Resolvi escrever sobre o tema, em razão da grande confusão feita em torno do ministério de "evangelista" no contexto das Assembleias de Deus no Brasil. Seria o "evangelista" um oficial da Igreja, ou alguém dotado do "dom espiritual de evangelista", independente de ser ou não um oficial (aquele que exerce um ofício eclesial)?
1. Análise Exegética
Os texto bíblicos que mencionam o ministério e a pessoa do evangelista
são:
"No dia seguinte, partimos e fomos para Cesaréia; e, entrando na
casa de Filipe, o evangelista (que era um dos sete, ficamos com ele."
(At 21.8).
"E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas,
outros para evangelistas e outros para pastores e mestres," (Ef 4.11).
"Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições,
faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério."
(2 Tm 4.5).
Os termos gregos traduzidos nas passagens acima para
"evangelista" são:
- At 21. 8:
- At 21. 8:
εὐαγγελιστοῡ (euangelistou).
- Ef 4.11:
εὐαγγελιστάς (euangelistas).
- 2 Tm 4.5
εὐαγγελιστοῡ (euangelistou).
No "Dicionário Vine" (CPAD, 2003, p. 629-630) lemos:
"euangelistes (εὐαγγελιστής), literalmente,
'mensageiro do bem' (formado de eu, 'bem', e angelos,
mensageiro), denota 'pregador do Evangelho' (At 21.8; Ef 4.11, que deixa claro
a distinção da função nas igrejas; 2 Tm 4.5). [...] Os missionários são
'evangelistas' por serem essencialmente pregadores do Evangelho."
Nesta definição exegética do VINE, o seu entendimento de
"função" não fica claro em termos de tratar de "cargo" ou
"atividade específica".
O "Dicionário Internacional do Novo Testamento" (Vida Nova,
2000, p. 764) especifica que:
"euangelistes é um termo para 'aquele que proclama o euangelion'.
Esta palavra, que é muito rara na literatura não-cristã, embora fosse bastante
comum nos escritos cristão primitivos, se acha no NT apenas em At 21.8, Ef
4.11, e em 2 Tm 4.5. Nestas três passagens, faz-se distinção entre o
evangelista e o apóstolo. Tal fato fica especialmente óbvio no caso do
evangelista Filipe, pois sua atividade teinha que ser ratificada pelos
apóstolos Pedro e João (At 8.14-15). Fica claro que o termo euangelistes,
portanto, tem a intenção de se referir a pessoas que levam a efeito o trabalho
dos apóstolos que foram diretamente chamados pelo Cristo ressuscitado. Mesmo
assim, é difícil se a referência diz respeito a um cargo, ou, simplesmente, a
uma atividade (grifo nosso). É possível que estes evangelistas tenham se
ocupado na obra missionária (At 21.8) ou na liderança da igreja".
Perceba que Coenen e Brown, no "Dicionário Internacional do Nove
Testamento", assim como Vine, Unger e White Jr. no VINE, acham
dificuldades em afirmar que o "evangelista" era um "oficial"
da igreja, assim como eram os πρεσβύτερος (presbíteros, cf. Atos
20.28; 1 Tm 3.2; 1 Pe 5.1; 2 Jo 1; 3 Jo 1), os ὲπίσκοπος (episkopos
ou bispos, cf. At 20.28; Fp 1.1; 1 Tm 3.2; Tt 1.7; 1 Pe 2.25) e os διάκονος
(diákonos, cf. 1 Tm 3.8, 12).
Na "Chave Linguística do Novo Testamento Grego" (Vida Nova,
1995, p. 393) Rienecker e Rogers definem o termo εὐαγγελιστής da seguinte
forma:
" [...] alguém que proclama as boas novas, evangelista. Um
evangelista era a pessoa que pregava o evangelho recebido dos apóstolos. Ele
era, particularmente, um missionário que levava o evangelho a novas regiões (v.
Schlier; Barth; NDITNT)".
2. Análise Teológica
Na Teologia Sistemática de Berkhof (Cultura Cristã, 1990, p.
538), juntamente com apóstolos e profetas, "evangelista" é designado
de "oficial extraordinário", enquanto os oficiais ordinários são o
presbítero, o mestre e os diáconos.
Na obra Palestras Introdutória à Teologia Sistemática, de
Thiessen (IBRB, 1987, p. 299-330), o "evangelista" não é incluído
entre os oficiais da igreja.
Strong, em sua Teologia Sistemática (Hagnos, 2003, p. 674)
diz que "É dois o número de oficiais na igreja de Cristo: primeiro o de
bispo, presbítero, ou pastor; e segundo o de diácono".
Na Teologia Sistemática: atual e exaustiva, de Grudem (Vida Nova,
1999, p. 758-774), são listados como oficiais os apóstolos, os presbíteros
(pastores/bispos) e os diáconos.
Em Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética
para o contexto atual, de Ferreira e Myatt (Vida Nova, 2007, p. 932-934),
tratando sobre "As formas de governo eclesiástico", tanto no
episcopalismo anglicano e metodista (desviado pelo catolicismo e modificados
por várias igrejas pentecostais), como no governo presbiterial (característico
das igrejas reformadas, como a "presbiteriana") e no governo
congregacional (adotado especialmente pelas igrejas batistas), não é citado
pelos autores o ofício de "evangelista".
Escrevendo sobre o "Governo da Igreja", o missionário Eurico
Bergstén, em sua obra Introdução à Teologia Sistemática (CPAD, 1999, p.
269-270), define como funções na Igreja: pastor (cf. Ef 4.11), presbítero (cf.
Tt 1.5) e diácono (cf. 1 Tm 3). O "evangelista" também não aparece em
sua relação.
Na Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal, de J.
Rodman Williams (VIDA, 2011, p. 892, 894), os evangelistas são os que proclamam
o evangelho, e contribuem para a preparação dos santos para a obra do
ministério. Rodman afirma ainda que "precisamos hoje ver cada vez mais
evangelistas escolhidos pelo Senhor, que sejam cheios do Espírito Santos,
conheçam profundamente as Escrituras, operem sinais e maravilhas, despertem a
fé e a entrega que mudam a vida e preparem o povo para receber o dom do
Espírito Santo."
A ideia de ofício também não está presente no conceito de Rodmam sobre
os evangelistas.
No livro "A Igreja e as Sete Colunas da Sabedoria", Severino
Pedro (1998, p. 87) diz que:
"Nos dias dos apóstolos, os evangelistas eram missionários pátrios
que efetuavam a missão evangelizadora da Igreja entre os judeus e depois aos
gentios, em posição subordinada aos apóstolos (Lc 10.1-17; At 8.4;11, 19).
[...] A missão primordial dos evangelistas era a pregação das Boas Novas do
Reino de Deus; igualmente a missão dada aos apóstolos no início de seus
ministérios. Em ambos os casos, a ideia de pregar está presente nessas
ocasiões."
Severino Pedro (idem, p. 89-90) classifica os "evangelistas" em
três categorias: os evangelista voluntários (At 4.31; 8.4; 11.9), que seriam
todos aqueles que de alguma forma pregam o evangelho, os evangelistas
autorizados (cf. 2 Tm 4.5), neste caso ele não afirma a ordenação de Timóteo, e
os evangelistas ordenados (Ef 4.11), do qual somente Filipe é um exemplo
bíblico.
Em "Teologia Pastoral" de José Deneval Mendes (CPAD, 1999,
p.28):
"O evangelista é um portador inflamado pelo amor de Deus de
boas-novas às almas perdidas, e cuja mensagem principal é a graça redentora de
Deus. No ministério evangelístico, é o normal Deus operar grandes milagres com
o objetivo de despertar o povo para a mensagem da da sua Palavra. Assim como
aconteceu em Samaria (At 8) e tem acontecido através dos tempos".
Aqui também não está clara a ideia de "ofício" ou de atividade
extra-oficial.
Na Bíblia de Estudo Pentecostal (CPAD, 1995, p. 1815), lemos que:
"No NT, evangelista eram homens de Deus, capacitados e
comissionados por Deus para anunciar o evangelho, i.e., as boas novas da salvação
aos perdidos e ajudar a estabelecer uma nova obra numa localidade. A
proclamação do evangelho reúne em si a oferta e o poder da salvação (Rm 1.16).
[...] O evangelista é essencial no propósito de Deus para a igreja. A igreja
que deixa de apoiar e promover o ministério de evangelista cessará de ganhar
convertidos segundo o desejo de Deus. [...] A igreja que reconhece o dom
espiritual de evangelista (grifo nosso) e tem amor intenso pelos perdidos,
proclamará a mensagem da salvação com poder convincente e redentor (At
2.14-41)".
Perceba mais uma vez, que a ideia de "oficial da igreja" não
fica clara, antes, são utilizados os termos "ministério de
evangelista" (que necessariamente não implica em função oficial) e
"dom espiritual de evangelista", onde neste sentido, Filipe, o
"oficial" diácono, poderia ter o dom espiritual de evangelista, que o
impulsionou a realizar o que está registrado nos textos já citados neste
artigo.
Na obra "A Igreja dos Apóstolos", Carlos Alberto R. de Araújo
(CPAD, 2012, 206-208), o evangelista se enquadra na condição de um ministério
itinerante, exercido para a proclamação do evangelho aos incrédulos, e que se
enquadra entre os ministérios de liderança (Ef 4.11). Diferente dos apóstolos
que viajavam de cidade em cidade, os evangelistas exerciam um ministério local,
contribuindo para a pregação do evangelho na região onde congregavam (At
20.1-3; 6-7, 11, 17; 21.8,9). Araújo também não classifica os evangelistas como
"oficiais" da igreja.
3. Análise Prática
Como vimos nas análises exegéticas e teológicas, não há consenso ou
firmeza em declarar que o "evangelista" era um "oficial" da
igreja. O cargo (oficial) não existe na grande maioria das denominações
evangélicas e, quando existe, como no caso das Assembleias de Deus, uma grande
confusão é feita em torno do mesmo. Por exemplo:
a) O evangelista, na grande maioria dos casos, é um cargo conferido a
alguém desprovido das características bíblicas aqui afirmadas (amor pelas
almas, habilidade para pregar o Evangelho; sinais sobrenaturais no seu
ministério, poder em sua mensagem etc.);
b) O cargo de evangelista ocupa uma posição hierárquica abaixo do
pastor, o que não se sustenta exegeticamente. Esta hierarquia consiste numa
"escadinha hierárquica" na seguinte ordem: auxiliar local, auxiliar
oficial, diácono, presbítero, evangelista e pastor (e agora, em algumas
convenções estaduais, "bispo" e "apóstolo"). Em razão
disto, muitos evangelistas preferem (ou são chamados), pelas mais diversas
razões, pelo título de "pastor". Conheço alguns que em seus cartões,
em cartazes de eventos e em outras ferramentas de identificação, divulgação ou
publicidade, usam a designação de "pastor" em vez de
"evangelista";
c) Muitos evangelistas dirigem igrejas, função esta do pastor, deixando
dessa forma de fazer o que lhe compete, que é o de pregar o evangelho aos
perdidos. Acabam sendo criticados, e por vezes até hostilizados pela própria
igreja e companheiros de ministério;
d) O cargo de evangelista é "dado" (também, pelas mais
diversas razões) a quem não tem o dom, enquanto muitos que tem o "dom
espiritual de evangelista" nem oficiais da igreja são, ou ocupam as
funções de auxiliares, diáconos e presbíteros;
Se o ofício de "evangelista" pudesse se fundamentar
biblicamente, no mínimo, deveria ser praticado em nossas igrejas de forma
bíblica. Desta maneira, o comentário de Severino Pedro (idem, p. 90) é bastante
pertinente:
"Nos dias atuais parece haver muitos avivalistas e poucos
evangelistas. Existem Igrejas superlotadas de pregadores, mas vazias de
ganhadores de almas. E, além disso, a verdadeira função do evangelista, é que
ele deve ser visto mais fora da Igreja do que dentro dela [me refiro aqui
Igreja loca]. isto é, que ele não seja somente visto numa função local;
mas que sempre avance na direção das almas perdidas sem Cristo; fundando novas Igrejas
e comunidades".
Estêvam Angelo de Souza, em sua obra "Os Dons Ministeriais"
(CPAD, 1993, p. 43) afirma:
"Devido a incorreta concepção do ministério de evangelista, vemos,
às vezes, um 'Evangelista' ocupado com uma pequena igreja, completamente fora
de sua função, ou mesmo, sem qualquer evidência deste dom ministerial. É
evangelista simplesmente porque alguém o determinou ou porque lhe deram este
nome. Isto nada tem haver com o verdadeiro ministério de evangelista; isto não
tem nenhum fundamento bíblico."
Afirma ainda o autor acima que "Não temos informação de que Filipe
fora ordenado como evangelista para Samaria", e que "[...] o poderoso
dom de evangelista não é comum a todos os crentes; no entanto, a
responsabilidade de pregar o Evangelho a toda a criatura é comum a todos os
salvos, a quantos amam a Deus e a sua obra!" (Ibid., p. 48).
4. Considerações finais
Se "evangelista" é um cargo oficial à luz da Bíblia, e para
isto é citado Ef 4.11, por qual razão "profetas" e
"mestres" não o são?
Se "evangelista" é um cargo oficial à luz da Bíblia, por qual
razão as Escrituras não prescrevem os pré-requisitos para o cargo (ou ofício),
como nos casos de diáconos, presbíteros e bispos (1Tm 3.1-13; Tt 1.5-9)?
No meu entender, o cargo de "evangelista" não se fundamenta
com muita clareza à luz das Escrituras, se sustentando basicamente à luz da
"tradição" da igreja.
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