de Deus, desejando abrir uma porta de
diálogo com o Altíssimo (Jó 7:11-21). Ele não queria explicações baseadas em
teorias teológicas, mas uma conversa sincera através de um relacionamento
direto com o Criador.
Jó reagiu e levantou aos céus dezesseis vezes a
mesma pergunta: Por quê? Por quê? Por quê? Jó não apenas fez perguntas, mas
também fez queixas. Ele levantou aos céus 34 vezes as suas queixas. Pensou que
a mão de Deus estava esmagando sua vida. É claro que Jó não conhecia todas as
implicações de sua saga, não sabia todos os detalhes daquela batalha
espiritual. Contudo, Deus ficou em silêncio e não respondeu nada a Jó. Nem
sempre Deus explica as razões pelas quais sofremos. Nem sempre temos uma clara
percepção dos propósitos divinos. Nem sempre a voz de Deus vem ao nosso
encontro para nos consolar. Nem sempre temos uma luz no fim do túnel para nos
dar uma direção. Há dias em que Deus se cala. Há momentos em que os céus
parecem estar fechados e as nuvens parecem ser de bronze. Portanto, além de sua
dor atroz e da acusação de Elifaz, Jó precisou lidar ainda com o silêncio de
Deus.
Elifaz era um homem versado nos assuntos de Deus (a
"teologia"), mas era, sobretudo, um pensador, um teórico, que bem
conhecia os princípios e valores nos quais acreditava, mas que não podia
apresentar senão argumentos, argumentos que procuravam explicar os fatos que
haviam se desenvolvido com Jó. Contra esta teoria, o patriarca apresentaria uma
prática, ou seja, uma vida de experiência e comunhão com Deus.
Elifaz era teórico, era um intelectual versado em
Deus; porém, é muito mais importante sermos um filho de Deus, alguém que está
vivendo em Cristo, e não somente que tenha conhecimento intelectual de Deus.
Elifaz pode ser comparado a Nicodemos que, apesar de ser "o príncipe dos
judeus", tinha necessidade de "nascer de novo", como nos
indicou, claramente, Jesus (João cap.3).
II. OS PECADORES NO
CONTEXTO DA TRADIÇÃO RELIGIOSA
Na segunda rodada de discursos, os “consoladores”
de Jó abandonaram os apelos para que ele se arrependesse e se tornaram cada vez
mais violentos e condenadores. Jó, em contrapartida, ficou cada vez mais
acirrado.
1. Ortodoxia
engessada
Elifaz, em seu segundo discurso (Jó 15:1-35), voltou
a repreender Jó com maior intensidade. Comparando com o primeiro discurso (Jó
cap.4-5), Elifaz foi mais rude, mais intenso e mais ameaçador, porém, nada
disse de novo. Ele começou dizendo que as palavras de Jó eram vazias e inúteis,
então reafirmou sua opinião de que Jó deveria ser um grande pecador. De acordo
com Elifaz, a experiência e a sabedoria de seus ancestrais eram mais valiosas
que os pensamentos individuais de Jó. Elifaz pensava que suas palavras eram tão
verídicas quanto as de Deus. Na verdade, como no primeiro discurso, Elifaz
insiste na ideia de que Deus abençoa os bons e lança calamidades sobre os
pecadores. Diz que Deus é misericordioso e se os pecadores se arrependerem,
certamente serão abençoados e o estado de calamidade que enfrentam será mudado.
Portanto, segundo Elifaz, Jó pecou e, por isso, estava passando pelo que estava
passando. Se se arrependesse de seus pecados, certamente voltaria a desfrutar
das bênçãos de Deus.
Tal qual o primeiro discurso, a teologia de Elifaz
ensina que se o homem bem fizer, terá o agrado de Deus e será abençoado; se não
fizer bem, sofrerá a ira divina. Deus é bom e está pronto a perdoar quem se
arrepender. Apesar de toda esta lógica perfeita, quando esta visão teórica é
levada para a prática notamos que ela não funciona: há justos que sofrem e
pecadores que têm êxito e sucesso. Veja o dilema de Asafe (Salmos 73). Deus
abençoa tanto a justos como a injustos, como, por exemplo, ao fazer cair a
chuva tanto para uns quanto para outros (Mt.5:45). A teologia de Elifaz,
portanto, é cabalmente desmentida pelos fatos e, como diz o conhecido adágio, "contra fatos, não há argumentos".
Em uma rápida sequência de questionamentos, Elifaz
ridicularizou as razões de Jó, chamando-as de “ciência de vento” (Jó 15:2):
“Porventura, dará o sábio, em resposta, ciência de vento? E encherá o seu
ventre de vento oriental, arguindo com palavras que de nada servem e com razões que de nada aproveitam?” (Jó
15:2,3).
Embora as palavras audaciosas de Jó direcionadas a
Deus fornecessem oportunidade para que fosse acusado de tornar “vão o temor de
Deus” (Jó 15:4), era injusto acusá-lo de falar “a língua dos astutos” (Jó
15:5). Quando muito, Jó poderia ser culpado de se expor em excesso. Diante
dessa ousadia de Jó, Elifaz o atacou de uma forma contundente dizendo que suas
palavras não revelavam sabedoria, mas eram palavras ao vento. De qualquer
forma, sem dúvida Jó não era hipócrita. Era inútil, tanto para ele quanto para
qualquer outra pessoa, declarar-se justo.
2. Uma ameaça à
tradição religiosa
A partir do versículo 7 do capítulo 15, Elifaz
procurou respaldar seu ponto-de-vista sobre o sofrimento de Jó com base na sua tradição
religiosa, com base em seu conhecimento teológico. Argumentou, por primeiro,
com a idade, que lhe daria maior experiência de vida (Jó 15:7-10) e,
posteriormente, nos ensinamentos que eram reproduzidos geração a geração a
respeito do assunto (Jó 15:17-19).
Verdade é que devemos respeitar os mais idosos e
com eles aprender, devendo ter respeito aos marcos que nos foram estabelecidos,
o que constituem o que se denomina "tradição" (Dt.19:14; Pv.22:28). O
próprio Jó reconheceu que o desrespeito da tradição era algo próprio do ímpio (Jó
24:2). No entanto, devemos sempre observar a origem dessa tradição, pois, acima
dela, está a Palavra do Senhor, que não pode ser invalidada por estas coisas (Mt.15:1-6),
já que ela é atemporal e permanece para sempre (1Pd.1:25). Assim, nunca devemos
procurar estribar nosso julgamento única e exclusivamente com base na tradição,
pois, se assim o fizermos, poderemos correr o risco de querer invalidar a
Palavra do Senhor, como o fez Elifaz.
Após buscar este respaldo, Elifaz repete seu
argumento já apresentado no primeiro discurso. Ele disse que o homem não é puro
e que, portanto, ao pecar, merece sofrer o mal que lhe sobrevém da parte de
Deus (Jó 15:14-16,20-30). Segundo ele, se Jó estava sofrendo era porque ele
tinha pecado terrivelmente contra Deus; logo, ele devia confiar na bondade de
Deus do que manter-se vaidoso, arrogando uma sinceridade que não tinha; só
assim ele alcançaria o perdão divino e seria restaurado (Jó 15:31-35).
3. A resposta de Jó
“Então, respondeu Jó e disse: Tenho ouvido muitas
coisas como estas; todos vós sois consoladores molestos. Porventura, não terão
fim estas palavras de vento? Ou que te irrita, para assim responderes? Falaria
eu também como vós falais, se a vossa alma estivesse em lugar da minha alma? Ou
amontoaria palavras contra vós e menearia contra vós a minha cabeça? Antes, vos
fortaleceria com a minha boca, e a consolação dos meus lábios abrandaria a
vossa dor” (Jó 16:1-5).
Jó estava quieto e poderia, no silêncio, escutar a
voz de Deus, mas, ante tamanha perturbação, que, dizem alguns estudiosos, não
se circunscrevia ao padecimento físico, mas também chegava a uma verdadeira
tortura psicológica, acabou por queixar-se em alto e bom som, abrindo a
oportunidade para que seu amigo Elifaz lhe acusasse de ter pecado e o incitasse
a confessar pecados inexistentes. Entretanto, o patriarca não deixou de ouvir
os discursos de seu amigo, ainda que fossem duros, por mais de uma vez,
demonstrando, assim, que era uma pessoa sábia (Ec.5:1).
Na resposta ao segundo discurso de Elifaz, Jó
continuou sua oposição à teologia simplista e acusadora de seu amigo. Disse que
vazias não eram os seus argumentos, mas os argumentos de Elifaz (Jó 16:1-3),
apontando um fator que é muito relevante no discurso teológico: a falta de amor
e de compaixão (Jó 16:4). Jó era um homem amoroso, compassivo e misericordioso,
enquanto que seu amigo Elifaz, embora não cessasse de relembrar a misericórdia
e bondade de Deus, assim como seu discurso, apresentava uma misericórdia e uma
bondade teóricas, que não se efetivavam na prática.
Embora Deus fosse bom e misericordioso, Elifaz não
era. Embora se arvorasse no mensageiro da realidade do homem em relação a Deus,
o teólogo Elifaz apenas acusava e exigia o arrependimento do
"pecador" Jó; mas não demonstrava, em momento algum, com suas
palavras ou gestos, esse amor e misericórdia demonstrados. Como diria o
apóstolo João, milênios de anos depois, "se alguém diz: eu amo a Deus, e
aborrece a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu,
como pode amar a Deus, a quem não viu?" (1João 4:20).
Muitos "elifazes", na atualidade, têm
contribuído para o descrédito do Evangelho, pois, são hábeis pregadores e
apontadores dos pecados dos semelhantes e da necessidade que têm de se
arrependerem, mas, tal como Elifaz, são insensíveis às necessidades e
sofrimentos por que estão passando os ouvintes de seus discursos. Se Jó, com
toda a sua maturidade espiritual, sentia o descaso de Elifaz para com a sua
dor, o que o pecador não sentirá ante tais "pregadores"? Jesus jamais
agiu desta maneira, mas sempre buscava suprir as necessidades e sofrimentos
daqueles que O ouviam. Por isso, com razão, Jó chamou Elifaz de pessoa sem
sabedoria (Jó 17:10), porque não se preocuparam em dar esperança ao patriarca,
desprezando, assim, a sua própria alma. A teologia de Elifaz era insensível, e
a insensibilidade é uma prova de que suas palavras eram, realmente, vazias,
despidas de qualquer sentido para alguém que era vivo espiritualmente como Jó.
Jó rejeitou a análise de Elifaz e revidou, chamando
seus críticos de “consoladores molestos”, que significa literalmente:
“confortadores atormentadores”. Elifaz acrescentou mais aflições sobre Jó, além
daqueles que ele já possuía, ao invés de ajudá-lo por meio de compaixão e
compreensão. Suas palavras de “vento” (Jó 16:3) não tinham fim. Ele persistia
em machucá-lo mais.
Jó tinha dificuldade em entender o que levou Elifaz
a continuar falando, visto que não tinha nada de valor a acrescentar (cf. Jó
13:5). Jó afirmou que, caso fosse ele o consolador, seria compassivo e
procuraria mitigar a dor de quem estava sofrendo, e não lhe aumentar a tortura
psicológica, como fazia Elifaz com o seu discurso (Jó 16:5,6). As palavras de
Jó revelam várias formas de tornar-se um bom consolador para os que sofrem:
- Não fale apenas por falar.
- Não faça sermões dando
respostas superficiais.
- Não acuse ou critique.
- Coloque-se no lugar da outra
pessoa.
- Ofereça ajuda e
encorajamento.
Tente estas sugestões de Jó, sabendo que elas são
dadas por uma pessoa que precisou de grande conforto. Os melhores consoladores são
os que experimentam o sofrimento pessoal.
III. OS PECADORES
DIANTE DE UM DEUS INFINITO
1. Deus não se
importa com quimeras humanas
No seu terceiro e último discurso (Jó 22), Elifaz
apela para a transcendência divina ao atacar Jó. Só a título de nota,
“transcendência” significa dizer que Deus é diferente e independente da sua
criação (ver Ex.24:9-18; Is.6:1-3; 40:12-26; 55:8,9); seu Ser e sua existência
são infinitamente maiores e mais elevados do que a ordem por Ele criada
(1Rs.8:27; At.17:24,25). Deus é transcendente e imanente, ou seja, a despeito
de habitar nas alturas mais insondáveis, e apesar de infinito e imenso, não
permanece alheio às suas criaturas. Assim, ao longo dos séculos, o Eterno vem
se comunicando com o homem, direta ou indiretamente. Ele tem prazer de ser
assim com o ser humano; tanto é que, após o pecado do homem, Ele proveu o
Cordeiro imaculado, Jesus Cristo, para que através de sua morte vicária resgatasse
o ser humano ao estado original da criação.
Elifaz, na primeira vez que falou a Jó (caps. 4 e
5), atribuiu-lhe boas obras, e gentilmente sugeriu que Jó pudesse estar
necessitando de arrependimento. Embora nada tenha acrescentado de novo neste
terceiro discurso, ele foi mais especifico - ele acusou o amigo Jó de graves
iniquidades: tomar penhor dos pobres sem justa causa, recusar água ao cansado e
pão ao faminto, tomar terra à força e oprimir viúvas e órfãos. De acordo com
Elifaz, esses pecados eram as razões do sofrimento de Jó. A verdade, contudo,
era justamente o contrário: Jó vivia engajado em obras sociais e sempre ajudou
com generosidade (cf. Jó 29).
Na declaração de Elifaz, Jó não deveria imaginar
que Deus nas alturas do Céu não enxerga o que se passa aqui na terra. Se
continuasse no pecado, Jó sofreria o mesmo destino das pessoas arrastadas por
uma torrente na época de Noé, gente que até então o Senhor havia feito
prosperar.
Elifaz mostrou o que estava por detrás de seu
bonito e eloquente discurso: uma acusação infundada, um dogmatismo cego e que
recusava até mesmo a evidência dos fatos. Ele acusou o patriarca de uma série
de pecados, sem ter base alguma para isso (Jó 22:6-11). Tornou-se um
caluniador, pois fez falsas acusações contra Jó, sem provas. Segundo a visão de
Elifaz, Jó estava sofrendo e, por isso, era certo que havia pecado, mesmo às
escondidas, pois ninguém pode se esconder de Deus (Jó 22:12-20). Voltou a
insistir que Jó se arrependesse, pois somente se unindo a Deus era que poderia
ter de volta as bênçãos divinas (Jó 22:21-30). A afirmação básica da
argumentação de Elifaz era o da barganha - "une-te, pois, a Ele e tem paz,
e assim te sobrevirá o bem"(Jó 22:21). Muitos são os que seguem esta
teologia; para esses, lembremos que ela não agradou a Deus (Jó 42:8) e foi
inspirada por um "espírito", que, certamente, trata-se do adversário
de nossas almas.
As últimas palavras de Elifaz são um convite para
Jó se converter (Jó 22:21-30). Note-se, porém, todo o interesse mercantilista
por trás do dogma da retribuição: converter-se e servir a Deus a fim de ter tranquilidade
e prosperidade. Tal relacionamento transforma a religião em um meio de
manipular o próprio Deus. Elifaz emprega frases para persuadir Jó: “Reconcilia-te, pois, como ele e tem paz”
(Jó 22:21); “então, o Todo-Poderoso será
o teu ouro e a tua prata escolhida” (Jó 22:25); “e a luz brilhará em teus caminhos” (Jó 22:28). São palavras não
apenas belas, mas verdadeiras, implorando ao pecador que se arrependa – “se converta ao Todo-Poderoso” e “afaste a injustiça da sua tenda” (Jó
22:23). O problema, porém, não está no apelo, mas na aplicação: Jó não vivia em
pecado.
2. A resposta de Jó
(Jó 23:1-24:25)
Na resposta ao terceiro e último discurso de
Elifaz, Jó, ante as calúnias apresentadas, demonstrou maior ansiedade para se
apresentar diante de Deus e de Seu tribunal para provar a sua inocência (Jó
23:1-5).
“Respondeu, porém, Jó e disse: Ainda hoje a minha
queixa está em amargura; a violência da minha praga mais se agrava do que o meu
gemido. Ah! Se eu soubesse que o poderia achar! Então me chegaria ao seu
tribunal. Com boa ordem exporia ante ele a minha causa e a minha boca encheria
de argumentos. Saberia as palavras com que ele me responderia e entenderia o
que me dissesse” (Jó 23:1-5).
Jó, ao invés de querer provar sua inocência ao
caluniador, de mostrar, ponto por ponto, a falsidade das alegações de Elifaz, o
patriarca desejou ardentemente encontrar-se com o Senhor; buscou a justiça
divina, pois sabia que o Senhor cuidava dele (Jó 23:6) - “Porventura, segundo a grandeza de seu poder contenderia comigo? Não;
antes, cuidaria de mim”. O que causava desesperança e dor em Jó não eram as
palavras malévolas do teólogo Elifaz, mas o sentimento de abandono por parte de
Deus (Jó 23:8,9) - “Eis que, se me
adianto, ali não está; se torno para trás, não o percebo. Se opera à mão
esquerda, não o vejo; encobre-se à mão direita, e não o diviso”.
Quão diferentes temos sido de Jó! Quando somos
caluniados, caluniamos ou procuramos mostrar, ante os homens, as nossas razões
e a nossa verdade. Não raro, procuramos humilhar e envergonhar o caluniador. Jó
assim não procedeu, mas quis se apresentar como réu ante o tribunal divino,
pois tinha convicção de sua inocência. Do mesmo modo, Jesus, quando injuriado,
dizem as Escrituras, não injuriava, mas se entregava aos cuidados de Deus Pai (1Pd.2:23,24).
Muitos têm preferido resolver as afrontas, as
injúrias e as calúnias ante os tribunais humanos, buscando a "reparação do
dano moral". Que Deus nos guarde de ter um comportamento assim, mas que
sejamos irrepreensíveis a ponto de, quando injuriados e caluniados, termos a
santidade e a dignidade de podermos nos entregar ao Justo e Supremo Juiz, que
sabe o nosso caminho (Jó 23:10), para que possamos ser aprovados e saiamos
refinados como o ouro (Jó 23:11).
Jó reconheceu, também, a soberania de Deus e o Seu
direito de provar até mesmo o justo (Jó 23:11-17) e de permitir que o ímpio
tenha aparente êxito nesta vida (Jó 24). Apresentou fatos que não podem ser
desmentidos pela teologia teórica de Elifaz. Deus atua de várias maneiras e não
podemos querer enquadrá-lo em nossos conceitos e experiência. Deus está muito
acima de nossa compreensão e o que dEle sabemos é fruto de Sua revelação a nós.
Por isso, tenhamos muito cuidado em julgar o semelhante e nos limitemos a
anunciar o plano que Ele nos revelou para a Sua humanidade, pois temos de
confiar nEle, e não em nossos conceitos e pensamentos, por mais lógicos que
pareçam ser, como os de Elifaz.
CONCLUSÃO
Na teoria teológica de Elifaz só os pecadores
inveterados sofrem os infortúnios da vida. Para ele, Jó estava abandonado por
Deus e isso era uma prova irrefutável de que havia pecado. Não é pelo fato de
servirmos a Deus que estaremos isentos de lutas e provações; elas virão, contudo,
devemos estar conscientes de que nunca estaremos sós. Disse Jesus: “... eis que
estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt.28:20). Devemos
buscar na graça de Deus, forças para suportar as dificuldades, por amor a
Cristo. Nunca confiemos em nós mesmos, ou em nossos próprios méritos, mas na
graça divina: “... Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu
braço forte... Bendito é o varão que confia no Senhor e cuja esperança é o
Senhor”(Jr.17:5,7).
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Luciano de Paula Lourenço – EBD/IEADTC
Disponível no Blog: http://luloure.blogspot.com
Referências Bibliográficas:
Bíblia de Estudo Pentecostal.
Bíblia de estudo – Aplicação Pessoal.
Bíblia de Estudo – Palavras Chave – Hebraico e
Grego. CPAD
Comentário Bíblico popular (Antigo e Novo
Testamento) - William Macdonald.
Comentário Bíblico Pentecostal. CPAD.
Comentário do Novo Testamento – Aplicação
Pessoal. CPAD.
Hernandes Dias Lopes. Neemias – As teses de
Satanás.
Comentário Bíblico Beacon. CPAD.
Comentário Bíblico NVI – EDITORA VIDA.
Pr. Caramuru Afonso Francisco. Elifaz e a
Teologia do Relacionamento Mercantil com Deus. Portalebd_2003.
Maravilhosa licao amado irmao,Deus continue te usando mais e mais, para honra e gloria do senhor!
ResponderExcluirDeus abençoe irmão, fazem anos que acompanho seu blog, um canal de bênção na minha vida! Que Deus continue te abençoando e prosperando.
ResponderExcluirAmado irmão DW, fico feliz e lisonjeado em contribuir para sua maturidade espiritual e cristã. Lembre-se, seja fiel ao Senhor, por mais abrasador que seja o deserto no qual passamos durante a nossa jornada rumo à Terra Prometida, o Céu (João 14:1-3).
ExcluirGraça e Paz!
Muito bom seu comentário me ajudou muito.
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